A Constituição está em
perigo
Em Manaus, na data de hoje (8), na posse da direção da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), na Assembleia
Legislativa do Estado, os líderes indígenas marcaram posição contra o
descumprimento da ordem Constitucional em violação aos diretos dos povos
indígenas. Os novos coordenadores da
COIAB disseram que este “novo Direito” é uma afronta ao Estado Democrático
Pluralista e a soberania nacional, por isso, irão articular forças amigas para
fortalecer o respeito as consultas prévias; a discussão sobre aprovação do novo
Estatuto das Sociedades Indígenas em sua totalidade; contra a mineração
predadora no território indígena, a violação ao meio ambiente, valorização dos
direitos tradicionais, bem como a efetivação das políticas públicas
pós-demarcação que resultem em sustentabilidade às suas comunidades.
Manuela Carneiro da Cunha
(*)
Há 25 anos, em 1988, uma nova Constituição afirmou que o país
queria novos rumos. O Brasil aspirava a ser fraterno e justo.
O capítulo dos direitos dos
índios na Constituição de 1988 foi emblemático dessa postura. Não tanto pelo
reconhecimento do direito dos índios à terra, que já figurava em todas as
Constituições do século 20. Mais significativo foi o abandono da ideia -- esta
do século 19 -- de que a missão da chamada civilização consistia em fazer os
índios deixarem de ser índios. Em vez disso, pela primeira vez, celebrou-se a
diversidade como um valor a ser preservado.
Em 1988, as expectativas de
mineração e construção de hidrelétricas em áreas indígenas já eram contrárias à
afirmação dos direitos dos índios. No entanto, a Confederação Nacional dos
Geólogos se opôs aos interesses das mineradoras e entendeu que as terras
indígenas constituíam uma reserva mineral. Ou seja, elas deveriam ser as
últimas a serem consideradas para mineração, quando o minério fosse de
interesse estratégico indiscutível e não houvesse alternativa no território
nacional.
Na Constituinte, chegou-se
finalmente a um acordo: exceções às garantias de usufruto exclusivo dos índios
sobre suas terras, somente em caso de relevante interesse da União. Foi o
parágrafo 6º do artigo 231 da CF. O entendimento era de que cada caso seria
debatido e sua excepcionalidade comprovada.
Agora, 25 anos mais tarde, as
exceções pretendem se tornar a regra. Como? Definindo -- a pretexto de
regulamentar o tal parágrafo -- o "relevante interesse da União" de
uma forma tão genérica e tão ampla que tudo caiba nela. Pasme: passa a ser de
"relevante interesse nacional" qualquer mineração e hidrelétrica, é
claro, além de estradas, oleodutos, gasodutos, aeroportos, portos fluviais e
até assentamentos agrários. E no final, a pérola que trai a origem da manobra:
podem ser "de relevante interesse da União" até terras indígenas
intrusadas, com títulos contestáveis.
Esse é o teor de um projeto de
lei complementar na Câmara, de origem ruralista, o PLP 227/2012. Outro projeto,
de redação mais sutil, mas com efeitos até piores, foi apresentado recentemente
pelo senador Romero Jucá do PMDB de Roraima, e, sem sequer ainda ter número,
deve ter rápida tramitação. Deve-se reconhecer a esperteza da manobra, que
pretende acabar de uma vez com todas as restrições.
O que está acontecendo? A
bancada ruralista, aliada à bancada da mineração, está tomando conta do nosso
Congresso. Por outro lado, desde 1988, as terras públicas remanescentes foram
sendo destinadas para se garantir o que interessa ao Brasil como um todo, por
exemplo a conservação ambiental.
A investida dos ruralistas,
agora em posição de força no Congresso -- e, portanto, no governo também -- é
no sentido de tornar legais todas as transgressões da lei que já eram
praticadas. Primeiro, foi o Código Florestal, desfigurado há dois anos, que
anistiou os desmatamentos irregulares. Agora, querem legalizar o esbulho de
terras indígenas.
Na tentativa de influenciar a
opinião pública, os ruralistas usam como fachada os pequenos agricultores. A
situação hoje é a seguinte: a definição de áreas de conservação ambiental e a
demarcação de terras indígenas e de quilombolas estão paradas. Multiplicaram-se
os projetos de lei e de emendas constitucionais que lhes são hostis.
Um exemplo gritante é a
proposta de emenda constitucional (PEC) 215, que quer tirar do executivo e
passar para o Congresso a demarcação das terras indígenas, o que na prática
significa o fim das demarcações.
Por toda a semana, índios e não
índios protestaram contra o desmantelamento do emblemático capítulo
constitucional referente ao direito indígena. Mas esse não é só um ataque aos
índios. É todo nosso projeto de futuro que está em jogo.
(*) É antropóloga, membro da Academia Brasileira de Ciências e professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e da Universidade de Chicago.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/10/1350913-manuela-carneiro-da-cunha-a-constituicao-esta-em-perigo.shtml
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