sábado, 22 de novembro de 2008

AUDIÊNCIA PÚBLICA NA COLÔNIA ANTONIO ALEIXO


Khemerson Macedo*


Enquanto o “moderno” Eduardo Braga viajava para a Califórnia e celebrava acordo ambiental com o governador Arnold Schwarzenegger, ao mesmo tempo em que se gabava de que tanto o Amazonas quanto a Califórnia ‘conseguiram formatar uma legislação moderna e coerente’ (a Lei de Mudanças Climáticas), aqui em Manaus, a discussão sobre a construção do Porto das Lages, na Colônia Antonio Aleixo, desconstruía o discurso ecologicista de nosso ‘estadista-mor’. Na quarta, 19/11, estiveram presentes na quadra central da comunidade para Audiência Pública, representantes de instituições ligadas ao meio ambiente, além da comunidade organizada e suas lideranças. Durante todo o dia os comunitários ali reunidos debateram a viabilidade ou não da construção do empreendimento, no entorno próximo.

Integrou a mesa-diretora, representantes do IPAAM, Néliton Marques, o diretor-presidente da Lages Logística S.A, Lawrence Ransen, responsável pelo empreendimento, o representante da FIEAM, Flávio Dutra, o promotor Mauro Roberto Véras Bezerra do MPE, a secretária titular Luciana Valente, da SEMMA, além de representantes da Igreja Católica, Marinha, da ALE/AM, Deputado Estadual Sinésio Campos e do deputado Estadual Luiz Castro, e representantes da CMM, além da comunidade Colônia Antonio Aleixo, com presença marcante durante todo o dia. Na ocasião foi ouvida também a equipe responsável pelo EIA/RIMA (Estudos de Impactos Ambientais e Relatório de Impacto Ambiental), coordenados pelo professor Carlos Edvar Freitas.

Iniciando os trabalhos, o prof. Néliton Marques deixou claro que a Audiência Pública tratava-se de um evento integrado ao processo de licenciamento que o órgão tem obrigação de fazer. Além disso, o secretário afirmou que o objetivo do encontro era discutir as ações mitigadoras e os programas de compensação ambientais indicados no EIA/RIMA elaborado.

Dando seqüência, o prof. Carlos Edvar apresentou a metodologia de trabalho e os resultados alcançados pela sua equipe. Os dados apresentados, contudo, chamaram atenção da platéia pela forma técnica e confusa com que foi apresentado. De acordo com o promotor Mauro Bezerra, os estudos e metodologia da equipe eram superficiais e falhas, como, por exemplo, nos questionários socioeconômicos, que contemplavam apenas 150 famílias, num total estimado em 35.000 famílias. Além disso, tanto o promotor quanto a secretária da SEMMA apontaram a necessidade de se aprofundar muito mais o EIA/RIMA, pois o mesmo do jeito que está não dá garantias concretas à comunidade sobre a possível degradação ambiental do Lago do Aleixo e adjacências.

Quanto às ações mitigadoras apresentadas, estas se mostraram confusas e mal-aprofundadas, gerando dúvidas a respeito de sua aplicabilidade. Aliado a isso, há o fato do projeto original sequer ter apresentado cronograma de execução detalhado. Outro ponto problemático diz respeito aos “três possíveis cenários” apresentados pelo relatório, pois, de acordo com o coordenador dos trabalhos, são: a) Lago do Aleixo sem o empreendimento; b) Lago do Aleixo com o empreendimento sem a governança ambiental e; c) Lago do Aleixo com o empreendimento com a governança ambiental.

Não preciso dizer que o cenário ideal apontado é o 3º. Portanto, fica a dúvida: as falhas encontradas no EIA/RIMA garantem, por si só, a adoção e o estabelecimento deste 3º cenário, haja a vista que o projeto apresentado pela empresa responsável, Lages Logística S.A, sequer contempla um projeto alternativo, previsto em lei? E quais serão as medidas fiscalizadoras a serem adotadas, visto que não temos clareza de quem gerenciará a obra (Governo Estadual, União)? E o que a empresa em questão pretende fazer com, por exemplo, os efluentes dos navios ancorados no Porto das Lages? Dúvidas, dúvidas e dúvidas...

Na oportunidade, a questão social do bairro também foi levantada. Temas como prostituição, violência e marginalidade sequer foram aprofundadas pelo apressado estudo feito pela equipe de especialistas que elaboraram o relatório, pois os dados apresentados restringiram-se a pontualidades: número de homens, mulheres, casas, tipo de habitação, etc. Não foram estabelecidos cenários para estes aspectos principais, nem mesmo um EIV (Estudos de Impactos na Vizinhança)? E quanto aos 500 pescadores locais, foram ouvidos? Nada foi dito a respeito!

