“Se
fosse para resumir a atuação do governo em 2013 em uma palavra, eu diria:
desastrosa”
Wagner Vargas
(*)
Com crescimento, inflação próxima ao
teto da meta (5,91%), dólar apreciado (alta de 15%) em 2013, quais foram os
principais erros e acertos em relação à política econômica do ano passado? E
para 2014? Quais os principais desafios e perspectivas que a política econômica
pode enfrentar, especialmente no cenário externo em que o Federal Reserve
System (FED, o Banco Central norte-americano) sinaliza alterações na política
monetária? Período atípico em que o país sediará a Copa do Mundo e de eleições,
quais as chances de serem efetuadas reformas na política econômica?
Para
falar sobre estes temas e avaliar a atuação dos responsáveis pela política
econômica, convidamos o economista e consultor, Alexandre Schwartsman,
sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica. Em
entrevista exclusiva, Schwartsman, também especialista do Imil, comenta sobre
as práticas de governança, malabarismos fiscais, o arcabouço institucional e
formas para a política econômica brasileira se tornar mais próspera e
responsável.
Doutor
em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, Schwartsman atou em
postos importante no setor público (Ex-diretor de Assuntos Internacionais do
Banco Central) e no setor privado (ex- economista chefe do Banco Santander).
Também é professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e colunista da
Folha de S. Paulo e do Valor Econômico. Leia:
Wagner
Vargas- Apesar de abaixo do esperado, o Brasil apresentou aumento da atividade
econômica em 2013; atingiu a meta de superávit primário e o BC retomou a alta
de juros e a inflação não fechou no teto. Qual sua avaliação de como a política
econômica foi conduzida no ano passado?
Alexandre
Schwartsman- Continuou
desastrosa, não tem outra palavra isso. O país cresceu mais que no ano
retrasado. Mas, em 2012, ele cresceu 1%, e ter crescido mais do que isso no ano
passado, não chega a ser um mérito extraordinário. De qualquer forma, estamos
falando de um ritmo de crescimento na casa de 2%, que também não é um valor que
a gente possa se orgulhar. A inflação caiu, mas a gente sabe como: controle muito forte da taxa dos chamados
preços administrados. Os preços ainda estão subindo forte, as medidas de
núcleo de inflação não desaceleraram — pelo contrário, elas vieram acelerando —
nem crescimento, nem inflação foram muito bons. E, francamente, a meta de
primário, do jeito que foi cumprida, era melhor que não fosse. Se fosse para
resumir em uma palavra a atuação do governo ano passado, seria esta: desastrosa.
Wagner
Vargas- Houve evolução? Falta fazer algo mais específico?
Alexandre
Schwartsman –
Acredito que há algumas. O governo deu muita cabeçada, apesar da condução da política macro que não teve evolução nenhuma e
sim um retrocesso. O governo não pretende admitir seus erros, é muito claro
que eles pretendem continuar neste curso. Já na questão das concessões, há uma
melhora. Algo que começou muito torto e não está exatamente do jeito ideal.
Mas, aparentemente, foram aprendendo ao longo do caminho, foram errando muito,
agora estão errando menos. Porque não tem alternativa, tentaram fazer um leilão
do jeito que eles queriam e foi um fracasso; no leilão seguinte já começaram a
mudar um pouco, estão tabelando menos retorno, não é o ideal, mas temos que
reconhecer que houve uma evolução na base da cabeçada mas, independentemente da
origem, é bom que tenha uma evolução.
Wagner
Vargas – Para o governo não há mudança da matriz macroeconômica (tripé),
operando “estritamente dentro dos preceitos de meta de inflação, câmbio flutuante”. Mas, o senhor e muitos
analistas apontam o contrário, essencialmente, em relação à responsabilidade
fiscal e à inflação, o que fez a presidente resgatar uma expressão da ditadura
militar: “guerra psicológica”. Por que tanta disparidade nas visões?
Alexandre
Schwartsman - O
governo tem um legado político que ele quer defender e não vai admitir a
verdade. A verdade é que ele abandonou o
Tripé econômico [responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de
inflação]. Se ele não abandonou, está fazendo alguma coisa muito errada,
porque a meta fiscal não foi atingida, a meta de inflação não foi atingida e o
câmbio não flutua. Esta conversa de ‘o tripé está mantido’ é da boca para fora.
