domingo, 26 de janeiro de 2014

Índios, brancos, caboclos – III



Osíris Silva (*)

A omissão consolidada sobre a questão indígena e os povos interioranos leva a inferir, só pode levar a inferir que seja decorrente de pura inépcia administrativa e visão histórica distorcida da realidade do país. Deve-se então presumir que, em virtude desse distanciamento massacres étnicos ocorrem com aprovação tácita do próprio governo federal. O lapso formal estende-se ao caboclo que vegeta nas calhas dos rios, vales, planícies, nos grandes sertões veredas da Amazônia, do Centro Oeste e do Nordeste.

O mais estranho é que OAB, Universidade, centros de pesquisas, o movimento estudantil, partidos políticos, especialmente os autointitulados de esquerda, historicamente de vanguarda, hoje se omitem ante o quadro. São raras iniciativas visando soluções indicativas de políticas públicas capazes de conter o verdadeiro massacre humano que ainda se perpetra, em pleno século XXI, contra esses povos. Há exceções, certamente. Algumas organizações  insurgem-se contra essa triste realidade,  num processo lastimavelmente solitário e ignorado pela sociedade.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há cerca de 735 mil pessoas consideradas indígenas no país. A Fundação Nacional do Índio (Funai), entretanto, dá conta de apenas 358 mil,  pois considera  índio apenas habitantes de reservas. A Constituição de 1988 reconhece e garante aos povos indígenas identidade cultural própria e diferenciada (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições). A eles está assegurado o direito de permanecerem como índios, além de explicitar como direito originário (que antecede a criação do estado) o usufruto das terras que tradicionalmente ocupam. O Estatuto do Índio - lei 6.001, de 1973 -, por outro lado, dispõe, via Funai, sobre as relações do estado e da sociedade com os povos indígenas, considerados "relativamente capazes".

Conforme estudos da antropóloga  Manuela Carneiro da Cunha, professora aposentada da Unicamp, o Canadá criou, em dezembro de 1991, um território semiautônomo esquimó (ou inuit) em torno de 2 milhões de km2  em área contínua (cerca de 20% do território total do país). A reserva equivale à extensão territorial dos estados do Amazonas, Amapá, Acre e Roraima juntos, com 17,5 mil habitantes. Em 1/6 do território, os inuit têm controle absoluto das riquezas naturais e autogoverno. Nos outros 5/6, recebem 5% sobre a exploração de riquezas naturais. Trata-se de território contínuo que sozinho totaliza mais do dobro de todas as áreas indígenas brasileiras. 
No ensaio “O Vaivém da Política Indigenista” (julho de 2009), Jace Weaver, diretor do Institute of Native American Studies (Inas), The University of Georgia, Usa, demonstra que as terras das reservas nos Estados Unidos foram mantidas pelo governo federal em sistema comunal e de fideicomisso com os índios que lá viviam. O loteamento levou à perda de 65% das terras indígenas devido principalmente às políticas de término e de remanejamento.

Durante a presidência de Franklin Roosevelt (1933-1945) foi instituído o New Deal dos índios por meio da Lei de Reorganização Indígena (IRA), de 1934. Essa lei incentivou as tribos a escreverem constituições e se autogovernarem, embora sujeitas à supervisão do Bureau de Assuntos Indígenas; igualmente encerrou a política de loteamento e legalizou a prática de religiões indígenas tradicionais (que haviam sido criminalizadas durante o período das reservas).

Nos últimos 40 anos, as nações indígenas vêm assumindo controle cada vez maior de seu destino, governando a si próprias e a seus cidadãos. Graças à Suprema Corte do país, exploração madeireira, de petróleo e do jogo vêm sendo praticada em terras indígenas soberanas, hoje economicamente independentes.
Mais de 70% dos índios americanos  contemporaneamente vivem fora de reservas.

(*) É economista e articulista de a Crítica.

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