Índios de países vizinhos se nacionalizam para obter
benefícios do governo
O foco da Matéria é a
fraude nos Programas Sociais do governo Federal, em particular relativo ao
Programa Bolsa Família. No entanto, é importante salientar, o que não foi dito,
que as relações de parentescos dos Tikuna e dos demais indígenas que vivem nas
áreas de fronteiras transpassam os limites do Estado Nacional. Tal situação
cria um extenso laço de parentesco entre os povos, possibilitando o acesso, o
que é visto pelos índios como estratégia de sobrevivência, principalmente em se
tratando da questão de assistência a saúde. Mas esta possibilidade, pela
circunstancia do abandono e omissão do Estado, deixa as fronteiras muito vulneráveis
sob o controle do narcotráfico, transformando os índios brasileiros em reféns dos
coronéis do pó fragilizando, dessa feita, as instituições democráticas e ampliando sua influência juntos aos
políticos regionais. Em outras palavras, a região é comparada a um barril de
pólvora a explodira a qualquer momento.
Daniel
Camargos (*)
Benjamin Constant (AM), Tabatinga (AM) e São Miguel do Iguaçu (PR) — Índios paraguaios, colombianos e peruanos não preenchem um requisito básico para receber o principal programa social do governo, o Bolsa Família: ser brasileiro. Mas, diante da frágil estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai), burlam a legislação e se nacionalizam rapidamente, ficando aptos a ganhar o benefício mensal. O Correio Braziliense/Estado de Minas percorreram aldeias nas fronteiras das regiões Sul e Norte do Brasil e detalham como funciona a fraude. A nacionalização — que, além do recebimento do Bolsa Família, almeja a aposentadoria especial para trabalhador rural e o auxílio-maternidade — é possível graças ao Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani), uma Certidão de Nascimento especial para os índios. No documento, reconhecido por um funcionário da Funai e assinado por duas testemunhas — quase sempre indígenas da aldeia em que o estrangeiro chega —, fica registrado que o migrante nasceu em território brasileiro.
Com o Rani em mãos, o índio
estrangeiro vai ao cartório de registro civil e consegue a Certidão de
Nascimento tradicional. A partir daí, todos os documentos se tornam possíveis:
Carteira de Identidade, CPF e título de eleitor. A maneira convencional de
nacionalização exige que o índio more no país por pelo menos cinco anos e uma
série de documentos que provem o vínculo com o Brasil.
Na aldeia Bom Caminho, em
Benjamin Constant, no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru e a
Colômbia, 20 famílias de índios peruanos e colombianos integram a comunidade
com pouco mais de 800 índios Ticunas. O cacique Américo Ferreira detalha como
os índios passam a receber os benefícios: “Tiramos o documento (Rani) dos pais
primeiro e, depois, os dos filhos”.
A família do casal peruano Ortega
Pereira Torres e Jurandina Parente Adan está entre os beneficiados. Jurandina
diz que os R$ 166 do Bolsa Família são fundamentais para a sobrevivência. O
casal tem seis filhos e, sem o dinheiro dado pelo governo brasileiro, não
poderia comprar itens de sobrevivência. O rápido processo de nacionalização foi
conseguido graças ao Rani forjado.
No sul do Brasil, na aldeia Ocoy
(PR), a realidade não é diferente. O cacique Daniel Maraka Lopes diz que quase
a metade do habitantes é do Paraguai. Mas a origem não impede que os
estrangeiros recebam o benefício. “Quem não tem o documento brasileiro está
fazendo de tudo para conseguir”, conta. É o caso de Eugênio Ocampo e Silvina
Benitez. Com seis filhos, eles recebem mensalmente R$ 230 do Bolsa Família.
Desde que saíram do Paraguai, vivem em uma casa simples na fronteira com o país
natal. Ambos falam muito pouco o português, se comunicam em guarani.
Sem solução: As esferas
públicas envolvidas com a questão indígena nas regiões de fronteira conhecem o
golpe, mas alegam ter dificuldade para combatê-lo. O coordenador de proteção
social da Funai, Francisco Oliveira de Souza, tenta minimizar as fraudes
dizendo que o critério da etnia é feito pelo reconhecimento dos pares. “Se há
desvio, é com a conivência dos indígenas da comunidade”, acusa. Souza faz uma
digressão histórica e explica que o fato de um indígena nascer em um país
vizinho não é relevante para a etnia. “Os limites internacionais foram marcados
pelos brancos”, ressalta. Além disso, segundo ele, muitos índios não sabem
precisar em qual lado da fronteira estão. A Funai estuda uma forma de diminuir
as fraudes, mesmo não considerando o golpe abrangente. “Queremos formar um
banco de dados com todos os registros indígenas.”
Em nota, o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) informa que “se o cidadão está
documentado como residente no território nacional e preenche todos os
requisitos para ser incluído no Cadastro Único e sendo a documentação
autêntica, o gestor municipal não pode negar o cadastramento e o MDS não pode
impedir que ele seja selecionado como beneficiário do Bolsa Família”.