Rigorosamente, não guarda nenhuma relação como que se observa concretamente no
campo da política econômica. Em relação ao câmbio, de alguma forma administrado,
não totalmente, o Banco Central tem
estado muito ativo, basta lembrar o quanto vendeu de Swap no ano passado, o
quanto ele prometeu de vender na primeira metade deste ano. O
Banco Central em tempos atrás tentava trazer o câmbio para cima, agora está
tentando trazê-lo para baixo. O primário [superávit], ninguém sabe o que é, se
está na meta, o que de fato está acontecendo, porque a meta, em si, muda e a
execução é um truque contábil em cima do outro. E a inflação está aí para todo
mundo ver. O BC projeta, oficialmente, a inflação acima da meta até 2015. Não
entregou em 2011, em 2012, em 2013 e não vai entregar a meta em 2014 e em 2015.
Se o BC está perseguindo a meta, ele está fazendo alguma coisa muito errada,
porque cinco anos para alcançá-la, não tem desculpa. Esta conversa de manutenção do tripé é uma conversinha para boi dormir.
Na prática, temos um arranjo de política econômica bem diferente.
Wagner
Vargas – Segundo o Ministro da Fazenda, os dados do superávit primário foram
antecipados para acalmar os ânimos do mercado ou os “nervosinhos”. No entanto,
para fechar as contas, o governo tem se valido de estratégias classificadas
ironicamente como “criativas”. De que forma isso ocorre e como elas afetam a
credibilidade, ainda que as metas tenham sido cumpridas?
Alexandre
Schwartsman –
Não adianta, o governo tenta disfarçar com certas estratégias, mas, de uma
forma ou de outra, há um conjunto de analistas do setor privado da imprensa que
consegue perceber as manobras: ‘fizemos 75 bilhões’, eles percebem que não
fizeram. É “criativo” porque sempre aparece alguma coisa nova. Em 2012, de
repente, apareceu uma receita do Fundo Soberano que salvou as contas, um
dinheiro que, na verdade, não existe, tínhamos que saber como ele foi
depositado. Ano passado, tivemos as receitas não recorrentes, especificamente o
leilão do campo de Libra. Você faz o leilão apenas uma vez, não vai obter
sempre a receita de R$ 15 bilhões, que foi ligada a isso. Houve uma receita de
renegociação tributária, o Refis, de R$ 20 bilhões, que também não vai se
repetir. É
como se uma família estivesse vendendo suas joias e contabilizando-as como
renda familiar, o que não é verdadeiro, já que você tem um conjunto finito de
joias da família. Além disso, os restos a pagar que aumentaram em 2013 e 2014,
despesas que foram reconhecidas em 2013, mas que só serão quitadas em 2014.
Desta forma, eles melhoram as contas de 2013 à custa de piorá-las em 2014 e,
muito provavelmente, será feito o mesmo neste ano, é uma bicicleta. Este tipo
de coisa eu não acho sustentável. Quando olhamos para a parte sustentável do
que tem sido o superávit do governo, são números muito baixos, inferior a 1% do
PIB. Certamente, há uma deterioração
séria em relação à política fiscal do país.
Wagner
Vargas – Mesmo contabilizando o aluguel de plataformas de petróleo (na maior
parte, para a Petrobras) como exportação (US$ 7,736 bi), o Brasil registrou um
saldo de US$ 2,561 bilhões, menor resultado desde 2000, quando houve um déficit
de US$ 731 milhões. A que esse resultado se atribui essencialmente e até que
ponto isso é culpa do contexto externo?
Alexandre
Schwartsman- O
contexto externo, obviamente, não é tão bom quanto foi há alguns anos. Agora,
vamos falar a verdade, 2013 foi melhor do que 2012 para o mundo como um todo. Jogar
a culpa da balança comercial na ideia de que o mundo cresceu pouco, não é
adequado. Apesar de baixo, ele cresceu mais do que em 2012. Então, se vê que
tem algo de errado com este tipo de explicação. Uma série de países que,
basicamente, exportam o mesmo tipo de coisas que o Brasil, commodities, estão
observando o mesmo tipo de piora na balança de pagamentos que foi observada
aqui. Mas, o problema do Brasil é muito simples. Estamos com uma economia que,
de alguma forma, está restrita pelo lado da oferta, com uma taxa de desemprego
baixa, crescimento baixo, então, não tem muito mais gente para entregar,
crescimento baixo de produtividade. Você não consegue colocar mais gente para
trabalhar e as pessoas que estão ativas no mercado não conseguem produzir o tanto
que você precisa. O governo dá estímulos à
demanda, ao consumo, por meio de crédito, BNDES, gasto público, faz a demanda
crescer, mas não consegue produzir. Consumir
sem produzir, de alguma forma, isso precisa ser suprido. E isso acaba vindo
do setor externo, importações maiores e exportações menores. Em última análise,
aí está o motivo de termos piorado o desempenho. Uma economia que está operando
próxima de seu potencial, entre outras coisas, como carência de infraestrutura.
