segunda-feira, 7 de outubro de 2013


O MASSACRE DOS MANAUS E A CAPTURA DE AJURICABA
 

Os historiadores da província para satisfazer aos interesses de seus mandatários fazem tudo para desqualificar a história dos povos indígenas da Amazônia e das Américas, chegando ao absurdo de afirmar categoricamente que os índios não fazem história, reduzindo sua participação apenas como objeto da etnografia colonial, castrando, terminantemente, a voz e os direitos históricos dessas Nações. No Amazonas pouco ou quase nada se sabe sobre Ajuricaba, chegando ao ponto de dizerem que se trata de uma figura lendária, como se fosse uma invencionice diabólica para assustar os portugueses da Amazônia brasileira. O texto do Professor Roberto Monteiro de Oliveira dá prova histórica desse guerreiro Arawak, assim como das lutas travadas pelos Manaós contra os colonizadores portugueses, particularmente, no território rebatizado com o nome de Rio Negro e muito mais fatos podem ser encontrados nos arquivos do século XVII e XVIII, no Museu Amazônico da UFAM. A negação da história e da cultura indígena no Amazonas é tão gritante que os textos oficiais fazem questão de evidenciar o lusitanismo identitário negando o ser manauara (manaós-ara – terra dos manaós) pela afirmativa colonial de manauense, bem nos moldes das ordens pombalina que tudo fizeram para apagar da Amazônia a toponímia indígena, bem como sua cultura, o que não conseguiram pelo valor e coragem de homens e mulheres com a mesma determinação e coragem do guerreiro Ajuricaba.

 

Roberto Monteiro de Oliveira (*)

Dentre os massacres de nações indígenas cometidos pelos portugueses na Amazônia ganhou destaque e notoriedade histórica o massacre da nação Manaós e de seu cacique Ajuricaba.
 
A nação dos manaós habitava o território do vale do rio Yquiari e a parte inferior do Rio Içá e pertencia ao grupo lingüístico Arawak. A partir da expedição de Francisco de Orellana em 1542, frei Gaspar de Carvajal, capelão da expedição referiu-se ao Rio Iquiari com o nome de Rio Negro que ficou até os dias atuais.

Vejamos a seguir como Frei Gaspar de Carvajal descreve a “descoberta” do Rio Negro em sua obra "Relación del descubrimiento del famoso río Grande que dese su nacimiento hasta el mar descubrió el Capitán Orellana en unión 56 hombres". (O relato é autoexplicativo e dispensa comentários sobre o procedimento dos portugueses):

“Sábado, víspera de la Santísima Trinidad, el Capitán mandó tomar puerto en un pueblo donde los indios se pusieron en defensa; pero, a pesar de ello, los echamos de sus casas, y aquí nos proveímos de comida y aun se fallaron algunas gallinas. Este mismo día, saliendo de allí, prosiguiendo nuestro viaje, vimos una boca de otro río grande a la mano siniestra, que entraba en el que nosotros navegábamos, el agua del cual era negra como tinta, y por esto le pusimos el nombre de Río Negro, el cual corría tanto y con tanta ferocidad, que en más de veinte leguas hacía raya en la otra agua, sin revolver la una con la outra”.

Os estrangeiros, em seus escritos, se referem aos manaós como numerosos, fortes, altivos, valentes guerreiros que exerceram hegemonia sobre as outras etnias que habitavam em seu território.

Em 1639, o capelão da expedição de Pedro Teixeira frei Cristóbal de Acuña percebeu que o território dominado pelos Manaós era uma área estratégica para proteger e defender a Amazônia da cobiça dos concorrentes holandeses e ingleses que estavam ao norte dessa região e que desejavam descer para participar dos empreendimentos que se realizavam naquele território com as várias nações indígenas.
 
A esse tempo o rio Iquiari, o Rio Negro atual, era também conhecido como o Rio do Ouro e nas proximidades dessa região estaria o país do El Dorado e a cidade de Manoa próxima ao lago Parima, onde se dizia haver grande quantidade de ouro de tal modo que os guerreiros vencedores eram premiados com um banho de ouro em pó sobre seus corpos nus. Segundo observações de missionários e de outros viajantes que passaram por esse território a partir da segunda metade do século XVII havia um comércio intenso praticado pelas nações indígenas com estrangeiros, sobretudo com os holandeses.

Essa área de livre comércio liderado pelos manaus abrangeria o território das antigas guianas (holandesa e inglesa) delimitada informalmente desde o Rio Orenoco até a região do Rio Madeira.
 
Observam os cronistas dessa época que os indígenas não queriam mais negociar com os portugueses porque as mercadorias e quinquilharias ofertadas pelos holandeses e ingleses eram bem melhores.

Fica evidente que esse quadro de eventos, fatos e descrições fantasiosas despertava nas pessoas sentimentos de enriquecimento rápido e fácil e de qualquer jeito atraindo para a região aventureiros de todas as espécies, prática que se consolidou e permanece até hoje.
 