O debate com a plenária iniciou-se a partir das 19h30. Neste momento, o tom mudou! A comunidade deixou claro que não queria a construção do porto nas Lages. Ocorre que os comunitários e seus parceiros institucionais entendem que a área requerida é estratégica para a preservação do Lago do Aleixo, área histórica, símbolo de vida e ícone natural de resistência da época do antigo Hospital-Colônia!

Diferentemente do discurso do representante da FIEAM, a comunidade não é contra o desenvolvimento, mas é contra ao desenvolvimento irresponsável, irracional e excludente. Este senhor chegou a dizer: “estou surpreso com a negação da comunidade a respeito do empreendimento, pois é algo que vai beneficiar o Distrito Industrial e trazer novos empregos”. Este senhor só não disse se esses empregos iriam para a Colônia Antonio Aleixo, pois se mostrou preocupado somente com o modelo do PIM que, obviamente, paga as contas dos empresários locais. O resultado para este discurso: vaias!

Neste sentido, o resultado final da Audiência Pública foi o entendimento coletivo de que o tema necessita ser esgotado até que se chegue a um consenso. Algo que seja integralmente a favor da comunidade e, pelo que disse e fez neste dia histórico, dificilmente mudará de opinião. Nós, pesquisadores do NCPAM/ UFAM, reafirmamos o que dissemos na ocasião e nos sentimos honrados em caminhar junto com a comunidade nessa luta e, vigilantes, esperaremos ansiosos pelo próximo capítulo.

“Hasta La vista, baby!”


* Coordenador de Projetos do NCPAM e Cientista Social.


Veja abaixo o manifesto do NCPAM em defesa da comunidade do bairro da Colônia Antônio Aleixo. Colabore e assine o manifesto:

2 comentários:

Anônimo disse...

Repete-se o mesmo roteiro: 1) as decisões sobre "projetos de desenvolvimento" são tomadas em gabinetes, lastreadas em interesses de grupos econômicos e em análises técnicas convenientes; 2) para aplacar eventual oposição e cumprir formalmente a legislação, recheiam-se os "projetos" de "medidas mitigadoras" e submete-se-os à apreciação popular; 3) diante das denúncias acerca da insuficiência dos estudos e dos debates, os interessados nos "projetos" enrolam-se na bandeira do "desenvolvimento" e se mostram perplexos diante das divergências; 4) como golpe final, expõem sua perplexidade cinicamente: "como, vocês, desempregados, carentes, não apóiam iniciativas que gerarão emprego e renda".
É difícil para muitos setores da sociedade entender que a vida de muitas pessoas não se resume a gráficos empresariais, nos quais "emprego" é igual a "insumo", e "renda" é igual ao custo de um "fator de produção".
Sequer imaginam haver valores outros a serem considerados na avaliação dos impactos dos "projetos de desenvolvimento".
Mas o que causa maior perplexidade, comumente, é o interesse da sociedade em discutir e decidir medidas que afetam seus destinos. Isso soa quase como assinte aos "donos do poder" e a seus prezados "técnicos".
As audiências públicas precisam se converter em algo mais do que um tópico nos protocolos de aprovação de projetos. Elas precisam ser um momento preliminar para a discussão desses mesmos projetos, portanto, uma situação em que se criem as bases para a democratização dos processos decisórios.
Se não for assim, elas permaneceram o que normalmente são: um modo de legitimar projetos ilegítimos, por que distantes das necessidades e anseios populares.

Anônimo disse...

Repete-se o mesmo roteiro: 1) as decisões sobre "projetos de desenvolvimento" são tomadas em gabinetes, lastreadas em interesses de grupos econômicos e em análises técnicas convenientes; 2) para aplacar eventual oposição e cumprir formalmente a legislação, recheiam-se os "projetos" de "medidas mitigadoras" e submete-se-os à apreciação popular; 3) diante das denúncias acerca da insuficiência dos estudos e dos debates, os interessados nos "projetos" enrolam-se na bandeira do "desenvolvimento" e se mostram perplexos diante das divergências; 4) como golpe final, expõem sua perplexidade cinicamente: "como, vocês, desempregados, carentes, não apóiam iniciativas que gerarão emprego e renda".
É difícil para muitos setores da sociedade entender que a vida de muitas pessoas não se resume a gráficos empresariais, nos quais "emprego" é igual a "insumo", e "renda" é igual ao custo de um "fator de produção".
Sequer imaginam haver valores outros a serem considerados na avaliação dos impactos dos "projetos de desenvolvimento".
Mas o que causa maior perplexidade, comumente, é o interesse da sociedade em discutir e decidir medidas que afetam seus destinos. Isso soa quase como acinte aos "donos do poder" e a seus prezados "técnicos".
As audiências públicas precisam se converter em algo mais do que um tópico nos protocolos de aprovação de projetos. Elas precisam ser um momento preliminar para a discussão desses mesmos projetos, portanto, uma situação em que se criem as bases para a democratização dos processos decisórios.
Se não for assim, elas permaneceram o que normalmente são: um modo de legitimar projetos ilegítimos, por que distantes das necessidades e anseios populares.