sábado, 8 de novembro de 2008

TERRAS INDÍGENAS E A LÓGICA DO MERCADO


Sandoval dos Santos Amparo*


A incorporação dos índios no processo de trabalho buscou assim uma espécie de “resposta produtiva” das terras indígenas para seus críticos, manifestas de acordo com os valores rurais da época. O Sul continua sendo o melhor exemplo disto. Ali, onde a Política Colônias efetivou-se, as Terras indígenas contribuíam e ainda hoje contribuem com o arranjo produtivo local, seja com serrarias outrora, seja soja, trigo e milho agora. Não apenas ali, tudo se tentou nas terras indígenas com objetivo de dar-lhes uma distinção econômica que, todavia estão desligadas das demandas dos indígenas para com suas terras e suas economias próprias.

A Política indigenista, muitas vezes precária em suas condições de Trabalho – seja de homens (e mulheres), seja de meios e recursos adequados para sua operação, era obrigada a estimular alguma rentabilidade econômica com a terra para garantir itens básicos de funcionamento aos quais não tinham acesso. Aliena assim à condição indígena, que pra cá de suas terras interessam apenas como “braços”, e a suas terras.

A terra indígena como fazenda tem o posto como símbolo do patronato. Chegou-se mesmo a estabelecer, em algum momento, uma hierarquia entre postos “mais” e “menos” “produtivos”, produção esta que era considerada de acordo com a contribuição do posto (ou melhor, da terra indígena onde se situa o posto) para a Renda Indígena.

Roberto Cardoso de Oliveira observava na década de 1960 que a economia indígena podia ser bem compreendida, pois, a partir da dialética entre a economia do posto e a economia dos índios. A economia do posto influencia diretamente a economia dos índios, principalmente quando os próprios indígenas passam a ser funcionários ou empregados do posto, ou quando situações de restrição territorial (Raffestin), deflagradas em grande parte dos territórios demarcados de forma descontínua impõem aos índios territórios muito menores ou bem mais pobres do que aquelas que garantiam as condições mínimas para existência segundo “suas crenças, costumes e tradições” (texto constitucional, Art. 231).

Com isto, o Estado, através de suas agências, passa a atuar através dos projetos de desenvolvimento, inibindo a principal demanda dos povos indígenas, que é não apenas a defesa de seus territórios, mas principalmente, de suas territorialidades, de seus modos de lidar com a terra, cada vez mais ameaçados pelo avanço das frentes colonizadoras. O discurso do desenvolvimento – eterna meta das nações pobres e dependentes – da mesma forma que opera um perverso mecanismo social fora das aldeias, até elas chegar com a missão colonial de normatizar técnicas e saberes gerados fora de seus contextos culturais e cosmológicos que, muitas vezes, como no caso de iniciativas tentadas em locais de territórios insuficientes, tem por meta oferecer-lhes possibilidades de lidar com a restrição territorial que lhes foi historicamente imposta.

Trata-se, contudo, de uma missão colonial que procura dissociar a sociedade de sua matriz espacial, portanto, constituindo-se em importante ferramenta ideológica de alienação das terras indígenas, já que, etnocêntricos, ignoram a percepção do espaço pelos indígenas, principal parâmetro para sua produção.

A forma diferenciada de apropriação do território pelos indígenas reside na diferença de seus contextos culturais. Não poderá um pesquisador compreendê-la em sua totalidade, poderá apenas reconhecer aspectos sua diferença. O grande paradigma, a grande alegria ou frustração da modernidade está que esta diferença manifesta-se cotidianamente, contra tempos e espaços, contra aquilo a que o filósofo Felix Guatari chamou de “fabricação capitalística de subjetividades”.

O discurso do desenvolvimento se encontra alguma ligeira “anulação” no pensamento indigenista, faz-se bastante representativo na sua prática política, fazendo do indigenismo importante instrumento do Estado brasileiro no sentido de garantir a abertura de frentes de colonização, a ocupação do território e o desenvolvimento dos índios, qual seja o nome que a isto se dê. O faz com diplomacia, papel que coube a sertanistas e indigenistas, mas que, sabemos, resultou na desapropriação ou redução de grande parte de seus territórios, para posteriores penetrações econômicas, viabilizadas através de políticas públicas conduzidas por outras agências estatais.

Se tal dinâmica avança no entorno das áreas indígenas, gerando pressões cada vez mais decisivas sobre o espaço das aldeias, da mesma forma, as terras indígenas têm sido colonizadas em seu interior, através de diferentes projetos que partem de paradigmas eurocentrados antigos, como o desenvolvimento; ou contemporâneos, como o Desenvolvimento Sustentável, a Gestão Ambiental, o Etnodesenvolvimento – todos estes discursos, formas contemporâneas, que tem na origem ou um pensamento salvacionista igualmente etnocêntrico, no qual a terra mais que uma “natureza sensível” a ser “protegida”, está para ser transformada, pois que, não apenas imprescindível, as transformações da natureza e do território são inevitáveis, tanto quanto a cultura, estando estas duas coisas, íntima e dialeticamente ligadas.


* É colaborador do NCPAM, Geógrafo (Universidade Federal Fluminense) da Funai. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Além do indigenismo estatal, onde atua se interessa pelas manifestações líricas e artísticas dos homens no espaço e as perspectivas estéticas de produção territorial. Alimenta o blog blog.wayn.com/sandova

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