terça-feira, 27 de janeiro de 2009

CONHECENDO OS ÍNDIOS DO TOCANTINS

Em resultado das investidas dos setores público e privado, ocorreram mudanças que afetaram de forma significativa o cenário sociocultural e ambiental da Amazônia, resultando na destruição da floresta, em grande impacto epidemiológico pela infestação de várias doenças que dizimaram centenas de indígenas que viviam e ainda vivem nessa região.

Aquiles Pinheiro*

Índios do Tocantins é o título da obra mais recente do professor Orlando Sampaio Silva, um dos mais competentes antropólogos do Brasil e também profundo conhecedor da paisagem sociocultural e ambiental da Amazônia brasileira. O conteúdo desta obra reúne – a partir de registros de campo – algumas impressões e reflexões antropológicas sobre as mudanças socioculturais que vem ocorrendo entre os índios em razão do contato com os não-indígenas e em razão do avanço das frentes de expansão da sociedade nacional.

Algumas dimensões da vida social analisadas pelo autor são: demografia, situação de contato, economia, territorialidade e projeto de desenvolvimento indígena, entre outros. Na análise antropológica dos fatos observados e registrados pelo autor, são utilizados os conceitos de “fricção interétnica” e “aculturação”. O recorte temporal está circunscrito às décadas de 70 e 80, e o contexto abordado refere-se às situações de contato marcadas por ações estatais protagonizadas pela FUNAI e pelas frentes de expansão agropecuária e extrativista com fins de ocupação do território e incorporação da mão-de-obra indígena numa perspectiva de integração e/ou inclusão dos indígenas à sociedade nacional.

Em resultado das investidas dos setores público e privado, ocorreram mudanças que afetaram de forma significativa o cenário sociocultural e ambiental da Amazônia, resultando na destruição da floresta, em grande impacto epidemiológico pela infestação de várias doenças que dizimaram centenas de indígenas que viviam e ainda vivem nessa região. Mas, o que mais chama atenção nos relatos etnográficos reunidos nesta obra é o efeito da influência da cultura do homem “branco” nos costumes, na tradição e na estrutura sociocultural das sociedades indígenas da Amazônia.

O primeiro grupo referido pelo autor é formado pelos índios Gavião. Originários dos campos maranhenses, esses índios foram levados para a Reserva Mãe Maria, localizada na zona tocantinense-paraense. Segundo o autor, “[...] a pressão das frentes extrativista e pecuária de um lado e a necessidade de adaptação às condições ecológicas da floresta tropical, levaram a mudanças significativas na sociedade e na cultura desses índios” (SILVA, 2009, p. 16).

O segundo grupo etnografado por Orlando é o Xikrin, moradores de uma aldeia localizada no sudeste do estado do Pará, próximo ao rio Cateté, afluente pela margem esquerda do Rio Itacaiúnas, tributário do rio Tocantins. Originariamente, os Xikrin são caçadores e coletores de alimentos de origem vegetal e animal, praticando, também, a pesca e o cultivo de batata-doce, cana-de-açúcar, arroz, mandioca e feijão. Entretanto, mais recentemente, o contato com os “brancos” despertou nos Xikrins o interesse por bens e produtos manufaturados, conforme salienta o autor: “O contato com os brancos gerou novas necessidades entre os Xikrin, tanto em termos de ferramentas de trabalho e vestimentas quanto no que tange à alimentação, setor no qual são parcialmente dependentes dos fornecimentos do Posto Indígena [...]” (SILVA, 2009, p. 57).

Os Suruí, terceiro grupo referido pelo pesquisador, ocupam tradicionalmente a área do Igarapé Sororozinho, afluente do Rio Sororó, tributário do Rio Itacaiúnas, no município de Marabá, no Pará, os Suruí Foram pacificados mediante sucessivas visitas catequéticas de Frei Gil Gomes, iniciadas em 1952. Esses índios encontram-se desde maio de 1976, direta ou indiretamente, em permanente contato com não-indígenas. Tradicionalmente, as funções e os papéis sociais na sociedade Suruí eram definidos em função da divisão clânica, onde ao clã Coati cabia a função de chefia, enquanto ao clã Pao cabia o papel de agricultores, podendo eventualmente, exercer a função de guerreiros.

Segundo Silva (2009), os grupos clânicos ainda apresentam “manifestações residuais” na atual sociedade Suruí que gradualmente se “cabocliza”, entretanto, as grandes casas comunais foram substituídas por casas construídas à moda dos regionais. O autor salienta ainda que “os contatos com a sociedade inclusiva provocaram expressivas mudanças na estrutura sociocultural dos Suruí e levaram a eles novas necessidades relacionadas a bens originários do mundo dos brancos, tais como: alimentos, roupas, sapatos, armas para caça etc” (SILVA, 2009, p. 71).

O quarto grupo mencionado por Orlando é formado pelos índios Parakanan (ou Parakanã), de língua filiada à família lingüística Tupi-guarani. Parte dos Parakanan foi “pacificada” há apenas seis anos, os demais continuam arredios resistindo às tentativas de atração da FUNAI. O grupo pacificado ocupa as proximidades do igarapé Lontra, da Bacia do Rio Tocantins, que a partir de Julho de 1971, foi convertida em Reserva Indígena. Ressalta o autor que o curto período de tempo decorrido desde que foram “pacificados” bem como o fato de estarem protegidos no interior de uma Reserva Indígena sob a administração da FUNAI, permite a este grupo conservar elementos da cultura tradicional, como as práticas xamânicas, a confecção de cerâmicas, adornos de penas e pintura corporal.

O quinto grupo contemplado pelo autor é o Asurini, que habita em uma reserva localizada à margem esquerda do Rio Tocantins à jusante da cidade de Tucurui. Tradicionalmente, caçadores e coletores de produtos vegetais e animais, os Asurini vêm gradualmente, adotando os costumes do branco, seja no uso de implementos agrícolas, seja no uso de “armas de fogo” em substituição ao arco e flecha.

Nesse sentido, o autor observa que os Akuáwa-Asuriní “Não usam mais arcos e flechas na caça. As técnicas indígenas tradicionais, que eram empregadas na caça no passado, foram substituídas pelo uso de armas de fogo, que alguns índios têm e que emprestam aos que não as têm”. Afirma ainda que “Os instrumentos de trabalho que empregam na agricultura são o facão e o machado, originários da sociedade inclusiva” (SILVA, 2008, p. 141).

À margem dos relatos e reflexões desenvolvidas pelo autor, cabe-nos refletir sobre as reais possibilidades de que, aos índios do Tocantins, seja assegurado o direito de continuarem sendo “índios”, conservando e manifestando livremente os traços distintivos de suas culturas, sem, no entanto deixar de serem também cidadãos brasileiros com direitos iguais a qualquer cidadão não-índio. Somente assim a expressão “sociedade inclusiva” se revestirá de seu verdadeiro sentido. O ser e o fazer antropológico têm no alcance desse objetivo uma grande parcela de responsabilidade.

SILVA, Orlando Sampaio, Índios do Tocantins – Notas do caderno de campo. (Coleção Memórias da Amazônia) Manaus: Valer, 2009.

* Cientista Social formado pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM e pesquisador do Núcleo de Cultura Política do Amazonas – NCPAM.

Nenhum comentário: