O
MASSACRE DOS MANAUS E A CAPTURA DE AJURICABA
Os historiadores da
província para satisfazer aos interesses de seus mandatários fazem tudo para
desqualificar a história dos povos indígenas da Amazônia e das Américas,
chegando ao absurdo de afirmar categoricamente que os índios não fazem história,
reduzindo sua participação apenas como objeto da etnografia colonial, castrando,
terminantemente, a voz e os direitos históricos dessas Nações. No Amazonas
pouco ou quase nada se sabe sobre Ajuricaba, chegando ao ponto de dizerem que
se trata de uma figura lendária, como se fosse uma invencionice diabólica para
assustar os portugueses da Amazônia brasileira. O texto do Professor Roberto
Monteiro de Oliveira dá prova histórica desse guerreiro Arawak, assim como das
lutas travadas pelos Manaós contra os colonizadores portugueses,
particularmente, no território rebatizado com o nome de Rio Negro e muito mais
fatos podem ser encontrados nos arquivos do século XVII e XVIII, no Museu
Amazônico da UFAM. A negação da história e da cultura indígena no Amazonas é
tão gritante que os textos oficiais fazem questão de evidenciar o lusitanismo
identitário negando o ser manauara (manaós-ara – terra dos manaós) pela
afirmativa colonial de manauense, bem nos moldes das ordens pombalina que tudo
fizeram para apagar da Amazônia a toponímia indígena, bem como sua cultura, o
que não conseguiram pelo valor e coragem de homens e mulheres com a mesma
determinação e coragem do guerreiro Ajuricaba.
Roberto Monteiro de
Oliveira (*)
Dentre os massacres de nações indígenas cometidos pelos portugueses na
Amazônia ganhou destaque e notoriedade histórica o massacre da nação Manaós e
de seu cacique Ajuricaba.
A nação dos manaós habitava o território do vale do
rio Yquiari e a parte inferior do Rio Içá e pertencia ao grupo lingüístico
Arawak. A partir da expedição de Francisco de Orellana em 1542, frei Gaspar de
Carvajal, capelão da expedição referiu-se ao Rio Iquiari com o nome de Rio
Negro que ficou até os dias atuais.
Vejamos a seguir como Frei Gaspar de Carvajal
descreve a “descoberta” do Rio Negro em sua obra "Relación del
descubrimiento del famoso río Grande que dese su nacimiento hasta el mar
descubrió el Capitán Orellana en unión 56 hombres". (O relato é
autoexplicativo e dispensa comentários sobre o procedimento dos portugueses):
“Sábado,
víspera de la Santísima Trinidad, el Capitán mandó tomar puerto en un pueblo
donde los indios se pusieron en defensa; pero, a pesar de ello, los echamos de
sus casas, y aquí nos proveímos de comida y aun se fallaron algunas gallinas.
Este mismo día, saliendo de allí, prosiguiendo nuestro viaje, vimos una boca de
otro río grande a la mano siniestra, que entraba en el que nosotros
navegábamos, el agua del cual era negra como tinta, y por esto le pusimos el
nombre de Río Negro, el cual corría tanto y con tanta ferocidad, que en más de
veinte leguas hacía raya en la otra agua, sin revolver la una con la outra”.
Os estrangeiros, em seus escritos, se referem aos
manaós como numerosos, fortes, altivos, valentes guerreiros que exerceram
hegemonia sobre as outras etnias que habitavam em seu território.
Em 1639, o capelão da expedição de Pedro Teixeira
frei Cristóbal de Acuña percebeu que o território dominado pelos Manaós era uma
área estratégica para proteger e defender a Amazônia da cobiça dos concorrentes
holandeses e ingleses que estavam ao norte dessa região e que desejavam descer
para participar dos empreendimentos que se realizavam naquele território com as
várias nações indígenas.
A esse tempo o rio Iquiari, o Rio Negro atual, era
também conhecido como o Rio do Ouro e nas proximidades dessa região estaria o
país do El Dorado e a cidade de Manoa próxima ao lago Parima, onde se dizia
haver grande quantidade de ouro de tal modo que os guerreiros vencedores eram
premiados com um banho de ouro em pó sobre seus corpos nus. Segundo observações
de missionários e de outros viajantes que passaram por esse território a partir
da segunda metade do século XVII havia um comércio intenso praticado pelas
nações indígenas com estrangeiros, sobretudo com os holandeses.
Essa área de livre comércio liderado pelos manaus
abrangeria o território das antigas guianas (holandesa e inglesa) delimitada
informalmente desde o Rio Orenoco até a região do Rio Madeira.
Observam os cronistas dessa época que os indígenas
não queriam mais negociar com os portugueses porque as mercadorias e
quinquilharias ofertadas pelos holandeses e ingleses eram bem melhores.
Fica evidente que esse quadro de eventos, fatos e
descrições fantasiosas despertava nas pessoas sentimentos de enriquecimento
rápido e fácil e de qualquer jeito atraindo para a região aventureiros de todas
as espécies, prática que se consolidou e permanece até hoje.
É claro que os colonos portugueses não poderiam
deixar de participar desses negócios e, sobretudo o rei de Portugal não poderia
deixar de arrecadar impostos para a Fazenda Real sobre todos esses negócios.