Tudo isso, explica o baixo crescimento da produtividade e o governo não
percebeu isso ou, se percebeu, não tem adotado políticas que são condizentes
com este tipo de cenário. O diagnóstico deste tipo de aceleração, de acordo com
o governo, é que se trata de um problema de demanda. O meu diagnóstico e de um
conjunto grande de economistas aponta que é um problema de oferta, a produção.
É o mesmo que dar um antibiótico para alguém que não está com uma infecção, mas
com uma doença autoimune, os resultados esperados não serão obtidos e isso que
está acontecendo atualmente no Brasil.
Wagner
Vargas – Mas é possível mensurar o quanto foi responsabilidade da gestão?
Alexandre
Schwartsman – A responsabilidade é total, o diagnóstico
está errado, as políticas estão erradas. Não fomos nós que fizemos e
propusemos as políticas erradas, foi o governo. Se ele adota políticas
equivocadas e como consequência disso o país cresce pouco, a culpa, certamente,
é de quem está conduzindo a política econômica. Por isso, eu vejo a condução da
política econômica como desastrosa.
Wagner
Vargas – Em 2013, o dólar subiu 15%, o Brasil registrou maior saída de dólares
dos últimos 11 anos e o Fed anunciou corte de US$ 10 bilhões nas compras
mensais de títulos para US$ 75 bilhões e afirmou que deve realizar mais cortes
e isso impacta no real. Como o BC deve atuar no câmbio neste cenário? E, de
fato, houve, no ano passado, “fuga de capitais”?
Alexandre
Schwartsman -
Fuga de capitais não, obviamente o fluxo de recursos é negativo e não foi pouca
coisa, mas é um processo natural. A perspectiva de aperto da política monetária
nos EUA tem seu efeito. Em alguma medida, o fundamento estimula as pessoas a
arremeterem, mas afirmar que está ocorrendo uma fuga de capitais no sentido
clássico, seria, talvez, um pouco de exagero. Porém, não acredito que atuação
do Banco Central tem sido correta, não. O BC justifica sua intervenção,
afirmando que está tentando evitar volatilidade na taxa de câmbio. Não é
verdade.
Wagner
Vargas – Mas não tem funcionado?
Alexandre
Schwartsman –
Ele tem conseguido segurar a taxa de câmbio. Mas vale lembrar que, em setembro,
ela chegou a R$ 2,45. O BC vendeu um
caminhão de dólar para manter a taxa abaixo de R$ 2,40. Está projetando
vender outro caminhão, agora menor, para também segurar o câmbio. Isso não me
parece uma medida destinada a reduzir volatilidade, mas sim para impedir a
depreciação cambial, e eu acho isso equivocado, porque temos observado uma
mudança de ciclo relevante na política monetária dos EUA e já começa a
discussão sobre até que ponto isso vai acontecer em outros lugares do mundo.
Redução no ritmo de investimentos monetário, o Fed já decidiu isso. Ainda não
vai ser o momento de subida de taxa de juros lá. O cenário seria para lá de
2015. Mas os países desenvolvidos estão voltando a crescer e, à medida que isso
acontece, eles vão precisando de menos estímulo monetário e os governos vão
reduzindo isso. O que significa diretamente o fortalecimento do dólar, da
libra. Em relação à União Europeia, acho que está longe disso, daqui a uns dois
ou três anos, talvez. Se essas moedas
estão se fortalecendo, o natural seria que o real se depreciasse, não se deve
lutar contra isso.
Wagner
Vargas – Mas por que que o BC luta contra isso?
Alexandre
Schwartsman -
Porque ele “perdeu a mão” da inflação chegando muito perto do teto da meta, então, qualquer depreciação da moeda
ameaça a inflação. É, na verdade, o pau que nasce torto. A inflação está torta e tentam corrigi-la,
não pela política monetária, mas pela política fiscal, também via câmbio, via
controle de preços etc. Troca o pé da dança, trocou o pé esquerdo, trocou o
direito, troca pelo esquerdo e assim por diante. Mas este pé trocado é que tem
levado esta política macroeconômica confusa.
Wagner
Vargas- Você citou esta questão de estarmos com “o pé trocado” em algumas
áreas. Um ministro da Fazenda presidindo o Conselho da Petrobras pode causar um
conflito de interesses entre instituições, já que o reajuste no combustível,
vital para melhorias no caixa da empresa, tem impacto inflacionário. Como uma
situação destas pode ser evitada? Isso impacta na credibilidade das
instituições do país?
