domingo, 4 de janeiro de 2009

A QUESTÃO DO ACRE - O PREÇO DE UMA CARTEIRA DE IDENTIDADE

Iniciamos uma série de publicação sobre a invenção do Acre de autoria do professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade de Brasília (NEAZ), geógrafo Roberto Monteiro de Oliveira, que no passado foi professor da Universidade Federal do Amazonas e, estando conosco em Manaus, se comprometeu em contribuir para o debate sobre Questão do Acre, que em última instância compreende também a geopolítica da Amazônia, problemática recorrente quando se trata de políticas voltadas para desenvolvimento regional. O texto original tem por título: “O preço de uma carteira de Identidade – a questão do Acre”. No entanto, pela sua densidade vamos postar em formas de artigos para facilitar a leitura dos nossos consulentes, primando pela integridade do texto, na perspectiva de se promover o bom debate.

Como é seu nome - Uaquiri, Rio dos Jacarés era o nome que os valentes Apurinã davam para o rio que banha o território do atual Estado do Acre e que passou a identificar o próprio território. É uma característica própria dos amazônidas, segundo o Samuel Benchimol, identificar-se com o rio: eu sou do Juruá, eu sou do Madeira, eu sou do Purus, eu sou do Rio Negro e eu sou do Acre.


Mas é a valentia que vem caracterizar a todos aqueles que adotam o território amazônico como pátria.

Aqui apresentamos uma síntese do que foi a saga de um punhado de espanhóis, italianos, sírio-libaneses, judeus, cearenses, gaúchos, cariocas que unidos às tribos indígenas nativas e aos cabocos seringueiros e seringalistas lutaram para adquirir a própria carteira de identidade, fraternizados pela territorialidade de uma região.

Tierras no Discubiertas”. - Até 1850 as terras que compõem o atual estado do Acre, apareciam na cartografia amazônica, como “Tierras no Discubiertas”. A partir dessa data começam as primeiras andanças pela exploração de seus recursos naturais e com a demanda de borracha para atender a fabricação de pneumáticos para a nascente indústria automobilística a região começa a ser intensamente explorada.

A grande seca no nordeste brasileiro, ocorrida nos anos de 1877/1878, possibilitou a migração de milhares de trabalhadores nordestinos para a extração e defumação da borracha.

Esta migração forçada, sobretudo de nordestinos cearenses acelera e intensifica o povoamento daquela região com todas as suas conseqüências.


Os fatos - A questão do Acre começa quando Brasil e Bolívia decidem demarcar seus limites de acordo com o Tratado de Ayacucho de 1867.

O Tratado de Ayacucho de 1867 foi assinado durante a guerra do Paraguai sem que os diplomatas do Império Brasileiro e da Bolívia soubessem que seringueiros brasileiros já ocupavam grande parte do vale dos rios Purus, Madeira e Juruá.

Desconhecendo o que acontecia na base territorial diplomatas bolivianos e brasileiros assinam o condicional e confuso tratado de Ayacucho.

Aliás, todo Brasil passa a fazer parte do horizonte geográfico da civilização cristã ocidental envolvida pelo também confuso Tratado de Tordesilhas e pelo Tratado de Madrid.

O contencioso - Como dizem os diplomatas, a contenda se inicia quando o chefe da Comissão Brasileira Demarcadora dos Limites, Coronel Thaumaturgo de Azevedo não aceitou os limites estabelecidos pelo Tratado de Ayacucho, uma vez que a linha divisória demarcada no território a partir das nascentes do Rio Javari deixava para a Bolívia exatamente a região riquíssima em seringueiras dos rios Acre, Purus, Madeira e Juruá que já estava ocupada e explorada por seringueiros brasileiros.

Thaumaturgo de Azevedo considerando que tal limite era prejudicial ao Brasil denuncia a situação provocando uma grande polêmica nacional.

Thaumaturgo de Azevedo foi destituído e em seu lugar foi nomeado o Capitão-Tenente Cunha Gomes que seguindo as determinações do governo brasileiro reconhece os limites estabelecidos pelo caduco Tratado de Ayacucho devolvendo a soberania daquele território para a Bolívia.

O domínio boliviano – Reconhecido os seus direitos, pela esquizofrenia dos diplomatas que assinaram o tratado de Ayacucho o governo boliviano envia para o alto Rio Acre uma expedição chefiada pelo Major Benigno Gamarra a bordo do piquete Gamarra que a 12 de setembro de 1898 chegou a então Vila de Xapuri, onde estabeleceu a Delegação Nacional Boliviana.

Brasileiros/bolivianos – É fácil imaginar essa nova situação. Brasileiros, em seu próprio território, abandonados pelo próprio governo e governados por autoridades bolivianas.

O Coronel da Guarda Nacional Manuel Felício Maciel organizou e liderou um movimento que obrigou a Delegação Boliviana a retirar-se daquele território, em 30 de novembro de 1898.

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