O Realismo político, segundo Sarney: a
política é cruel e o embate político não tem limites
O senador José Sarney (PMDB-AP) está
prestes a deixar a Presidência do Senado, cargo que ocupou por quatro vezes nos
últimos 17 anos. Em 2014, Sarney vai completar seu terceiro mandato como
senador pelo estado do Amapá. Entre 1971 e 1984, esteve na Casa como
representante do Maranhão. “Já são 35 anos dentro do Senado. Na história da
República eu sou o senador que mais tempo passou aqui”, destaca Sarney,
lembrando que Rui Barbosa teve 32 anos de Senado.
Em entrevista à Agência Senado, Sarney avaliou seus mandatos como
senador, falou sobre as realizações de sua carreira política e a forma como
lida com denúncias e revelou também sua compreensão da política desvelando como
ninguém o jogo vivido no Congresso Nacional. Confira:
Como o senhor avalia seus mandatos como senador?
Sempre tive a preocupação com a
atualização, com a modernização e com o apoio científico aos trabalhos do
Senado. Na década de 1970, fui presidente do Ipeac [Instituto de Pesquisa e
Assessoria do Congresso], que visava oferecer assessorias competentes à
atividade parlamentar. O Ipeac era o responsável pelos trabalhos da Casa,
convocando a inteligência nacional para dar apoio ao Congresso. Assuntos como
energia nuclear, hidrelétricas e abertura democrática estavam entre os
trabalhos do instituto. Ainda como senador, em 1993, eu propus a informatização
do Senado. Foi constituída uma comissão, da qual eu era membro, e o resultado
foi a criação da Secretaria Especial de Informática do Senado Federal
(Prodasen).
Qual a herança que o senhor deixa como presidente do Senado?
Durante todo o tempo que passei no
Congresso, nunca gostei de participar das mesas de direção. Mas, em 1994, me
rendi aos apelos para assumir a Presidência do Senado. Como presidente, minha
preocupação com a modernização se redobrou. Depois de assumir a Presidência,
acho que entramos na era da modernidade do Senado. Parecia que o Senado ainda
estava no século 19, pois não havia o conhecimento das mudanças significativas
que a sociedade da informação trouxe para o mundo.
Durante o tempo em que fui
presidente, sempre houve a preocupação com a transparência, pois a modernidade
traz um novo interlocutor, que é a opinião pública, que se manifesta por meio
da mídia, das redes sociais ou pelas organizações civis. Com isso, nós achamos
que o Senado devia se atualizar para ter sua presença diante da opinião
pública. Daí, houve a criação da Secretaria Especial de Comunicação Social
(Secs), com a TV, a Rádio, o Jornal e a Agência Senado. Serviços como o
DataSenado, a Ouvidoria, o e-Cidadania e o Alô Senado vieram assegurar uma
transparência cada vez maior da Casa. Também destaco a informatização das
sessões e da frequência dos senadores, as notas taquigráficas em tempo real na
internet e o [site de busca de legislação] LexML.
Na área administrativa, houve o
incremento dos cursos do ILB [Instituto Legislativo
Brasileiro] e a aquisição
de livros raros para a Biblioteca, além dos programas Pró-Equidade e Senado
Verde. Tudo isso mostra a revolução que ocorreu no Senado e como a Casa se
modernizou. A modernização e a atualização têm sido a minha marca por onde
tenho passado na administração publica.
A vida política do senhor é muito extensa. O senhor já foi deputado,
governador, senador e presidente da República. Além disso, é empresário e
membro da Academia Brasileira de Letras. O senhor se considera realizado ou
falta algo a conquistar?
Todo homem chega ao fim da vida com
uma certa frustração, não das coisas que fez, mas pelas coisas que deixou de
fazer. Quando a gente entra na política, é pelo desejo de melhorar a sorte de
seu município, de seu estado, de seu país, e até de melhorar a sorte da
humanidade. Essa é a grande vocação da política. E sempre fica uma frustração
por ainda não ter conseguido todas essas coisas.
Na realidade, eu fico meio decepcionado
quando vejo que todas as ideias políticas difundidas no mundo prestaram menos
serviço ao povo do que [Alexander] Flemming, com a penicilina, [Albert] Sabin,
com a vacina contra a paralisia, ou as inovações de [Thomas] Edison ou [Steve]
Jobs. Sempre fica a ideia de que ainda há alguma coisa por fazer. Quando Deus
fez o mundo, não o fez com tudo perfeito, mas deixou o homem com a capacidade
de cada dia melhorar um pouco. Eu sou um otimista com a humanidade, e acho que
haverá um dia em que o homem vai conseguir aquilo que [Thomas] Jefferson
chamava de “a busca da felicidade”. Isso será daqui a milênios, mas vai
acontecer.
