quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SAUDAÇÃO AOS UNIVERSITÁRIOS DO AMAZONAS

PARA QUE SERVE A UNIVERSIDADE PÚBLICA?

“Mas a esterilidade mental é a mesma nos dois países (Estados Unidos e Alemanha) – só que na Alemanha, onde as pessoas gostam tanto de conversas vagas, teóricas, eles ficam perdendo tempo com conceitos e categorias obsoletas quase todas provindas do século dezenove, ou conforme o caso, tentam impingi-las a outros”.

Hannah Arendet In: Crises da República, 1973.

Na próxima semana, jovens de todo o Brasil e, particularmente, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) retomam suas atividades com foco na realização de seus projetos acadêmicos visando à realização dos seus objetivos. Na terça-feira (28), a equipe dirigente da UFAM estará recepcionando os iniciantes, com palestras e amplas discussões quanto à prática universitária e seus protocolos de Ensino, Pesquisa e Extensão. O NCPAM saúda os universitários e com propósito de contribuir para o debate convida a todos (as) a analisarem a Função Orgânica da Academia, tendo por referência as Notas relevantes presentes em GRAMSCI: Os Intelectuais e Organização da Cultura. Em suas Notas, o intelectual formula uma série de questionamentos quanto ao compromisso da Universidade com o seu tempo, seu povo e seu mundo, a começar pela relação docente-discente, que muitas vezes é mais pessoal do que estruturante, alimentando vícios que resultam em dirigismo político, descambando para retórica ideológica dos Partidos ou de Igrejas, que também se multiplicam no ambiente Universitário. O autor em questão chama atenção para prática pedagógica dos professores universitários, quase sempre deficiente, alguns até mesmo valem-se da cátedra, embora não haja mais legalidade em sua forma, para negar a crítica e outros questionamentos vindos do colegiado dos alunos. As Notas, antes de qualquer opinião, têm por meta suscitar discussão na Academia, na perspectiva de se repensar a nossa prática, inserindo os alunos na luta pela melhoria do ensino quanto à política educacional brasileira, bem como analisando os Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos em que estão regularmente matriculados. Inicialmente, o debate será acompanhado pela seguinte provocação contra a concepção paroquial, que muitos alunos, professores e dirigente acadêmicos ainda tem sobre a Função e a influência da Universidade. Então: Para que serve a Universidade Pública? O que justifica a promoção da esterilidade e da insuficiência intelectiva das Universidades? De que forma se dá o aprendizado – competência e habilidade - na Academia? O que se estuda e para que se estuda? Segundo Gramsci:

“Um curso universitário é concebido como um livro sobre o mesmo assunto. Mas alguém pode se tornar culto com a leitura de um só livro? Trata-se, portanto, do problema do método no ensino universitário: na Universidade, deve-se estudar ou estudar para saber estudar? Deve-se estudar fatos ou o método para estudar os fatos? A prática do seminário deveria precisamente complementar e vivificar o ensino oral”.

Contra a mediocridade

Por que não exercem em nosso país aquela influência reguladora da vida cultural que exercem em outros países? Um dos motivos deve ser buscado no seguinte: nas universidades, o contato entre professores e estudantes não é organizado. O professor ensina de sua cátedra, à massa dos ouvintes, isto é, dá a sua lição e vai embora. Tão somente na época da apresentação da tese (monografia) é que o estudante se aproxima do professor, pede-lhe um tema e conselhos específicos sobre o método da pesquisa científica. Para a massa dos estudantes, os cursos não são mais do que uma série de conferências, ouvidas com maior ou menor atenção, todas ou apenas uma parte: o estudante confia nas apostilas, na obra que o próprio professor escreveu sobre a matéria ou na bibliografia que indicou. Existe um maior contato entre os professores individuais e estudantes individuais que pretendem se especializar numa determinada disciplina: este contato se estabelece no mais das vezes casualmente, e possui uma imensa importância para a continuidade acadêmica e para o destino e várias disciplinas. Ele se estabelece, por exemplo, graças à causa religiosas, políticas, de amizade familiar. Um estudante torna-se assíduo de um professor, que o encontra na biblioteca, convida-o para casa, aconselha-lhe livros para ler e pesquisas a tentar. Cada professor tende a formar uma “escola” própria, tem seus pontos de vista determinados (chamados de “teorias”) sobre determinadas partes de sua ciência, que gostaria de ver defendidos por “seus seguidores ou discípulos”. Cada professor pretende que, de sua universidade, em concorrência com as outras, sejam jovens, “distinguidos” que dêem sérias “contribuições” à sua ciência. Por isso, na própria faculdade, existe concorrência entre professores de matérias afins na disputa de alguns jovens que já se tenham distinguido por causa de uma recensão, de um artiguinho ou em discussões escolares (onde elas são realizadas). Neste caso, o professor realmente guia o seu aluno; indica-lhe as pesquisas, mediante suas conversas assíduas acelera a formação científica dele, faz-lhe publicar os primeiros ensaios nas revistas especializadas, coloca-o em contato com outros especialistas e se apodera dele definitivamente. Este costume, salvo casos esporádicos de igrejinhas é benéfico, pois completa a função das universidades. Deveria deixar de ser fato pessoal, iniciativa pessoal, para se tornar função orgânica: não sei até que ponto, mas parece-me que os seminários de tido alemão representam esta função ou buscam desenvolvê-la. Em torno de certos professores, há uma disputa de pessoa que aspiram atingir mais facilmente uma cátedra universitária. Muitos jovens, pelo contrário, particularmente os que vêm dos liceus provincianos, são marginalizados tanto no ambiente social universitário quanto no ambiente de estudo. Os primeiros seis meses do curso servem para uma orientação sobre o caráter específico dos estudos universitários, e a timidez nas relações pessoais nunca deixa de existir entre professor e aluno. Nos seminários, tal coisa não se verificaria ou pelo menos não na mesma medida. De qualquer modo, esta estrutura geral da vida universitária não cria, já na universidade, nenhuma hierarquia intelectual permanente entre professores e massa de estudantes; após a universidade, mesmo aquelas escassas ligações se relaxam e, em nosso país, inexiste qualquer estrutura cultural que se apóie sobre a universidade. Foi este um dos elementos que determinou a sorte da dupla Croce-Gentile (promotores da reforma do ensino), antes da guerra, na constituição de um grande centro de vida intelectual nacional; entre outras coisas, eles lutavam também contra a insuficiência da vida universitária e contra a mediocridade científica e pedagógica (e mesmo moral, por vezes) dos professores oficiais.

Referência:

GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: editora Civilização Brasileira, 1979. (p. 146 a 48).

ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.

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