MANAUS DO AVESSO
Descobri que em tão pouco tempo de
nossa existência destruímos o que realmente interessa para a nossa
sobrevivência como a água, as árvores, os bichos, a natureza, enfim. Descobri
que nos falta educação, amor próprio, bons políticos para gerir os recursos,
dignidade.
Ellza Souza (*)
Nem sei como falar do que tenho visto ultimamente. Com a demolição das
casas de frente por parte do Prosamim na área da bacia hidrográfica de São
Raimundo descobri andando por esses lugares muitas coisas incompreensíveis para
uma cidade que se diz nos primeiros lugares em riqueza do país. Descobri
minúsculos igarapés que escorrem do igarapé maior. Descobri um emaranhado de
casas improvisadas por cima desses riozinhos. Descobri uma vegetação resistente
a agressões. Descobri crianças vivendo amontoadas em cima de igarapés
completamente poluídos em casas de tábuas caindo aos pedaços e que estudam mas
não sabem a lição maior de não jogar lixo no meio ambiente. Descobri
histórias de vida e de desalento pela intervenção sofrida. Descobri histórias
que não convencem de moradores que fizeram suas casas num local inadequado para
suas famílias. Descobri alegria em crianças desprovidas de boa educação, de
bens materiais, de boa alimentação, mas fazendo da tristeza uma festa de
despedida pela saída do local. Descobri em alguns relatos a inevitável
lembrança de que “o igarapé era limpinho”. Descobri sofá, fogão, geladeira,
cadeira, jogada ao relento. E muita sacola plástica pra todo lado. Descobri não
rios de sujeira mas um oceano de lixo e ratos por entre moradias e
moradores. Descobri que em tão pouco tempo de nossa existência destruímos o que
realmente interessa para a nossa sobrevivência como a água, as árvores, os
bichos, a natureza, enfim. Descobri que nos falta educação, amor próprio, bons
políticos para gerir os recursos, dignidade. Descobri que não sabemos mais o
que é um beija flor pois sem as plantas não temos flores e sem as flores não
temos mais esses e outros passarinhos que nos tornam mais humanos.
Descobri que a vida ficou feia, ficou triste, sem imaginação, sem
arte, sem boas ideias. A vida fede ao nosso redor pois o lixo se mistura aos
dejetos formando lama infectada pra todo lado. Descobri que matamos igarapés,
peixes e paisagens que podiam ser outras, mais belas sem dúvida. Recomendo que
façam um passeio nas áreas da bacia do São Raimundo em áreas como a rua Beira
Mar, rua da Cachoeira, Beco Normando, Pico das Águas, Aparecida (ig. do
Belchior). Apenas esses locais vão lhes dar uma visão do horror a que estou me
referindo. Fora o que foi aterrado e levado pelas prefeituras ao longo do tempo
e o que foi levado pelas enxurradas para os grandes rios e mares, fica ainda
uma gigantesca amostra, com a quantidade de lixo jogada pra todo lado, do
quanto fazemos mal a nós mesmos.
A cidade teve sorte ao ser criada entre os vales de suaves colinas, com
rios, olhos d’águas, grandes castanheiras, pedras jacaré, areia fina e branca,
numa região ainda em formação geológica. Mal sabemos a sua história, mal
conhecemos os nossos ancestrais e parece que não chegaremos a conhecer. Pelo
andar da canoa logo-logo talvez nos reste as lágrimas como únicas
representantes do que teria sido um dia a água de um igarapé na cidade de
Manaus.
(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.
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