É claro que os colonos portugueses não poderiam deixar de participar desses negócios e, sobretudo o rei de Portugal não poderia deixar de arrecadar impostos para a Fazenda Real sobre todos esses negócios. Explicitando mais ainda fica evidente também que essa área de livre comércio (ancestral da Zona Franca) liderada pelos manaós passa a ser uma área estratégica para a defesa do território, controle das atividades econômicas, enfim para o resguardo do exclusivismo colonial em relação à Amazônia e especialmente do Rio Negro.

Particularmente os holandeses não desistiam de marcar presença no Brasil e na Amazônia. Aqui na Amazônia os holandeses instalaram um forte no estuário do Rio Essequibo e em 1621 fundaram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

Essa companhia passa atuar na região criando sua rede de colaboradores corrompendo os chefes das nações indígenas nesse escambo hediondo de índios e negros escravizados por quinquilharias, armas e outras mercadorias.

Os manaós combateram a nação indígena dos Karinya e dos Akawaio que fizeram parte da rede de colaboradores dos holandeses, por esse motivo, em 1724 o Conselho Político de Essequibo ordena o extermínio dos Manaós e que os prisioneiros fossem vendidos como escravos. O Conselho Político de Essequibo premiava quem matasse um manaós.
 
Ajuricaba e seus guerreiros manaós lideravam uma coalisão de chefes de nações indígenas no enfrentamento à invasão e ocupação de seus territórios, no saque aos seus recursos naturais e na redução das populações indígenas à condição de escravos.

Todos esses fatos contrariavam os interesses do Rei de Portugal e particularmente os interesses imediatos dos colonos portugueses aqui na Amazônia.
 
Os colonos portugueses irritados com os índios e incapazes de dar combate aos seus verdadeiros inimigos e concorrentes os holandeses, ingleses, franceses e espanhóis na disputa pela força de trabalho dos índios e pelos recursos da floresta conseguiram da Junta das Missões autorização para fazer uma “guerra justa” contra os manaós e seus aliados.

O motivo para fazer “guerra justa” aos Manaus foi a acusação mentirosa, até hoje não comprovada, de que Ajuricaba seria aliado dos holandeses e que navegava pelos rios ostentando a bandeira da Holanda. Já vimos anteriormente que os manaós não tinham nenhuma razão para se aliarem aos holandeses o que não impediria de esporadicamente fazer algum negócio com algum holandês.

O fato é que a Junta das Missões votou pela autorização da “Guerra Justa” contra os manaós e seus aliados e a captura de Ajuricaba.
 
Legitimados pela Junta das Missões e munidos de todos os recursos necessários o governador João Maya da Gama recomenda ao capitão João Paes do Amaral uma “guerra dura”.
 
 Na verdade esta operação bélica contra os manaus ocorreu em setembro de 1727, em uma localidade conhecida na época como Ponta do Azabari, nas proximidades do encontro das águas do Rio Negro com o Rio Amazonas que se tornou uma área mística para os manaós e para todas as nações indígenas do vale do Rio Negro, dando origem a várias lendas e mitos que ainda hoje são contados em todo vale do Rio Negro e que são objeto de pesquisa dos antropólogos e historiadores.

Ajuricaba viu seu filho Cucunaca ser assassinado pelos portugueses durante os combates. Juntamente com Ajuricaba foram capturados os caciques: Aguaru, Canacury, Cany, Caramery, Daã, Gaau, Juabay, Majury, Manatuba, Mandary e mais duzentos índios que seguiriam acorrentados para serem devidamente justiçados em Belém do Pará.

Logo no início da sinistra viagem Ajuricaba teria tentado a fuga através do rio no que foi seguido pelos seus companheiros resultando na morte de todos esses guerreiros amazônidas. O rei de Portugal Dom João V, considerado pelos historiadores portugueses majestoso e esbanjador, agradeceu ao governador do Pará João Maya da Gama pelos bons e leais serviços prestados à coroa portuguesa pelo extermínio dos manaus, afirmando na carta de 23 de janeiro de 1728: – “Tudo que obraste foi com acerto, e ajustado com as minhas ordens, e se vos aprova o que nesta parte dispusestes”.

A partir dessa matança dos caciques aliados e liderados por Ajuricaba e mais duzentos guerreiros foi eliminado o fator manaós ficando mais fácil o trabalho de buscar e escravizar os índios pelos colonos portugueses.

Até hoje, aqui no Amazonas, a história não registra o surgimento de outra liderança capaz de construir alianças locais no enfrentamento a essas políticas de entrega de nossas riquezas, de nossos recursos naturais e da exploração de nossa força de trabalho. O que se vê são os “acordos de lideranças”. Mazombos que fazem essa política de incentivos fiscais entregando nosso território com suas riquezas minerais e florestais para as multinacionais espoliando os índios de suas terras contrariando os interesses dos cabocos e de todo o povo.
 
Na verdade essa matança e extermínio dos manaus e de outras nações indígenas na Amazônia é mais um crime de lesa humanidade cometido pelos portugueses, um holocausto que até hoje clama por justiça.

  Os manaós perderam a certidão de nascimento e quando foram adotados pelo Imperador foram chamados de manáus. Por esse motivo, não sabemos bem o que festejar. Talvez Macunaíma saiba contar direito esta história.

(*) É Professor e Doutor em Geografia e colaborador do NCPAM/UFAM.

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