ÍNDIOS, BRANCOS, CABOCLOS - I
Reafirmamos que
vamos resistir, inclusive arriscando as nossas vidas, contra quaisquer ameaças,
medidas e planos que violam os nossos direitos e buscam nos extinguir, por meio
da invasão, destruição e ocupação dos nossos territórios e bens naturais, para
atender aos interesses de grandes empresas que geram grandes lucros e grandes impactos
negativos para as populaões indígenas e não indígenas locais.
In: Declaração do
Encontro de Lideranças do Movimento Indígenas Morogitá Kagwabiwa (Humaitá, 20 a
23 de outubro de 2013), em defesa dos Direitos Garantidos na Constituição
Federal.
Osíris Silva (*)
Os
conflitos entre brancos e índios, no Amazonas, mal começaram. Trata-se de mais
uma tragédia anunciada. A franja Sul do território amazonense já configura
técnica e politicamente nova fronteira
agrícola do Brasil. Santo Antonio do Matupi - Km 180, da BR 230 (Transamazônica) -,
distrito de Humaitá, assim como o município de Apuí, são polos agropecuários em
ascensão. Também vêm encerrando fortes conflitos entre indígenas e colonos. A
morte do cacique Ivan Tenharim, assim como o desaparecimento de três homens
brancos não constituem fatos isolados, que fique bem claro. O principal líder da comunidade, o produtor rural Nardélio
Delmiro Gomes, 47, foi assassinado a tiros em Humaitá em novembro de 2012. Tais confrontos,
contudo, não têm se prestado à sinalização de suficientes indícios de perigo ao
governo. Os embates continuam. As ocupações de terras também. Um processo, a
depender de precedentes históricos a essa altura irreversível.
Os fatos são contundentes. A Amazônia, efetivamente,
só recebeu atenção especial do governo brasileiro quando do regime militar
(1964-1985). Nesse período foram instituídas a SUDAM, a Zona Franca de Manaus,
reestruturado o Banco da Amazônia e levados a cabo projetos de infraestrutura,
telecomunicações e de colonização. Transamazônica e a Perimetral Norte, obras
embora inconclusas, mudaram de vez a conformação geopolítica amazônica e do Brasil.
A região, no período, viveu momentos de fortes expectativas, ao passo que hoje
predominam o distanciamento e ausência de ações governamentais. Desmatamento
florestal, novo ritmo de expansão desordenada da fronteira agropecuária e
conflitos étnicos decorrentes não são causa, mas efeito desse estado de omissão
oficial. O que vem se passando no Sul do Amazonas é apenas mais uma etapa desse processo.
A cosmologia amazônica, no tocante à
questão indígena induz a conclusões preocupantes e decepcionantes em decorrência
da ausência de política governamental consistente voltada ao segmento. Mais
ainda, associada à ineficácia da política agrária, transformou o trato com
problema tão delicado e de tamanha magnitude uma peça praticamente ficcional.
Do ponto de vista antropológico, observa-se, em relação ao estrato indígena da população brasileira nítida tentativa de transformar o índio num ser quase que folclórico, mítico,
lendário, não humano como qualquer um de nós, ditos os verdadeiros brasileiros.
Assim, para o governo e a sociedade, índio é índio, branco é branco, e,
particularmente no setentrião norte do país, caboclo é caboclo. Como que se
nada indicasse que são, efetivamente, não fantásticas criaturas ou entidades
sobrenaturais, mas, ao contrário, tão gente quanto qualquer habitante do nosso
território. E que estabelece, no dizer de Mário Ypiranga Monteiro, uma
identidade contextualizada no tempo e no espaço e representada pela gama
multifacetada de regiões culturais que compõem o Brasil.
Os índios configuram os habitantes primitivos desde muito antes de
Pindorama e Terra de Santa Cruz, depois
Brasil. Como outros povos, habitaram matas, rios, cerros, montanhas e
vales, planícies, planaltos, o mundo. Há de se questionar, então: em que medida
a população indígena recebeu ou recebe tratamento adequado à sua condição? Na
mesma linha de raciocínio, deve-se igualmente indagar: quais os termos de
tratamento humanitário, social, cultural, econômico dispensados ao caboclo, o
homem da floresta? Há diferença formal entre um e outro? Ao que entendo,
antropológica e tecnicamente, sim, pode-se admitir. Contudo, enquanto o índio
goza de status diferenciado, imputabilidade, o caboclo, guardião primeiro de
nossas fronteiras, vive abandonado e entregue à própria sorte espalhado pelos
rincões brasileiros. O quadro é
insustentável sob qualquer ângulo analítico.
(*) É economista e articulista de a Crítica, publicação autorizada pelo autor.
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