segunda-feira, 31 de março de 2014

Brasil, 31 de março desde 1964


Osíris Silva (*)

A história do Brasil, desde o período da Colonização, passando pela Independência e a República, tem-se constituído sucessivas tragicomédias. Não foi diferente com os diversos golpes,contragolpes, mini “revoluções” (como a de 38), ditaduras, aberturas, nova ditadura, novo período de redemocratização, como o que hoje vivemos.

Uma característica comum a esses períodos de nossa história: o Brasil não encontra seu rumo. Não tem sido capaz de conceber e promulgar atos de princípios constitucionais que auscultem nossa diversidade sociocultural, econômica e política. Salvo em favor dos que detêm o poder, as elites, como muito ao gosto de correntes políticas pseudo esquerdistas ou revolucionárias.

!964 foi simplesmente mais um erro na história do país. O golpe não podia ter acontecido. O momento, convulso desde a renúncia de Janio Quadros em 1961, exigia convergência das inteligências e lideranças políticas. O que não ocorreu. Jango era um presidente em certos sentidos fraco, claudicante, indeciso e sem propostas concretas para a crise brasileira que se arrastava e que recrudesceu ao se deixar levar por quimeras e utopias revolucionárias.

Entretanto, o Brasil vivia uma era de terríveis pressões ideológicas internacionais movidas pela Guerra Fria, que separara o Universo, ao final da II Grande Guerra, 1945, em duas partes: a Ocidental, democrática – “boa” - e a Oriental, comunista – “má”.

Como escreveu José Serra em seu artigo sobre o Golpe de 64 publicado na Folha de S. Paulo em 16/3: No começo de setembro de 1963, houve uma rebelião de sargentos e suboficiais da Marinha e da Aeronáutica em Brasília. Por algumas horas, isolaram a capital, ocuparam a praça dos Três Poderes, apossaram-se do Ministério da Marinha, detiveram oficiais e os presidentes da Câmara e do STF. A insurreição não deu certo, mas seu impacto político e psicológico adverso para o governo de Jango foi imenso: deu a impressão de que, sob sua chefia, o Estado corria o risco de naufragar.

O fato é que, entre o final de janeiro de 1961 e 31 de março de 1964, o Brasil se desgovernou. Viveu um período de singular turbulência política, assistiu a única experiência parlamentarista da era republicana, teve três presidentes, cinco chefes de governo e seis ministros da Fazenda. Jango tentou algumas soluções, promovendo reformas ministeriais, sem sucesso. A rotação no comando da política econômica contribuiu para a perda progressiva do controle sobre a inflação e outras variáveis macroeconômicas.

O ano de 1963 chega ao final com inflação próxima a 80%, desaceleração econômica evidente, e que se intensificou ao longo do segundo semestre, em especial no que se refere à atividade industrial, que sofria com escassez de energia, contração da liquidez e uma onda de greves (motivada pela escalada inflacionária).

A reforma agrária propostas pelas Ligas Camponesas e os sindicatos rurais, as frentes revolucionárias, como a ALN, MR-8 e setores da Igreja progressista, eram incendiárias. Não se pretendia resolver, como não se resolveu até hoje, o problema da terra, do campesino, mas convulsionar o campo e deixar o circo pegar fogo. Isso interessava à linha pró-União Soviética, China e ao braço avançado na América Latina, Cuba. Afinal, era na Ilha onde os guerrilheiros brasileiros eram treinados e recebiam apoios financeiros, o “ouro de Moscou” destinado ao suporte da “obra da revolução”.

Quanto à reforma urbana, que chegou a ser promulgada por Jango, pretendia criar condições pelas quais os inquilinos poderiam se tornar proprietários dos imóveis alugados onde moravam. Os primeiros sinais da propriedade coletivizada (nos meios urbanos e rural) introduzida no mundo soviético e chinês, e que resultou em estrondoso fracasso culminado com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a seguinte derrocada da Cortina de Ferro.

Outros movimentos apontavam nessa direção. As chamadas reformas de base, pelas quais o movimento estudantil tanto lutou, sobretudo a da educação, a reforma agrária e da economia, segundo o historiador Boris Fausto, no final das contas incluíam medidas nacionalistas, prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica. Dentre essas medidas, destacavam-se: nacionalização das empresas concessionárias de serviços públicos (então predominantemente estrangeira, como a Light, ITT, etc.), dos frigoríficos e da indústria farmacêutica. 

Exatamente na contramão da realidade dos nossos dias, onde o governo se vê induzido, por razões econômico-financeiras irreversíveis, e de acordo com a realidade do mundo contemporâneo, a promover a privatização desses e dos demais setores da economia. 

Não obstante todos esses dramas vividos e que perduram aos dias de hoje, o Brasil não se acertou. A própria Constituição de 1988 é uma prova disso. Conveniências ideológicas continuam predominando sobre políticas econômicas e sociais que de fato resolvam o problema. 

Nosso sistema político, contraditoramente, regrediu com a redemocratização. Assim como o sistema educacional, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do saneamento básico, etc. Em vez de avançar, o Brasil estacionou e até, sob certos aspectos, retrocedeu institucionalmente.

Longe de mim ser contra a punir torturadores, porém, ao que se observa, causa mais impacto os trabalhos revisionistas da Comissão da Verdade do que empreender reformas que moralizem e aperfeiçoem nosso sistema político, econômico, social e cultural. 

A economia brasileira se deteriora a olhos vistos, atinge níveis de desarrumação perigosos a cada dia; a indústria se desnacionaliza e as multinacionais tomam conta de nosso mercado; empresas públicas como a Petrobras perdem valor e cresce seu endividamento, hoje de cerca de R$ 300 bilhões.

Para isso o PT (e as ditas “esquerdas”) lutaram tanto contra a modernização e a privatização de certos setores do segmento petróleo? O petróleo é nosso, hoje, não passa de ficção, dados os volumes absurdos de importações de gasolina e outros derivados, enquanto a produção interna permanece estacionada.

A sociedade brasileira, setores das classes estudantis e operárias, dos professores, dos profissionais liberais, etc., mesmo a despeito dos instantâneos meios de comunicação das universalmente abrangentes redes sociais – como Facebook, Twitter e outras – é, em grande dose mais alienada, muito menos engajada politicamente, com efeito, do que nos anos 60 e 70. Época em que nem se ouvia falar de internet.

Enquanto isso cresce, com certo furor, um sentimento de ódio social, em que se antepõem seriamente irmãos contra irmãos. Não se chega a acordo algum. Ninguém se entende. Ora, em tal processo de ruptura, seria a revolução o caminho? E por que não um pacto nacional conciliatória, como o de Moncloa, na Espanha de 1977?

Por meio de instrumentos dessa magnitude pode-se estabelecer bases de convivência civilizada no Congresso Nacional entre correntes políticas efetivamente representativas da sociedade, eliminados os partidos nanicos de aluguel. E em que se fortaleça, moralize e respeite os poderes constituídos, a partir do Executivo, bases de uma democracia efetivamente representativa. 

O Brasil precisa marchar de vez rumo ao seu destino histórico, a procura de seus caminhos. A dar coro ao lamento de forças retrógradas, apegadas a um passado que não volta, a ranços ideológicos improdutivos, jamais chegaremos a lugar algum. Vamos continuar rodando em círculo, presos a sistemas políticos dogmáticos e radicais, que a história provou-os ineficazes, por distantes dos anseios da sociedade.


(*) É economista e articulista do jornal a Crítica.

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