O Jornal Porantim foi criado em 1978, na cozinha da minha residência, em Manaus, depois da passagem encorajadora de Dom Tomás Balduíno e Dom Pedro Casaldáliga pela cidade. Dois anos depois, a redação foi transferida para Brasília, onde permanece até hoje, chegando ao seu número 300. Queríamos que ele fosse uma espécie de espelho, onde parte da população da cidade visse refletida não só a imagem dos povos indígenas, mas a sua própria imagem.
*José Ribamar Bessa Freire
No final dos anos 60, no Rio de Janeiro, meus amigos imploravam: “vai para O Globo, vai”. Diziam isso por causa da minha fama de pé-frio. Todos os órgãos de imprensa, onde fui repórter, fecharam suas portas. Foi assim com dois diários alternativos O Sol e O Paiz, com a Agência de Notícias Asapress, com o Jornal de Vanguarda da TV Continental, com o semanário Poder Jovem e até mesmo com o centenário Correio da Manhã.
No exílio, fui correspondente em Paris do Opinião, que também fechou. No seu programa Comitê de Imprensa da TV Câmara, Paulo José Cunha brincou me chamando no ar de “fechador de jornais”.
Um deles, porém, que eu ajudei a fundar, não fechou. O único: o Porantim. Ele foi criado em 1978, na cozinha da minha residência, em Manaus, depois da passagem encorajadora de Dom Tomás Balduíno e Dom Pedro Casaldáliga pela cidade. Dois anos depois, a redação foi transferida para Brasília, onde permanece até hoje, chegando ao seu número 300.
O nome escolhido contém forte carga simbólica: instrumento de trabalho, arma de combate, memória coletiva. O seu lançamento foi no dia 1º de maio de 1978, em plena ditadura militar. Nas comemorações do Dia Internacional do Trabalhador, os professores amazonenses, que fizeram uma manifestação tímida, tiveram uma surpresa. Durante o ato, foram distribuídos centenas de exemplares do primeiro número do Porantim: três folhas de papel tamanho ofício, mimeografadas, frente e verso. Panfleto sim, mas pretensioso.
O objetivo inicial do boletim do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cujo comitê editorial era formado por Paulo Suess, Renato Athias, Ademir Ramos e o autor dessas linhas, era divulgar, em Manaus, informações sobre a questão indígena. Queríamos que o Porantim fosse uma espécie de espelho, onde parte da população da cidade visse refletida não só a imagem dos povos indígenas, mas a sua própria imagem.
Apesar de dirigido preferencialmente à população de Manaus, exemplares do jornal foram logo enviados para as comunidades indígenas do Amazonas: missionários, agentes de pastoral e líderes indígenas, alfabetizados em português. A estrutura do Cimi nos forneceu uma vasta rede de correspondentes, espalhados pelas aldeias indígenas, que abasteciam o jornal com notas redigidas até em papel de embrulho.
O Porantim foi ganhando maior credibilidade e aumentando a tiragem. A rede de correspondentes e a distribuição do jornal se espalharam por todo o Brasil. O jornal passou a ser vendido em algumas bancas das cidades do Norte, dialogando com outros periódicos alternativos como o Varadouro, do Acre.
Ninguém podia imaginar, muito menos um “fechador de jornal”, que quase trinta anos depois o Porantim estaria firme e forte, combatendo o bom combate em defesa da causa indígena, mantendo sua postura crítica e de denúncia e tentando, como um pequeno David, lutar contra os preconceitos e a desinformação da grande imprensa.
Espero receber um convite, daqui a 20 anos, para escrever sobre meio século de vida do Porantim. A luta continua.
*Coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da UERJ, um dos fundadores e primeiro editor do Porantim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário