A reforma do Poder Legislativo
EVERARDO, MACIEL (*)
Impressiona muito o contraste na
atitude assumida, no final de ano, pelos congressistas norte-americanos e os
brasileiros.
Lá, os parlamentares se dispuseram a
trabalhar, ininterruptamente, no mês de dezembro, inclusive no dia 31, e em 1.º
de janeiro para encontrar uma saída para o que foi chamado de abismo fiscal
(fiscal cliff), cuja consumação, a partir de janeiro, teria repercussões
severas sobre o nível da atividade econômica mundial.
Ainda que não se tenha logrado uma
solução definitiva para a complexa combinação de corte de gastos e de impostos,
o episódio valoriza a capacidade de negociação entre o Executivo e o
Legislativo daquele país, sob a égide do consagrado princípio da harmonia e
independência dos poderes.
Aqui, depois do prolongado recesso
oficioso decorrente das eleições municipais, os senadores e deputados optaram
por desfrutar das tradicionais férias de fim de ano, que se prolongam até o
início de fevereiro, sem que deliberassem, dentre inúmeras matérias relevantes,
sobre o Orçamento para 2013 e os critérios de rateio do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) - malgrado todos saberem que os recursos desse fundo constituem fonte
indispensável para financiamento dos gastos da esmagadora maioria dos Estados.
O que houve com o Congresso Nacional?
Decidiu abdicar do exercício de suas funções constitucionais?
Mesmo em épocas difíceis, como no
segundo governo de Getúlio Vargas e nos governos militares pós-64, o Congresso
jamais renunciou às suas responsabilidades. Ainda que desfalcado pela cassação
de ilustres membros, novas gerações de parlamentares mantiveram o legado de
combatividade, exercendo honradamente a atividade política na sua expressão
mais nobre.
Paradoxalmente, a abertura
democrática, que sucedeu os governos militares, e a Constituição de 1988
concorreram, francamente, para o enfraquecimento da atividade parlamentar.
Em 1985, as novas bases de apoio
governamental promoveram uma assustadora fúria fisiológica, privilegiando-se a
filiação partidária em detrimento da habilitação técnica. Perdeu-se a
compostura. A cobiça atingiu limites escandalosos, levando à criação de tantos
cargos quantos fossem necessários para saciar a sede fisiológica.
A Constituição de 1988 introduziu
institutos concebidos para uma pretensão de governo parlamentarista.
Prevalecendo a tese presidencialista, esses mesmos institutos se converteram em
armas contra o próprio Parlamento, a exemplo das medidas provisórias com força
de lei.
O mais grave é que, com o passar do
tempo, elas aumentaram sua toxicidade política, sendo utilizadas para tudo,
desde a alteração do Orçamento e das leis de diretrizes orçamentárias até a
majoração de tributos, daí passando para verdadeiras colchas de retalho,
recheadas pelos "contrabandos" dos projetos de lei de conversão.
O novo regime, introduzido pela
Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, estabelecendo o travamento das pautas
legislativas até a votação das medidas provisórias editadas, infelizmente
serviu apenas para paralisar de vez a atividade legislativa.
Até mesmo a exigência constitucional
de prévio exame dos requisitos de relevância e urgência foi afastada por uma
manobra regimental, repudiada recentemente pelo STF.
Consolidou-se, dessa forma, a
transferência da capacidade de legislar para o Poder Executivo, que dispõe
ainda do recurso ao veto, que pode fulminar as parcas proposições do
Legislativo. Não bastasse a exigência de quórum qualificado para sua derrubada,
na prática, só remotamente os vetos são apreciados.
É espantoso constatar que existem
mais 3 mil vetos na fila há mais de 12 anos, a despeito de a Constituição
prescrever prazo de 30 dias para sua apreciação pelo Congresso.
Tudo isso estimulou, também, a
preguiça. O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando,
inclusive, um crescente ativismo do Poder Judiciário para suprir a mora
legislativa.
O poder de fiscalização do Congresso
foi garroteado pelo boicote à convocação de autoridades e pela farsa das CPIs,
apequenadas pela maior capacidade investigatória dos órgãos especializados e
pelo silêncio dos investigados, com base em direito sufragado pela
Constituição.
O que sobra para o Congresso? Elevar
verbas de representação, indicar apaniguados para funções públicas, cumprir os
formalismos para aprovação de indicados para os cargos de ministros de tribunais,
embaixadores e diretores de agências e, por fim, fazer o jogo das emendas
parlamentares - fonte inesgotável da corrupção política. Eventualmente,
escutam-se protestos.
Os brasileiros cultivam grande apreço
por reformas. Elas satisfazem o desejo de mudar e têm tamanha indeterminação
que atendem a todas as vontades. A imprecisão do ânimo reformista não
significa, contudo, negação dos problemas. A reforma política, por exemplo,
deveria ultrapassar a dimensão eleitoral e incluir a reforma do Legislativo. Trata-se,
entretanto, de tarefa difícil, pois requer o concurso de estadistas.
(*) É CONSULTOR
TRIBUTÁRIO, FOI, SECRETÁRIO DA RECEITA, FEDERAL (1995-2002),
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-reforma-do--poder-legislativo-,981263,0.htm
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