Índios, brancos, caboclos – III
Osíris Silva (*)
A
omissão consolidada sobre a questão indígena e os
povos interioranos leva a inferir, só pode levar a inferir que seja decorrente
de pura inépcia administrativa e visão histórica distorcida da realidade do
país. Deve-se então presumir que, em virtude desse distanciamento massacres
étnicos ocorrem com aprovação tácita do próprio governo federal. O lapso formal
estende-se ao caboclo que vegeta nas calhas dos rios, vales, planícies, nos
grandes sertões veredas da Amazônia, do Centro Oeste e do Nordeste.
O mais estranho é que OAB,
Universidade, centros de pesquisas, o movimento estudantil, partidos políticos,
especialmente os autointitulados de esquerda, historicamente de vanguarda, hoje
se omitem ante o quadro. São raras iniciativas visando soluções indicativas de
políticas públicas capazes de conter o verdadeiro massacre humano que ainda se
perpetra, em pleno século XXI, contra esses povos. Há exceções, certamente.
Algumas organizações insurgem-se contra
essa triste realidade, num processo
lastimavelmente solitário e ignorado pela sociedade.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), há cerca de 735 mil pessoas consideradas indígenas no
país. A Fundação Nacional do Índio (Funai), entretanto, dá conta de apenas 358 mil, pois considera índio apenas habitantes de reservas. A Constituição de 1988
reconhece e garante aos povos indígenas
identidade cultural própria e diferenciada (organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições). A eles está assegurado o direito de permanecerem
como índios, além de explicitar como direito originário (que antecede a criação
do estado) o usufruto das terras que tradicionalmente ocupam. O Estatuto do Índio - lei 6.001, de 1973 -, por outro lado, dispõe,
via Funai, sobre as relações do estado e da sociedade com os povos indígenas, considerados "relativamente capazes".
Conforme estudos da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora
aposentada da Unicamp, o Canadá criou, em dezembro de 1991, um território
semiautônomo esquimó (ou inuit) em torno de 2 milhões de km2 em área contínua (cerca de 20% do território
total do país). A reserva equivale à extensão territorial dos estados do
Amazonas, Amapá, Acre e Roraima juntos, com 17,5 mil habitantes. Em 1/6 do
território, os inuit têm controle absoluto das riquezas naturais e autogoverno.
Nos outros 5/6, recebem 5% sobre a exploração de riquezas naturais. Trata-se de
território contínuo que sozinho totaliza mais do dobro de todas as áreas
indígenas brasileiras.
No ensaio “O Vaivém da
Política Indigenista” (julho de 2009), Jace Weaver, diretor do Institute of
Native American Studies (Inas), The University of Georgia, Usa, demonstra que
as terras das reservas nos Estados Unidos foram mantidas pelo governo federal
em sistema comunal e de fideicomisso com os índios que lá viviam. O loteamento levou à perda de 65% das
terras indígenas devido principalmente às políticas de término e de
remanejamento.
Durante a presidência de Franklin
Roosevelt (1933-1945) foi instituído o New Deal dos índios por meio da Lei de
Reorganização Indígena (IRA), de 1934. Essa lei incentivou as tribos a
escreverem constituições e se autogovernarem, embora sujeitas à supervisão do
Bureau de Assuntos Indígenas; igualmente encerrou a política de loteamento e
legalizou a prática de religiões indígenas tradicionais (que haviam sido
criminalizadas durante o período das reservas).
Nos últimos 40 anos, as nações indígenas
vêm assumindo controle cada vez maior de seu destino, governando a si próprias
e a seus cidadãos. Graças à Suprema Corte do país, exploração madeireira, de
petróleo e do jogo vêm sendo praticada em terras indígenas soberanas, hoje
economicamente independentes.
Mais de 70%
dos índios americanos contemporaneamente
vivem fora de reservas.
(*) É economista e
articulista de a Crítica.
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