JUDAS E AS
MARIAS DE CRISTO
Ademir
Ramos (*)
A
narrativa histórica
dos cristãos celebra na Páscoa, a vida, morte e ressurreição do Cristo libertador.
Os fatos comungados nas liturgias comunitárias são carregados de paixão,
elevando a pessoa ao pertencimento da dor do outro, que consumado pela redenção
do filho de Deus é elevado à condição de homem livre contra o poderio do
Império Romano, dos sacerdotes da Corte e toda forma de redução do homem,
assim, explorado, dominado e excluído do lucro da terra, do trabalho, vivendo
sob as estruturas do pecado social.
As
alegorias são múltiplas e na idade média a reinvenção da tradição ganhou cores
e formas que povoaram o imaginário popular migrando para as terras conquistadas,
merecendo das culturas leituras variadas em formato não muito aceito pela
tradição Romana.
A trama da Paixão tem gosto amargo da
injustiça, quando o Sumo Sacerdote sente-se ameaçado e começa a interrogar o
jovem Cristo como força contrária a sua plataforma política, pondo em dúvida a
legitimidade do poder que o exerce. Assim, o Cristo Messias é condenado por blasfêmia
e sofre as mais cruéis humilhações que um homem poderia sofrer, tendo sido
injuriado, escarnecido e por fim a cruz como paga.
Mas, antes, bem antes, a profecia
reserva ao Cristo, a dor da traição, manifestação recorrente no cotidiano dos
homens que lidam com a paixão e o labirinto da política. Pois, como diz o
salmista (Sl 41,10): “Até meu amigo, em quem eu confiava, que comia do meu pão,
levantou o calcanhar contra mim”.
Contra o Messias levantou-se Judas Iscariot,
que com ele comia e bebia, para dedurá-lo em troca de alguns dinares. E assim o
fenômeno tornou-se mais próximo porque faz pensar sobre a condição humana e as
disputas vividas em suas diversas frentes institucionais. Mas, o fim do traidor
é a morte de forca, o suicídio, que ganhou vida na arte popular, passando a ser
execrado em praças públicas pelos populares, identificando-o com Atores sociais,
religiosos e políticos que também ludibriam o povo de Deus, fazendo as maracutaias
nos poderes instituídos, metendo a mão no dinheiro público em benefício
próprio.
Desse modo, na calada da noite de hoje (sexta)
para amanhecer o sábado, o Judas Traidor se faz presente nos postes das cidades
do Brasil e das culturas barrocas, com fisionomia de pessoa pública para ser
malhado, fazendo-se justiça contra os corruptos que crucificam o povo,
enganando, prometendo e dando pinta de honesto.
Mas, a morte é consumada pela ressurreição
do Cristo, que por sua vez tem como testemunha Maria Madalena, Maria Mãe de
Tiago e Salomé. A beleza desta Saga está nestas mulheres, que por força do amor
e de sua paixão iam ungir o corpo do sacrificado e lá chegando encontraram,
segundo elas, o túmulo saqueado. Ainda sob espanto, foram convencidas de que
Ele havia ressuscitado e a elas o espírito de Deus confiou para que anunciassem
aos apóstolos a consumação do tempo porque o Cordeiro de Deus, segundo
Apocalipse (Ap 5,9), em sendo imolado, pelo seu sangue, havia resgatado para
Deus, os homens de toda a tribo, língua, povo e nação. Elas, as mulheres, são
as primeiras a vivificarem o cristianismo desde a revelação até a ressurreição.
No entanto, foram também as primeiras excluídas do mandamento dos ministérios
eclesiásticos romano, rogando a Deus, em tempo, que a Justiça seja feita.
(*)
É antropólogo, professor e coordenador do NCAPM/UFAM.
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