quarta-feira, 19 de novembro de 2008

ZUMBI, O MITO DA RESISTÊNCIA NEGRA


... Mas é infâmia demais... Da etérea plaga. Levantai-vos, heróis do Novo Mundo... Andrada! Arranca este pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta dos teus mares! (Castro Alves - O Navio Negreiro).

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Zumbi dos Palmares (1655-1695), assim é conhecido o maior herói da resistência negra no Brasil colonial. Lutou contra a exploração do trabalho escravo; combateu as várias formas de opressão; posicionou-se sempre contra as humilhações e a favor da liberdade do povo negro escravizado. O ideal do negro brasileiro e não escravizado, ainda em processo de emancipação e conquista da cidadania irrestrita, que combate as assimetrias sociais e a reduzida participação política, está representado nas ações e no pensamento de um grande patriota alagoano, Zumbi!

Neste dia Nacional da Consciência Negra (20/11), o que temos para comemorar? Primeiramente temos que comemorar o fato de se ter iniciado no Brasil uma discussão interessante sobre o papel da negritude na sociedade brasileira. Hoje, discutimos o que há 10 ou 20 anos atrás seria dificílimo, como se fosse um tabu – a possibilidade de se viabilizar as políticas de ação afirmativa (vulgarmente conhecidas como “cotas”), a fim de minimizar as contradições étnico-raciais e sociais tão presentes na sociedade brasileira. Em outras palavras, discutir as possibilidades de uma efetiva e irrevogável integração do negro na sociedade brasileira, com cidadania e respeito.

De toda essa pressão popular, resultou que os movimentos da negritude e todas as pessoas diretamente envolvidas nesse processo estão de parabéns pelas conquistas e pelos avanços rumo à ampla democratização racial. De fato, acho importantíssimo rediscutir a sociedade brasileira sob esse prisma, ou seja, na perspectiva da inclusão social e cidadã de todos os brasileiros, coisa que atualmente não acontece, tendo em vista que a sociedade brasileira é, pelos seus próprios mecanismos, excludente e reprodutora de misérias sociais. É bom dizer, desde já, que democracia só funciona com muita pressão popular, com participação de todos os grupos no confronto de idéias e de visões de mundo.

Na democracia, o campo político é por excelência o espaço da confrontação e da conquista de posição. É, inclusive diante desse quadro de confrontação democrática, que existe hoje no Brasil, o que Frei Davi afirmou ser o conflito mais saudável de sua história, e diz que “é bom que as pessoas sejam contra, eu quero que mais pessoas sejam contra” as políticas de ação afirmativa, pois “assim poderemos discutir o Brasil de forma democrática”.

Mais os desafios estão aí para pensarmos de que maneira é possível reverter o quadro geral de calamidades em que o país está metido no tocante à situação dos negros. Só para ilustra esta situação caótica, “as diferenças entre negros e brancos começa na infância”, diz Relatório sobre Raça e Trabalho da OIT. No mesmo dia sai outra pesquisa realizada dessa vez pelo IBGE, que mostra que “um abismo ainda separa negros e brancos no mercado de trabalho. Os profissionais negros e pardos ganham em média 51,1% dos rendimentos dos trabalhadores brancos, ou seja, pouco mais da metade”, e mais, diz que, “na indústria, um trabalhador branco chega a receber 96,6% mais que negros e pardos. Na construção civil, onde negros e pardos são maioria, os brancos recebem salários 105,1% superiores...” E a pesquisa continua a afirmar outros pontos de extrema desigualdade entre negros e brancos. Quem se arrisca a dizer que a sociedade brasileira é justa? Quem consegue dizer que vivemos numa ‘democracia racial’ à la Gilberto Freire?

Penso que aí está o maior legado de Zumbi dos Palmares, o poder de contestação e o sentimento de indignação perante as injustiças sociais. Zumbi está naquilo que as culturas subalternas têm de mais transformador: a identidade e o pertencimento às raízes populares, ou seja, o Quilombo dos homens e mulheres de resistência e de luta. Nessas condições, o pensamento e o espírito de Zumbi nos envolvem nesse processo de emancipação que a negritude tanto sonha: a liberdade.

* Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará e colaborador do NCPAM.

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