O novo palco da violência
O quadro de violência na escola, violência contra a
escola e violência contra pessoas envolvidas no processo de ensino tem afastado
alunos e principalmente professores; o histórico de remoção e a rotatividade de
professores e outros profissionais é muito elevado, de modo que o quadro nunca
se completa antes do segundo semestre.
Fernando de Souza Nogueira (*)
A sensível
crise no ensino, muitas vezes constatada por diversos fatos retratados nas
diferentes mídias, também faz parte do cotidiano das escolas de Manaus, o que
dificulta e desmotiva o trabalho de professores e outros profissionais
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Os problemas são muitos, dos quais os mais graves
são: a falta de disciplina nas atividades, desatenção com o conteúdo das aulas
e agressão verbal e física a alunos, professores e demais profissionais
envolvidos no processo. A escola tornou-se palco dos mais diversos tipos de
violência, lugar que não representa mais segurança aos agentes envolvidos,
tornando-se um espaço de reprodução social, comprovando a tese do sociólogo
francês Pierre Bourdieu.
Esse mesmo quadro e as mesmas dificuldades são
enfrentados pelo corpo pedagógico da Escola Municipal de ensino fundamental
Raimundo Gonçalves Nogueira, localizada no bairro Zumbi, Zona Leste de Manaus.
O quadro de violência na escola, violência contra a escola e violência contra
pessoas envolvidas no processo de ensino tem afastado alunos e principalmente
professores; o histórico de remoção e a rotatividade de professores e outros
profissionais é muito elevado, de modo que o quadro nunca se completa antes do
segundo semestre. Muitos foram agredidos, ameaçados ou tiveram seus carros
danificados. Outros alegaram dificuldades para trabalhar os conteúdos de suas
disciplinas. Os que lá se encontram, também enfrentam dificuldades para
desenvolver um bom trabalho, o que os deixa desmotivados.
É frequente a ocorrência de conflitos entre os
alunos que resultam em xingamentos, brigas, agressões e ameaças de morte.
Muitos são envolvidos com o tráfico e utilizam a escola para distribuição das
mais variadas drogas, de modo que a circulação e uso ocorrem sem a preocupação
com a presença de professores e câmeras dispostas nas salas e corredores.
A resistência
às regras e normas para o bom funcionamento da escola é outro problema. A
dificuldade em se manter a ordem e a disciplina, esbarra no comportamento
arredio de alunos e alunas, que não respeitam o espaço onde deveria haver o
mínimo de disciplina paro o bom funcionamento. Caso o diretor, algum professor
ou outro profissional chame a atenção de alguns de perfil arredio, logo é
ameaçado. Numa escola em que o professor tem que se tornar refém da barbárie
dos alunos, coagidos moral e fisicamente, não se pode esperar nada além da
retificação do processo de exclusão e marginalização social. Não se ensina para
a liberdade no ambiente em que as pessoas envolvidas no processo da educação
estão presas.
Atualmente a escola é seguramente a instituição que
mais sofre as consequências da “violência social difusa” (SILVA,2010),
tornando-se a mais vulnerável e mais sensível delas. Por isso professores são
obrigados a ouvir os mais sinistros desejos, dos mais variados alunos, como por
exemplo: “professor, vou explodir essa
escola com todo mundo dentro”; “vou matar todos os professores e o senhor será
o primeiro”; “minha vontade e dá um tiro na sua testa e ver o sangue descendo”;
“quero ser bandido”; “não preciso estudar para ganhar dinheiro, se eu matar um
por mês, ganho o bastante para viver bem”; “ainda vou ser o chefe do tráfico
daqui da área”; “estudar não é futuro! Eu quero é ganhar dinheiro fácil!”
.
O que nos causa mais desconforto ainda, é saber que
a Secretaria de Educação do Município já foi informada sobre os graves
problemas da escola, contudo as respostas foram mínimas diante da gravidade do
quadro. Na reunião dos professores com o então secretário de educação Pauderney
Avelino e seus assessores, que na ocasião declararam ter conhecimento dos
fatos, ficou estabelecida a necessidade de ações imediatas e articuladas para minimizar
o problema da escola em curto e médio prazo. Nada foi cumprido! A escola
continua sendo assaltada, diretor, professores e demais profissionais continuam
sendo ameaçados e coagidos, aumentando ainda mais a desconfiança dos
professores com o descaso da secretaria com a educação das crianças e jovens
que residem nos bairros periféricos de Manaus.
Continuar negligenciando a urgência de ações
articuladas entre as secretarias municipais para combater as mais variadas
formas de manifestação da violência no ambiente escolar, é continuar negando a
muitos de nossas crianças e jovens a oportunidade de acesso à escolha da
identidade, ao direito de manifestar suas preferências porque se veem oprimidos
por identidades aplicadas e impostas por outros das quais não conseguem se
livrar. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam..., como
bem observou Bauman.
Diante desse quadro de ‘anomia’, “de atitude
negativa”, é importante que se busque
compreender a dinâmica da violência social que elegeu a escola como o mais novo
palco, para que se possa cobrar ações articuladas e transdisciplinares, uma vez
que o “fenômeno se demonstra complexo e perpassa contextos diversos e
distintos”, mostrando-se complexo em si mesmo. Para isso, partimos do princípio
de que compreender a dinâmica sóciocultural do contexto da violência, e
a mudança na representação simbólica da escola, é compreender como os sujeitos
escolares e os sujeitos sociais significam o fenômeno e a forma como esses se
comportam perante tais situações. Eis o desafio das Ciências Sociais, pois a dinâmica das sociedades contemporâneas e
as transformações nas relações sociais exigem a atualização das pesquisas no
campo da educação, na busca de descrever, explicar e compreender e interpretar
os fatos, tendo em vista a generalidade da violência praticada na escola em
diferentes cidades brasileiras.
(*) É professor de Escola Pública e aluno do curso de
Ciências Sociais da UFAM.
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