sábado, 18 de janeiro de 2014

O novo palco da violência


O quadro de violência na escola, violência contra a escola e violência contra pessoas envolvidas no processo de ensino tem afastado alunos e principalmente professores; o histórico de remoção e a rotatividade de professores e outros profissionais é muito elevado, de modo que o quadro nunca se completa antes do segundo semestre.

Fernando de Souza Nogueira (*)

A sensível crise no ensino, muitas vezes constatada por diversos fatos retratados nas diferentes mídias, também faz parte do cotidiano das escolas de Manaus, o que dificulta e desmotiva o trabalho de professores e outros profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Os problemas são muitos, dos quais os mais graves são: a falta de disciplina nas atividades, desatenção com o conteúdo das aulas e agressão verbal e física a alunos, professores e demais profissionais envolvidos no processo. A escola tornou-se palco dos mais diversos tipos de violência, lugar que não representa mais segurança aos agentes envolvidos, tornando-se um espaço de reprodução social, comprovando a tese do sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Esse mesmo quadro e as mesmas dificuldades são enfrentados pelo corpo pedagógico da Escola Municipal de ensino fundamental Raimundo Gonçalves Nogueira, localizada no bairro Zumbi, Zona Leste de Manaus. O quadro de violência na escola, violência contra a escola e violência contra pessoas envolvidas no processo de ensino tem afastado alunos e principalmente professores; o histórico de remoção e a rotatividade de professores e outros profissionais é muito elevado, de modo que o quadro nunca se completa antes do segundo semestre. Muitos foram agredidos, ameaçados ou tiveram seus carros danificados. Outros alegaram dificuldades para trabalhar os conteúdos de suas disciplinas. Os que lá se encontram, também enfrentam dificuldades para desenvolver um bom trabalho, o que os deixa desmotivados.

É frequente a ocorrência de conflitos entre os alunos que resultam em xingamentos, brigas, agressões e ameaças de morte. Muitos são envolvidos com o tráfico e utilizam a escola para distribuição das mais variadas drogas, de modo que a circulação e uso ocorrem sem a preocupação com a presença de professores e câmeras dispostas nas salas e corredores.

 A resistência às regras e normas para o bom funcionamento da escola é outro problema. A dificuldade em se manter a ordem e a disciplina, esbarra no comportamento arredio de alunos e alunas, que não respeitam o espaço onde deveria haver o mínimo de disciplina paro o bom funcionamento. Caso o diretor, algum professor ou outro profissional chame a atenção de alguns de perfil arredio, logo é ameaçado. Numa escola em que o professor tem que se tornar refém da barbárie dos alunos, coagidos moral e fisicamente, não se pode esperar nada além da retificação do processo de exclusão e marginalização social. Não se ensina para a liberdade no ambiente em que as pessoas envolvidas no processo da educação estão presas.

Atualmente a escola é seguramente a instituição que mais sofre as consequências da “violência social difusa” (SILVA,2010), tornando-se a mais vulnerável e mais sensível delas. Por isso professores são obrigados a ouvir os mais sinistros desejos, dos mais variados alunos, como por exemplo: “professor, vou explodir essa escola com todo mundo dentro”; “vou matar todos os professores e o senhor será o primeiro”; “minha vontade e dá um tiro na sua testa e ver o sangue descendo”; “quero ser bandido”; “não preciso estudar para ganhar dinheiro, se eu matar um por mês, ganho o bastante para viver bem”; “ainda vou ser o chefe do tráfico daqui da área”; “estudar não é futuro! Eu quero é ganhar dinheiro fácil!”
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O que nos causa mais desconforto ainda, é saber que a Secretaria de Educação do Município já foi informada sobre os graves problemas da escola, contudo as respostas foram mínimas diante da gravidade do quadro. Na reunião dos professores com o então secretário de educação Pauderney Avelino e seus assessores, que na ocasião declararam ter conhecimento dos fatos, ficou estabelecida a necessidade de ações imediatas e articuladas para minimizar o problema da escola em curto e médio prazo. Nada foi cumprido! A escola continua sendo assaltada, diretor, professores e demais profissionais continuam sendo ameaçados e coagidos, aumentando ainda mais a desconfiança dos professores com o descaso da secretaria com a educação das crianças e jovens que residem nos bairros periféricos de Manaus.

Continuar negligenciando a urgência de ações articuladas entre as secretarias municipais para combater as mais variadas formas de manifestação da violência no ambiente escolar, é continuar negando a muitos de nossas crianças e jovens a oportunidade de acesso à escolha da identidade, ao direito de manifestar suas preferências porque se veem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros­ das quais não conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam..., como bem observou Bauman.

Diante desse quadro de ‘anomia’, “de atitude negativa”,  é importante que se busque compreender a dinâmica da violência social que elegeu a escola como o mais novo palco, para que se possa cobrar ações articuladas e transdisciplinares, uma vez que o “fenômeno se demonstra complexo e perpassa contextos diversos e distintos”, mostrando-se complexo em si mesmo. Para isso, partimos do princípio de que compreender a dinâmica sóciocultural do contexto da violência, e a mudança na representação simbólica da escola, é compreender como os sujeitos escolares e os sujeitos sociais significam o fenômeno e a forma como esses se comportam perante tais situações. Eis o desafio das Ciências Sociais, pois a dinâmica das sociedades contemporâneas e as transformações nas relações sociais exigem a atualização das pesquisas no campo da educação, na busca de descrever, explicar e compreender e interpretar os fatos, tendo em vista a generalidade da violência praticada na escola em diferentes cidades brasileiras.  


(*) É professor de Escola Pública e aluno do curso de Ciências Sociais da UFAM.

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