Esquerda ou direita?
Gustavo
Venturi (*)
Aproximam-se as
eleições e o NCPAM inicia um processo de estudo resgatando os indicadores dos
últimos pleitos em nível nacional, tentando mapear quantitativamente a
expressão do voto, como também compreender a “vontade geral” assentada nas
análises feitas sobre a formação do que se convencionou chamar de nova classe
média (Neri), subproletariado (Singer) e ou Ralé (Jessé Souza). Passada as
eleições vitoriosas de Lula e de Dilma, com aval desta classe beneficiada pelo
Programa Bolsa Família, o desafio está posto, segundo André Singer (Os Sentidos
do Lulismo): Apesar do sucesso do PT e da CUT, a esquerda não foi capaz de dar
a direção ao subproletariado, fração de classe particularmente difícil de organizar.
Eis a disputa por esse filão eleitoral. No momento, postamos os resultados do
trabalho de Gustavo Venturi, que suscita profunda dedução quanto à definição
das estratégias eleitorais tanto nacional como local. Confira:
Inserida
em pesquisas de cultura política e eleitorais, a pergunta-título pode se
enquadrar naquilo que o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002)
classifica como "imposição da problemática. Comum em estudos
quantitativos, essa prática consiste em interpelar subitamente uma amostra de
cidadãos a respeito de temas sobre os quais muitas vezes nunca discutiram nem
pararam para pensar, obtendo assim respostas irrefletidas, que seriam pouco
confiáveis ou mesmo inválidas -- expressão de uma "opinião pública"
inexistente. Mas, sem arriscar, como medir, ainda que aproximadamente, a real
extensão das identidades políticas esquerda e direita hoje no Brasil? Afinal,
que significado e importância têm esses conceitos para o conjunto, da opinião
pública?
Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, após a reeleição de Lula
(nov./06), aferiu, diante de uma escala de 1 a 7, que 13% dos 2.400 brasileiros
entrevistados situaram-se à esquerda (pontos 1 e 2), 24% à direita (6 e 7) e
47% em um centro amplo (3, 4 e 5). Ou, ao gosto do observador, 23%
localizaram-se em uma esquerda ampliada (1, 2 e3), 39% em uma direita ampliada
(5, 6 e 7) e 221/o precisamente no centro (4). Apenas 16% não se
autoclassificaram, sendo a média dos demais 4,4. Dados muito próximos aos
obtidos antes da eleição presidencial de 1989 (Data folha/Cedec): 22%à
esquerda, 37% à direita, 19% no centro, 20% sem opinião e média também 4,4.
Pode-se concluir que a população brasileira era e permaneceu
predominantemente de direita, no sentido político-ideológico do termo? Como
explicar a eleição e a reeleição de Lula? Teria Lula migrado para a direita,
ultrapassando seus adversários nessa identidade? Seria a prova de uma real
conversão programática sua, para além do figurino eleitoreiro do Lulinha paz e
amor? 0 tema é complexo para este espaço, mas alguns dados e a análise do que a
opinião pública entende por esquerda e direita não sustentam essa
interpretação:
1. Para a maioria dos que opinaram (já que quase metade não o
fez em 1989 e mais de um quarto em 2006), o principal traço identificador desses
conceitos, antes que referido a ideologias, é fruto de uma evidência observada
ao longo da história da República: direita é sinônimo de situação, de estar no
poder (respostas espontâneas de 20%, tanto em 1989 como em 2006); ser de
esquerda é estar na oposição (percepção de 36% e de 24%.
2. O segundo elemento, ainda menos político (partilhado por
cerca de 10%), define a direita como o que é direito, como o bom, o certo, e,
por inversão, a esquerda como o torto, o ruim, o errado.
3. Essa acepção está tanto mais presente na compreensão dos
eleitores quanto menor sua escolaridade. Assim, entre os que não passaram da 4ª
série do ensino fundamental, 16% situam-se à esquerda, 44% à direita e apenas
15% no centro (25% não se localizam); entre os que atingiram o nível superior,
31% colocam-se à esquerda, 31% à direita e 32% no centro (7% não se situam).
4. Os segmentos de baixa escolaridade e renda (mesmo
achando-se de direita) votaram em peso na reeleição de Lula, sobretudo pelo
caráter social e distributivista (programaticamente de esquerda) das políticas
públicas do primeiro mandato, em detrimento e rechaço do programa de direita
(identificado como elitista e privatizante de Alckmin (ver "A construção
da autonomia popular", TD n° 68, nov.-dez./06).
Também é verdade que as noções clássicas de esquerda e direita fazem sentido para parcela razoável do eleitorado: a média dos simpatizantes do PSOL que se situaram na escala de 1 a 7 foi de 3,1; a dos petistas mais antigos, 4,3; a dos então pefelistas, 4,4; e a dos tucanos, 4,1. Talvez o que mais importa seja que, passadas mais de duas décadas de democracia, a construção de uma hegemonia político-cultural identificada como de esquerda não avançou.
Também é verdade que as noções clássicas de esquerda e direita fazem sentido para parcela razoável do eleitorado: a média dos simpatizantes do PSOL que se situaram na escala de 1 a 7 foi de 3,1; a dos petistas mais antigos, 4,3; a dos então pefelistas, 4,4; e a dos tucanos, 4,1. Talvez o que mais importa seja que, passadas mais de duas décadas de democracia, a construção de uma hegemonia político-cultural identificada como de esquerda não avançou.
(*) É
sociólogo e cientista político.
Fonte:http://www.teoriaedebate.org.br/colunas/opiniao-publica/esquerda-ou-direita
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