O exercício da política implica, naturalmente, controvérsia e
antagonismo. Ao longo da sua trajetória política, o senhor teve de lidar com
denúncias de irregularidades. De que forma o senhor convive com essas denúncias
e as críticas?
A política é cruel, lida com a
crueldade. O embate político não tem limites. A primeira coisa que muitos fazem
[na política] é tentar desqualificar o adversário. Então se inventa tudo e se é
submetido a todas as injustiças. Quanto mais responsabilidade, mais se é
combatido. Isso faz parte da prática e da instrumentação política. Isso é
terrível pra quem faz política e desmoraliza a atividade política. Por isso, o
povo julga tão mal os políticos. São os próprios políticos que constroem esse
julgamento.
Quanto a mim, como eu sei que são inverdades, eu lido como se fosse com uma terceira pessoa. Eu lido com absoluta tranquilidade. Eu sou cristão e Deus me deu essa graça. Deus já fez tanto por mim – como o país em que ele me fez nascer e a vida que ele me permitiu construir, tanto na literatura quanto na política – e ele me pede uma coisa apenas: “Perdoai os vossos inimigos”. Por que eu vou negar isso a ele? Então eu perdoo e fico tranquilo, numa boa.
Na história do Brasil, muitos
sofreram muitos ataques. Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, muitos presidentes. Mas
eu vejo que tudo isso passa. Os excessos que a imprensa constrói, o tempo
destrói.
O senhor completou 82 anos, em 2012, passando por um susto. Teve de ser
internado, para tratar do coração. É natural que, neste momento da vida, a
morte se torne um assunto delicado. O senhor tem receio da morte? De que forma
lida com a ideia da morte?
O corpo começa a dar sinais, algumas
peças começam a ficar com a validade vencida (risos). Eu até escrevi um poema, Homilia do juízo final, em que eu termino dizendo: “Tenho
um encontro com Deus. / – José! onde estão tuas mãos que eu enchi de estrelas?
/ – Estão aqui, neste balde de juçaras e sofrimentos.” Juçara é outro nome para
o açaí.
Nos vários cargos que o senhor exerceu, qual foi o momento mais difícil?
Foi quando me ligaram de madrugada,
avisando que eu iria assumir a Presidência da República (Em março de 1985,
Sarney assumiu a Presidência depois de Tancredo Neves ter sido internado com
problemas de saúde. Tancredo viria a morrer em abril daquele ano, e Sarney
seguiu como presidente até 1990). Não conhecia o ministério nem o programa
de governo. Todos diziam que a democracia iria morrer nas minhas mãos. Mas não
morreu. Pelo contrário, floresceu.
Eu convivi com grandes homens
públicos. Cada um tem o seu tempo, e corro o risco de terminar fazendo alguma
injustiça. Mas, se eu tivesse que apontar aquele de quem mais sinto falta,
seria de Tancredo Neves.
Nos seus vários mandatos, há algo que o senhor considere que seja o seu
legado político para o Brasil?
Eu destaco a transição democrática,
pois depois a democracia se consolidou no país, e os programas sociais, que
tanto bem fazem para o povo brasileiro. Depois de ser presidente, tive a
felicidade de ver todas as classes sociais chegando à Presidência da República,
colaborando com a vida do país. A República começou com os barões do café,
passou pelos militares, pelos bacharéis e tivemos um operário como presidente.
Hoje, temos uma mulher na Presidência. Há país mais democrático que o Brasil?
Há exemplo maior do que esse? Isso foi fruto de um trabalho que passou pelas
minhas mãos.
Quando fui presidente da República
(1985-1990), houve uma mudança de foco. A prioridade era apenas econômica e eu
coloquei a causa social na pauta da política brasileira. Todos esses programas
que hoje foram ampliados começaram naquele tempo. Com o Plano Cruzado (1986),
tive a coragem de colocar minha cabeça a prêmio, com o congelamento de preços.
Procuramos outro caminho que levou ao Plano Cruzado, ao Plano Verão, ao Plano
Collor e até ao Plano Real. O Plano Real, já naquele tempo, esteve em nossas
mãos, mas não havia mais tempo para implementá-lo, pois estava deixando a
Presidência da República. Essas conquistas me fazem muito orgulhoso de minha
vida pública. Na minha vida, a orientação sempre foi procurar ajudar,
construir, unir e buscar a paz.
Fonte: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/01/22/sarney-afirma-a-politica-e-cruel-e-o-embate-politico-nao-tem-limites
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