Iraildes Caldas Torres*
"No cotidiano, não percebemos o tempo político, no entanto, vivemos no tempo da gravidade e da disjunção. A disjunção está sempre presente, mesmo na harmonia. Estamos sempre envolvidos com o poder."
A modernidade engendrou a idéia de liberdade, mas não há indicações de que homens e mulheres se tornaram livres. A organização política dos segmentos marginalizados sob os auspícios da cidadania das chamadas minorias sociais não conseguiu dirimir os óbices das diferenças étnicas, raciais e de gênero.
Ou seja, não baniu o preconceito contra o outro diferente, em suas culturas, orientação sexual, geracional e de classe. Ao contrário, a modernidade desencadeou tensões e paradoxos de alcance incomensurável, haja vista que produziu eventos abomináveis como o nazismo.
De acordo com a interpretação frankfurtiana, especialmente Adorno e Horkheimer, o nazismo não é uma questão do caráter alemão ou o traço de uma personalidade autoritária como sempre se acreditou em relação à pessoa de Hitler. O que ocorreu é que a ordem hegemônica se encarregou de disseminar a alemanização do nazismo.
Para os Frankfurtianos, o nazismo está nas entranhas da própria modernidade de forma latente, a sua pátria é o capitalismo que produz personalidades autoritárias. No cotidiano, não percebemos o tempo político, no entanto, vivemos no tempo da gravidade e da disjunção. A disjunção está sempre presente mesmo na harmonia.
Estamos sempre envolvidos com relações de poder. Indivíduo e poder se aproximam ou se imiscuem. Não é o homem ou a mulher que é desejada ao poder e sim o poder que é desejoso do homem. Mas nem boca, nem coração poderão compreender o poder. Ele foge da nossa compreensão.
O poder precisa dos homens, por isso uma sociedade nunca é destruída totalmente, assim como inexiste o poder que corrompe e aniquila totalmente. Por outro lado, todo trono de governante é manchado de sangue. Esta é uma característica do sumo poder.
O poder está no limite ou no fio da navalhada das possibilidades daqueles que o exerce, por isso inspira sempre esperança. Poder e homem são difíceis de serem combinados, mas os são. Do contrário vira tirania. Émile Cioran, cientista político do nosso tempo, morto em 1995, nos ensina que o paradoxo entre liberdade e servidão é algo difícil de resolver.
A utopia, ao mesmo tempo em que é necessário, é uma ilusão. É um desejo que não se realiza porque se vier a se realizar nos causa desencanto. A política deve ser olhada com desconfiança, afirma Cioran, mas também ela representa a última prova de humanidade. Para ele, o poder é uma armadilha com aspectos de destruição e de redenção.
Não se pode escapar do poder porque é algo que se impõe ao homem de forma inexorável, tanto faz ser o poder tirânico ou o democrático. Existe sempre um desejo secreto que os homens políticos buscam: a tirania. Os autoritários se orgulham desse poder tirânico e o expõe em praça pública como fez Hitler.
Os democratas se envergonham desse tipo de poder que execra em praça pública, a sua tirania é “sutil”, hipócrita e cheia de podridão. “Riem do homem contigo, ‘diz Cioran’, e depois tiram o teu fígado matando-te sob um atroz sarcasmo. Política e crime jamais se separam. Tudo depende do momento, do porque e da forma que se mata”.
É por isso que a democracia é perigosa, porque ela se constitui numa escola para tiranos. O mundo possui absolutos, e o fato de existirem os absolutos é que se criam as utopias. A maior ameaça que existe nas sociedades é a utopia e, paradoxalmente, as sociedades não podem viver sem elas. A história é o reino do controlável e do incontrolável, é a ironia em marcha. A história é o lugar de violência e de eternas submissões.
* É professora da Universidade Federal do Amazonas- Ufam e doutora em Ciência Sociais/Antropologia.
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