terça-feira, 21 de agosto de 2012


DESPERDÍCIO CRIMINOSO

Alfredo MR Lopes (*)  

No Amazonas, ironicamente, na entressafra, quase 100% do pescado de aquicultura vem de Rondônia, Roraima e Mato Grosso. Por razões diversas, os projetos locais de piscicultura fracassaram um a um nos últimos 20 anos.

O desperdício de algumas dezenas de toneladas de peixe nos terminais pesqueiros de Manaus – veiculado pela mídia nacional - deixou a opinião pública certamente...
estarrecida e a especular sobre a inépcia do poder público e dos agentes privados locais em aproveitar essa obviedade de negócios e de saudável alternativa alimentar. Eis um desafio que constrange desde sempre o talento regional para empreender à vista das potencialidades que a aquicultura e a pesca regional oferecem. Sobram pesquisas a respeito e são múltiplas as espécies disponíveis, além das saborosas variedades culinárias à disposição, entre outros itens de negócios que a magia do peixe representa na região. 

Enquanto cada brasileiro come em média 9 quilos de peixe por ano, uma quantidade discreta em relação aos 54 quilos consumidos no Amazonas, quase 5 vezes o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que é 12 quilos, desperdiçamos nesta semana, por conta de uma safra recorde, 20 toneladas de pescado por absoluta incompetência gerencial dos atores envolvidos. Proteína preciosa por seus baixos teores de gordura e de colesterol nocivo, o peixe é a base alimentar das grandes civilizações, desde os egípcios. Do total consumido pelos brasileiros, 69,4% é produzido no País e 30,6% vêm de países como Chile, Noruega e Argentina. No Amazonas, ironicamente, na entressafra, quase 100% do pescado de aquicultura vem de Rondônia, Roraima e Mato Grosso. Por razões diversas, os projetos locais de piscicultura fracassaram um a um nos últimos 20 anos.

Fóruns, seminários, workshops se revezam na discussão do problema e constatam em todas as oportunidades a insuficiência, fragmentação e dispersão de ações de pesquisa e desenvolvimento. Os escaninhos do INPA, Embrapa e Universidades regionais estão entupidos de teses de aproveitamento da economia pesqueira, como filetagem, curtume, ração animal, cosméticos e fármacos... As tentativas de coordenação nacional de uma politica da pesca, ainda sem marco regulatório, esbarram nas especificidades regionais e empacam na manipulação eleitoreira. Resultado da desordem institucional, além do desperdício, é a importação de pescado e farinha de peixe para fins industriais num patamar superior a meio bilhão de dólares. Um vexame da balança comercial.

A Embrapa começa a colher frutos robustos na agricultura e aquicultura no Continente Africano, mas não encontra guarida nem patrocínio para seus novos projetos de pesquisa das cadeias produtivas do pirarucu, surubins, matrinchãs e outros peixes do acervo amazônico onde estão disponíveis o maior potencial aquático para fins de produção racional e mais de três mil espécies da ictiofauna local. Nos últimos 50 anos, os cientistas do INPA acumularam um acervo monumental de informações para o desenvolvimento da economia da várzea amazônica, onde abundam os adubos naturais e outras aptidões de negócios ao longo de milhares de quilômetros dos rios e lagos da região. Alternativas de ração orgânica, co rantes naturais de adereços de origem pesqueira, óleos medicinais, proteínas, vitaminas e outras substâncias alimentares e terapêuticas sintetizadas a partir de algumas espécies estão aí, disponíveis para aplicação e diversificação de oportunidades.

Enquanto isso, uma disputa jurídica vesga e danosa entre União e Município, embalada pela omissão estadual, vira espinho na garganta do interesse público, impede o uso de um terminal pesqueiro na orla da cidade e se soma a velhos e insolúveis dilemas de uma atividade antiga como o mundo, necessária e saudável sob todos os pontos de vista e direções. De quebra, aquilo que poderia ser uma deliciosa alternativa alimentar, vira um descaso perverso e omissão inaceitável que assiste a crianças consumirem ração suína, arroz e linguiça calabresa no cardápio da merenda escolar. Nesta semana, como uma andorinha solitária e teimosa, na perspectiva do verão da prosperidade, o INPA realiza o primei ro workshop de tecnologias sociais, pra fazer da Ciência efetiva oportunidade de projetos e prospecção de ações futuras, identificando soluções convencionais, inovação de produtos, processos e serviços, na interação promissora com o conhecimento tradicional e o saber popular. Por que não apostar nas promessas dessa inversão?

(*) É filósofo e consultor e articulista do Jornal Em Tempo  alfredo.lopes@uol.com.br 

Um comentário:

Anônimo disse...

Irracional isso.