Responsável pelo cartório do
segundo ofício de Tabatinga e pelo de primeiro ofício de Benjamin Constant,
Abdias Pereira de Oliveira explica que os índios fraudadores alegam falar
somente a língua do seu povo — no caso, a ticuna — e contam com um tradutor,
que atua sabendo do golpe, para conversar com o tabelião. “O Brasil tem tudo:
saúde, educação, aposentadoria e um monte de benefício. Por isso, eles ficam
tentando se passar por brasileiros. Quando percebo, não faço a certidão e levo
o caso para a Justiça”, explica. Recentemente, o cartório fez uma campanha de
registro e expediu a documentação para 1,5 mil índios. “Visitei 19 comunidades
afastadas e vi apenas um posto da Funai. Não tem como o funcionário do cartório
conhecer tudo. O registro é feito na base da palavra”, detalha o tabelião. Em
Tabatinga, mais de 2 mil índios recebem o Bolsa Família, o que corresponde a
quase metade dos beneficiados na cidade: 4.148.
Professor da Universidade
Estadual do Amazonas, Sebastião Rocha de Souza percebe modificações com o
aumento dos benefícios para os índios. “Eles começaram a exercer a cidadania,
mas também adquiriram o vício de ficar esperando a ajuda chegar”, pondera. De
acordo com ele, índios deixaram de pescar, fazer artesanato e até de se dedicar
à agricultura, contando exclusivamente com o amparo do governo. “Muitas
passaram a fazer questão de engravidar para conseguir o dinheiro do
auxílio-maternidade”, lamenta o educador.
Inquéritos na PF: O delegado da Polícia Federal de Tabatinga, Gustavo Pivoto, entende que falta um controle maior dos órgãos do governo federal, principalmente da Funai. Na delegacia regional, existem diversos inquéritos que investigam falsificações de documentos realizadas pelos índios da região, segundo ele. “Tem indígena responsável pelo cadastro que quer se eximir da responsabilidade”, lamenta.
Inquéritos na PF: O delegado da Polícia Federal de Tabatinga, Gustavo Pivoto, entende que falta um controle maior dos órgãos do governo federal, principalmente da Funai. Na delegacia regional, existem diversos inquéritos que investigam falsificações de documentos realizadas pelos índios da região, segundo ele. “Tem indígena responsável pelo cadastro que quer se eximir da responsabilidade”, lamenta.
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Sapatos, cadernos e drogas: Creuza
Santiago Jaguari está grávida do nono filho. O marido dela, Reginaldo Guilherme
Cordeiro, faz planos do que comprar com os seis meses de salário mínimo
referentes ao auxílio-maternidade. “Um computador para ajudar os meninos na
escola”, vislumbra. Com o dinheiro que recebeu dos outros filhos, ele já
adquiriu um motor de barco e um freezer. O mais novo dos meninos do casal tem
dois anos e o mais velho, 17. A família recebe R$ 231 de Bolsa Família
mensalmente. “Compro lápis, caderno, borracha e, quando sobra um pouco, uso
para comprar comida”, afirma Creuza.
São índios Ticunas e moram na aldeia de Umariaçu, em Tabatinga (AM). Com quase 6 mil habitantes, o local é semelhante a um bairro humilde de uma cidade grande, com casas de alvenaria sem acabamento que se juntam a outras de madeira. O trânsito frequente de motocicletas e até residências funcionando como lan houses mostram que mudou muito o cotidiano dos índios do século 21.
São índios Ticunas e moram na aldeia de Umariaçu, em Tabatinga (AM). Com quase 6 mil habitantes, o local é semelhante a um bairro humilde de uma cidade grande, com casas de alvenaria sem acabamento que se juntam a outras de madeira. O trânsito frequente de motocicletas e até residências funcionando como lan houses mostram que mudou muito o cotidiano dos índios do século 21.
No fim do mês passado, a Polícia
Federal (PF) prendeu, na aldeia, dois colombianos com diversas armas e munições
de grosso calibre. O arsenal era composto por lançador de granada, mais de uma
dezena de granadas e fuzis de fabricação belga, sendo um deles com o emblema do
Exército peruano. Havia também submetralhadora .40 e centenas de munições.
De acordo com a PF, os presos trabalhavam para o peruano Jair Ardela Michue, um dos maiores traficantes da tríplice fronteira, preso em março deste ano. Um dia depois, mais armamento foi encontrado em Belém do Solimões, outra aldeia indígena ticuna. O delegado da PF de Tabatinga, Gustavo Pivoto, afirma que o aliciamento de indígenas por organizações criminosas é intenso na região. Índios são usados para transportar drogas e armas e despistar a ação da polícia. O atrativo é sempre o mesmo: dinheiro. “O indígena está contaminado com os valores dos que não são indígenas”, avalia o professor da Universidade Estadual do Amazonas Sebastião Rocha de Souza, que faz parte da coordenação que prepara professores indígenas do Alto Solimões. (DC).
De acordo com a PF, os presos trabalhavam para o peruano Jair Ardela Michue, um dos maiores traficantes da tríplice fronteira, preso em março deste ano. Um dia depois, mais armamento foi encontrado em Belém do Solimões, outra aldeia indígena ticuna. O delegado da PF de Tabatinga, Gustavo Pivoto, afirma que o aliciamento de indígenas por organizações criminosas é intenso na região. Índios são usados para transportar drogas e armas e despistar a ação da polícia. O atrativo é sempre o mesmo: dinheiro. “O indígena está contaminado com os valores dos que não são indígenas”, avalia o professor da Universidade Estadual do Amazonas Sebastião Rocha de Souza, que faz parte da coordenação que prepara professores indígenas do Alto Solimões. (DC).
(*) É jornalista, enviado
especial do Correio Brasiliense na Região.
Fonte:http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica-brasil-economia/33,65,33,12/2011/11/06/interna_brasil,277199/indios-de-paises-vizinhos-se-nacionalizam-para-obter-beneficios-do-governo.shtml#.Us_oONI2F6M.fa
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