O livro "Estado e forma
política", de Alysson Leandro Mascaro
Luiz Nassif (*)
Estado e forma política, do
jurista e filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro, modifica o estudo da
teoria do Estado e da ciência política. A opinião é de Slavoj Žižek, convidado
a escrever o texto de quarta capa, e que se surpreendeu com o que considera
como “simplesmente a obra mais importante do pensamento político marxista nas
últimas décadas”.
Mascaro, professor da
Universidade de São Paulo e do Mackenzie, rompe com as visões que dominam a
leitura sobre o Estado e a política na atualidade e estabelece um campo
original de análise científica. Ele sustenta sua análise do Estado nas
categorias fundamentais da reprodução capitalista, como a mercadoria. “Marx
disse que o segredo da mercadoria não reside em algum conteúdo escondido sob
sua forma, mas em sua própria forma. O livro de Mascaro foca-se precisamente
nesta dimensão crucial. É um trabalho que fornece a estrutura conceitual básica
para lidar com o assunto Estado. Um trabalho histórico que mudará todo o seu
campo de estudo e estabelecerá seus próprios padrões!”, conclui Žižek.
A inovadora investigação de
Mascaro pode ser considerada a mais avançada reflexão sobre o Estado produzida
no Brasil. O estudo representa um deslocamento da teoria política, fazendo-a
girar não em torno de suas instituições, definições jurídicas ou análises sobre
as disputas em torno do poder estatal, mas sim a partir das formas sociais do
capitalismo. Para tanto, Mascaro incorpora diretamente o pensamento de Marx e a
tradição teórica sobre o Estado, incluindo as pesquisas mais recentes sobre o
tema, empreendidas no mundo, nas últimas décadas, por variados pensadores
marxistas e críticos.
Mascaro afirma que um
entendimento mais profundo do Estado e da política, exigido pela urgência da
atual conjuntura, só é possível mediante uma análise de sua posição relacional,
estrutural, histórica, dinâmica e contraditória no todo da reprodução social.
É, portanto, com a perspectiva da totalidade, própria da tradição marxista, que
lança as bases para um projeto emancipatório, em que a forma política só pode
ser compreendida como derivação da forma mercadoria, que se instaura no
capitalismo.
É também a partir dessa
perspectiva que o jurista resgata conceitos-chave da análise do Estado,
“autonomia relativa do Estado”, “derivação da forma política estatal” e “luta
de classes”. O livro tem uma preocupação didática, que torna acessível
conceitos complexos, como “Estado, nação, sociedade e indivíduo” ou “Estado,
cidadania e democracia”. Estado e forma política se torna, assim, um notável
sistematizador do conhecimento, lastreado na elegância de estilo e na clareza
características do autor.
A investigação também explicita
como a teoria do Estado se revela diante dos conflitos recentes, gerados pelos
impasses da economia política global. Para Mascaro, as múltiplas crises do modo
de produção capitalista não permitem identificar uma mesma resposta política,
tampouco um mesmo padrão de superação ou retomada econômica. Mas se vê no
Estado um fator comum na busca por soluções, ainda que, quase sempre, não se
entenda sua natureza estrutural capitalista. “Em momentos de crise, toda
sociedade se volta para o Estado para que a salve de suas próprias
contradições”. Mascaro acredita que somente futuras dinâmicas que sejam
necessariamente socialistas podem ensejar arranjos sociais inovadores, não
fundados na concorrência e nos antagonismos de classes, grupos e indivíduos. “O
capitalismo é crise”, sentencia.
Trecho do livro
“A compreensão do Estado só pode
se fundar na crítica da economia política capitalista, lastreada
necessariamente na totalidade social. Não na ideologia do bem comum ou da ordem
nem do louvor ao dado, mas no seio das explorações, das dominações e das crises
da reprodução do capital é que se vislumbra a verdade da política. (...) Nesse
sentido, deve-se entender o Estado não como um aparato neutro à disposição da
burguesia, para que, nele, ela exerça o poder. É preciso compreender na
dinâmica das próprias relações capitalistas a razão de ser estrutural do
Estado. Somente é possível a pulverização de sujeitos de direito com um aparato
político, que lhes seja imediatamente estranho, garantindo e sustentando sua
dinâmica. Por isso, o Estado não é um poder neutro e a princípio indiferente
que foi acoplado por acaso à exploração empreendida pelos burgueses. O Estado é
um derivado necessário da própria reprodução capitalista; estas relações
ensejam sua constituição ou sua formação. Sendo estranho a cada burguês e a
cada trabalhador explorado, individualmente tomados, é, ao mesmo tempo,
elemento necessário de sua constituição e da reprodução de suas relações
sociais. (...) O capitalismo é crise. Permeado pelas formas sociais,
econômicas, políticas, jurídicas e ideológicas que lhe constituem
estruturalmente, o desenvolvimento do capitalismo não pode transcender ao que
porta – exploração e dominação. Preside o concerto da totalidade da
sociabilidade capitalista uma longa e contraditória política da mercadoria.”
Sobre o autor
Alysson Leandro Mascaro, jurista
e filósofo do direito brasileiro, nasceu na cidade de Catanduva (SP), em 1976.
É doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela
Universidade de São Paulo (Largo São Francisco/USP). É professor da tradicional
Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação em Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, além de fundador e professor emérito de muitas
instituições de ensino superior. Mascaro escreveu, dentre outros livros,
Filosofia do direito e introdução ao estudo do direito, pela Editora Atlas, e
Utopia e direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia, pela Editora
Quartier Latin. É o prefaciador da edição brasileira de Em defesa das causas
perdidas, de Slavoj Žižek, publicado pela Boitempo.
(*) É jornalista e analista de economia política na mídia
nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário