Sem poder e sem pudor
Vergonha nacional. O senador Renan Calheiros (PMDB), execrado pela
conduta imoral em relação à coisa pública, com a força das oligarquias do
partido, é o cara escolhido para a Presidência do Congresso
Nacional se depender dos senadores do Amazonas.
Para a democracia a unanimidade não só é burra como também é comparsa da
corrupção e do assalto à República. Viva
o contraditório se o povo brasileiro quiser passar a política a limpo.
A candidatura, que senadores
descontentes chamam de "clandestina", mas na prática imbatível, do
alagoano Renan Calheiros (PMDB) à sucessão de José Sarney na presidência do
Senado põe em xeque o prestígio do Legislativo.
O desejo do senador de voltar ao lugar
do qual saiu para não ser cassado está prestes a se realizar sem que sequer ele
precise confessá-lo publicamente. Isso poderá ocorrer, apesar dos fatos
relevantes que não o recomendam para o posto, cujo ocupante também preside o
Congresso e entra em terceiro lugar na linha sucessória da Presidência da
República. Os óbices contra sua pretensão são óbvios, mas nenhum é suficiente
para impedi-lo de alcançar o objetivo.
O primeiro deles é que na vez
anterior em que lá esteve teve de renunciar ao posto depois de ter sido alvo de
seis meses de denúncias. Acusado de receber ajuda financeira de lobistas
ligados à construtora Gautama para pagar o aluguel de um apartamento e pensão
alimentícia para uma filha que teve fora do casamento com a jornalista Mônica
Veloso, ele protagonizou um escândalo apelidado de Renangate, junção de seu
sobrenome com a segunda metade da palavra inglesa Watergate, que batizou o caso
que terminou com a renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon.
Substituído na presidência pelo petista Tião Viana (AC), o alagoano foi
absolvido a portas fechadas pelo voto secreto de 40 colegas a favor, 35 contra
e 6 abstenções.
Cinco anos depois, na escolha para a
presidência para a próxima legislatura, a ser iniciada em 1.º de fevereiro, a
volta tida como certa, embora ainda não anunciada oficialmente, do presidente
que renunciou para não ter cassado o mandato de senador repete interesses e
personagens do episódio que o afastou. A presidente Dilma Rousseff chegou a
soltar balões de ensaio dando a entender que a solução não a agradava e que
preferia alguém com um prontuário menos tisnado. Soluções alternativas com as
quais ela simpatizava, casos do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e do
ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique, contudo, naufragaram. O Palácio
do Planalto, o governo federal e o PT não resistiram ao assédio do presidente
da Casa, José Sarney, e do vice-presidente da República, Michel Temer, em favor
do candidato que parece inevitável: a poucos dias da eleição, sem ter pedido um
voto nem sequer reconhecido interesse no pleito, Renan não tem opositores. A
não ser Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que dificilmente deixará de beneficiar o
favorito com o argumento de que terá vencido uma disputa para valer.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF)
encaminhou uma carta a 43 colegas, expondo ideias do grupo que não se conforma
com essa situação, convocando-os para debater ideias capazes de livrar a Casa
do opróbrio total. Nenhum senador petista aceitou participar do debate, nem
aqueles que mais fazem questão de exibir independência e correção. Isso parece
dar razão a críticos da vitória do candidato "que foi sem nunca ter
sido", como a viúva Porcina da telenovela Roque Santeiro, de Dias Gomes,
na Globo. Pois tudo indica que a escolha do mesmo Tião Vianna, que substituiu
Renan na crise do Renangate e presidiu a sessão que lhe manteve o mandato, para
vice na chapa secreta de agora denota a esperança do partido governista de
ascender à presidência na eventual repetição de algum descalabro similar ao de
2007. A hipótese não é implausível: o outro óbice óbvio se configura nos
escândalos protagonizados pelo pretendente. Este jornal acaba de publicar em
primeira página a notícia de que a construtora Uchôa, de propriedade de um
irmão de Tito Uchôa, apontado como "laranja" de Renan, faturou mais
de R$ 70 milhões no programa Minha Casa, Minha Vida, da Caixa, área de
influência do senador e de seu partido em Alagoas.
Na sua coluna no jornal Valor,
Rosângela Bittar resumiu a adesão muda da maioria dos senadores e a omissão do
governo e seu partido diante do fato consumado num trocadilho cruel e amargo
feito por Cristovam Buarque: "Primeiro, nós fomos perdendo o poder e
depois fomos perdendo o pudor". E a colunista comentou sem dó: "Um escárnio".
Mais precisava ser dito?
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sem-poder-e-sem-pudor-,989014,0.htm
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