segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

AMBULANTES OU CAMELÔS, EIS A QUESTÃO

Ellza Souza (*)

Manaus já teve muitos vendedores ambulantes. Sabemos disso, hoje, pelos desenhos do pintor amazonense Moacir Andrade que desde criança gostava de observar a rua e o rio próximos de sua casa no centro. Uma das coisas que o pintor  mais registrou, em prosa, verso e desenhos, foi esses vendedores que na época eram ambulantes de verdade que não criavam raízes num local e sim ofereciam pra lá e pra cá os seus produtos. Em suas lembranças aparecem o doceiro com sua caixa de doces envidraçada e de dois “andares” onde se comprava queijadinha, o “mata-fome”, o puxa-puxa, o bolo de milho, para degustar com o refresco de pura fruta regional. Aparece o padeiro ( o pão de meio quilo deu um flash na minha mente) com grandes cestos de vime que passavam nas ruas “atentando” todos os sentidos do freguês para a compra imediata de produto tão inesquecível mas eliminado do cenário moderno da cidade. Aparece o miudeiro que vinha “da margem direita do igarapé do São Raimundo nas catraias para vender na cidade os miúdos dos bois sacrificados no antigo Curro”. O pintor lembra das negras barbadianas que moravam na longínqua Praça 14 de Janeiro e que vendiam cheiro verde, bonecos de pano, rendas, doces no centro da cidade vestidas com roupas longas e chapéus.

Perfeitamente registrados nos primeiros anos da carreira de Moacir Andrade, quando ainda o lápis era o seu único material de trabalho junto com o seu olhar observador e curioso sobre a movimentação daquelas pessoas e seus tabuleiros ou reco-recos nas ruas da cidade.  Tinha até vendedor de santinho em frente da igreja matriz no centro,  e um deles era assim lembrado: “tinha uma longa barba branca e vestia-se com um velho gibão e uma cruz no peito. Uma outra cruz de madeira na mão era enfeitada com fitas coloridas para atrair os transeuntes e assim vender os seus produtos sagrados”. Outros vendedores circulavam pelas ruas dos bairros com os santinhos pendurados num quadro sobre o peito (uma espécie de mostruário).

Muitos outros vendedores de rua ofereciam seus produtos, a retalho, nas casas das pessoas como o geleiro, o leiteiro, o verdureiro, o carvoeiro. Segundo os relatos o espanhol Felipe Geleiro fez fortuna em Manaus vendendo gelo e fazendo agiotagem. mas vivia como um mendigo, sujo e sozinho. Os horteleiros levavam nas carroças para o “mercado grande”, o Adolfo Lisboa, palco de histórias de muitas vidas e hoje deixado de lado pelas autoridades, as hortaliças fartamente colhidas nas grandes hortas existentes nas proximidades do centro.

Era um tempo em que os ambulantes eram trabalhadores de verdade e mereciam o respeito da clientela. Iam e vinham pelas ruas sem emporcalhar a cidade e sem se apoderar do espaço público com a desculpa de que “é pai de família” e não tem emprego pra todos. Pode até ser essa uma parte da desculpa para a esculhambação no centro da cidade de Manaus. No entanto, a maior parte da culpa por esse caos é certamente das autoridades municipais que permitiram tal insanidade tirando a vontade dessas pessoas de procurar algo melhor pra fazer. Mas claro que a população, todos nós que reclamamos, também temos participação nessa culpa ao comprarmos qualquer coisa que seja nesse mercado negro de camelôs e que não tem nada parecido com os vendedores ambulantes que despertaram sentimentos e a arte do menino Moacir Andrade.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

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