Explicitando mais ainda fica evidente também que essa área de livre comércio
(ancestral da Zona Franca) liderada pelos manaós passa a ser uma área
estratégica para a defesa do território, controle das atividades econômicas,
enfim para o resguardo do exclusivismo colonial em relação à Amazônia e
especialmente do Rio Negro.
Particularmente os holandeses não desistiam de
marcar presença no Brasil e na Amazônia. Aqui na Amazônia os holandeses
instalaram um forte no estuário do Rio Essequibo e em 1621 fundaram a Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais.
Essa companhia passa atuar na região criando sua
rede de colaboradores corrompendo os chefes das nações indígenas nesse escambo
hediondo de índios e negros escravizados por quinquilharias, armas e outras
mercadorias.
Os manaós combateram a nação indígena dos Karinya e
dos Akawaio que fizeram parte da rede de colaboradores dos holandeses, por esse
motivo, em 1724 o Conselho Político de Essequibo ordena o extermínio dos Manaós
e que os prisioneiros fossem vendidos como escravos. O Conselho Político de
Essequibo premiava quem matasse um manaós.
Ajuricaba e seus guerreiros manaós lideravam uma
coalisão de chefes de nações indígenas no enfrentamento à invasão e ocupação de
seus territórios, no saque aos seus recursos naturais e na redução das
populações indígenas à condição de escravos.
Todos esses fatos contrariavam os interesses do Rei
de Portugal e particularmente os interesses imediatos dos colonos portugueses
aqui na Amazônia.
Os colonos portugueses irritados com os índios e
incapazes de dar combate aos seus verdadeiros inimigos e concorrentes os
holandeses, ingleses, franceses e espanhóis na disputa pela força de trabalho
dos índios e pelos recursos da floresta conseguiram da Junta das
Missões autorização para fazer uma “guerra justa” contra os manaós e
seus aliados.
O motivo para fazer “guerra justa” aos
Manaus foi a acusação mentirosa, até hoje não comprovada, de que Ajuricaba
seria aliado dos holandeses e que navegava pelos rios ostentando a bandeira da
Holanda. Já vimos anteriormente que os manaós não tinham nenhuma razão para se
aliarem aos holandeses o que não impediria de esporadicamente fazer algum
negócio com algum holandês.
O fato é que a Junta das Missões votou pela
autorização da “Guerra Justa” contra os manaós e seus aliados e a
captura de Ajuricaba.
Legitimados pela Junta das Missões e munidos de
todos os recursos necessários o governador João Maya da Gama recomenda ao
capitão João Paes do Amaral uma “guerra dura”.
Na verdade
esta operação bélica contra os manaus ocorreu em setembro de 1727, em uma
localidade conhecida na época como Ponta do Azabari, nas proximidades do
encontro das águas do Rio Negro com o Rio Amazonas que se tornou uma área
mística para os manaós e para todas as nações indígenas do vale do Rio Negro,
dando origem a várias lendas e mitos que ainda hoje são contados em todo vale
do Rio Negro e que são objeto de pesquisa dos antropólogos e historiadores.
Ajuricaba viu seu filho Cucunaca ser assassinado
pelos portugueses durante os combates. Juntamente com Ajuricaba foram capturados
os caciques: Aguaru, Canacury, Cany, Caramery, Daã, Gaau, Juabay, Majury,
Manatuba, Mandary e mais duzentos índios que seguiriam
acorrentados para serem devidamente justiçados em Belém do Pará.
Logo no início da sinistra viagem Ajuricaba teria
tentado a fuga através do rio no que foi seguido pelos seus companheiros
resultando na morte de todos esses guerreiros amazônidas. O rei de Portugal Dom
João V, considerado pelos historiadores portugueses majestoso e esbanjador,
agradeceu ao governador do Pará João Maya da Gama pelos bons e leais serviços
prestados à coroa portuguesa pelo extermínio dos manaus, afirmando na carta de
23 de janeiro de 1728: – “Tudo que obraste foi com acerto, e ajustado com as
minhas ordens, e se vos aprova o que nesta parte dispusestes”.
A partir dessa matança dos caciques aliados e
liderados por Ajuricaba e mais duzentos guerreiros foi eliminado o fator manaós
ficando mais fácil o trabalho de buscar e escravizar os índios pelos colonos
portugueses.
Até hoje, aqui no Amazonas, a história não registra
o surgimento de outra liderança capaz de construir alianças locais no
enfrentamento a essas políticas de entrega de nossas riquezas, de nossos
recursos naturais e da exploração de nossa força de trabalho. O que se vê são
os “acordos de lideranças”. Mazombos que fazem essa política de
incentivos fiscais entregando nosso território com suas riquezas minerais e
florestais para as multinacionais espoliando os índios de suas terras contrariando
os interesses dos cabocos e de todo o povo.
Na verdade essa matança e extermínio dos manaus e
de outras nações indígenas na Amazônia é mais um crime de lesa humanidade
cometido pelos portugueses, um holocausto que até hoje clama por justiça.
Os manaós
perderam a certidão de nascimento e quando foram adotados pelo Imperador foram
chamados de manáus. Por esse motivo, não sabemos bem o que festejar. Talvez
Macunaíma saiba contar direito esta história.
(*)
É
Professor e Doutor em Geografia e colaborador do NCPAM/UFAM.
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