Alexandre
Schwartsman -
Certamente, tem ocorrido problema. Todo mundo sabe da defasagem de preços da
Petrobras. Por conta do controle de preços de combustível, a companhia está sangrando caixa, ela está comprando petróleo e
derivados a preços maiores do que ela pode vender aqui dentro, uma política
ruinosa para a empresa. Agora, o presidente do Conselho da empresa é o
Ministro da Fazenda que está com a inflação perto do teto da meta, então, a
governança de maneira geral não é boa. Acho que este arranjo está se tornando
complicado do ponto de vista da governança. Algo que poderia ser resolvido, se o BC cuidasse da inflação e ela
seria problema do BC, não da Fazenda. A Petrobras tem que se comportar como
uma empresa privada, então, subiu o preço do insumo, se sobe o preço do
produto, como uma empresa em qualquer lugar. Subiu o preço do trigo, o pão fica
mais caro, caiu o preço do trigo, o pão fica mais barato, não deveria ser diferente
disso.
Wagner
Vargas- O que esperar de 2014? Qual a possibilidade de que sejam feitas
reformas estruturais sérias em um ano eleitoral (que dificulta a subida da
Selic) atípico como este de Copa do Mundo?
Alexandre
Schwartsman –
Possibilidade zero, não tem a menor chance disto acontecer. Não pela dinâmica
política interna. Ok, tem a Copa do Mundo, tem eleição, mas o ponto é que a
população não dá a mínima para isso. A preocupação do governo é ganhar a
eleição e ele não vai ganhá-la com uma reforma previdenciária ou falando de
reforma tributária, um tema árido que ninguém entende. Redução de impostos não
é um tema político, ainda, no Brasil. O governo não tem os incentivos políticos
para fazer isso nem convicção.
Wagner
Vargas – Mas há incentivo político para o governo?
Alexandre
Schwartsman –
Manter o status quo, se o povo estiver consumindo, mesmo que seja
importando, está feliz. O PIB, vamos falar a verdade, é uma abstração, tem
importância política na semana seguinte que sai o número baixo. Mas, no dia a
dia das pessoas, é algo muito distante da realidade delas. Não é o que
interessa. Em hipótese alguma, vai haver mudança de rumo ou adoção de reformas
que possam levar a um crescimento mais rápido, como: mais produtividade, concorrência, maior abertura comercial, redução e
simplificação de impostos, racionalização de gastos. Tudo isso é muito
bonito, mas não dá voto para ninguém, então, não vai acontecer.
Wagner
Vargas – Qual seria a “herança econômica” para o governo que assume em 2015?
Alexandre
Schwartsman – Em
2015, muito provavelmente, o governo vai ser reeleito. Para que ele vai mudar o
rumo daquilo que o elegeu? A não ser que ocorra alguma pressão externa, alguma
crise. Eu não vejo um cenário de crise
que leve a uma alteração da política econômica neste sentido. Estamos
presos a esta política econômica, estamos casados com esta política por um
período bastante longo. O cenário de 2014 deve ser crescimento ruim, parecido
ao que foi no ano passado, na casa de 2%, talvez, um pouco mais. Inflação ainda
alta, balança de pagamento pressionada. Basicamente, o triunfo da mediocridade,
a mediocridade impera no Brasil. Se você se reelege assim, para que balançar o
barco?
Wagner
Vargas – Partindo para o campo das ideias, qual a importância dos think
thanks, como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal? O senhor acredita
que o “ataque” no campo das ideias seja eficaz para fortalecer o arcabouço
institucional e a formulação de políticas econômicas mais prósperas e
responsáveis?
Alexandre
Schwartsman – É
importante, mas, vamos falar a verdade, o público para isso ainda é bem
reduzido. Pouquíssimas pessoas estão interessadas neste tipo de coisa — a
população, em geral, mesmo os experts em economia. É
importante divulgar a mensagem e, talvez, em alguns anos a gente consiga mudar
este estado de coisas, mas, hoje, a ressonância do que a gente fala é muito
baixa. A população não está preocupada com isso, não é uma mensagem que, hoje,
tenha a ressonância necessária, quem sabe daqui a um tempo mude. É importante
que tenha os think thanks, mas temos que ter em mente que, por
conta da história política do Brasil, da nossa formação econômica, a mensagem
liberal em momento algum teve muito espaço no país e acho que ainda vai demorar
muito tempo para isso acontecer, mas não é para desistir, é para ter em mente
que não vamos mudar este jogo tão já.
(*) É formado em jornalismo
pela Universidade Anhembi Morumbi. Trabalha como colunista do jornal
"Imprensa". Tem interesse na área de economia, com âmbito
político-econômico nacional e internacional. Adepto aos ideais de livre mercado
e responsabilidade individual e contrário às ingerências políticas do Estado na
economia. Principais influências ideológicas: Milton Friedman, Hayek, Adam
Smith e Ludwig Von Mises.
Fonte:
http://www.imil.org.br/divulgacao/entrevistas/se-fosse-para-resumir-em-uma-palavra-atuao-governo-em-2013-seria-desastrosa/
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