sábado, 18 de janeiro de 2014

Índios, brancos, caboclos  –  II



As forças de Estado se concentraram ao sul do Amazonas, no município de Humaitá, em atenção à situação de conflito vivido pelos Tenharim. No entanto, os agentes públicos reduziram o fato a caso de polícia sem responder efetivamente as demandas dos povos indígenas que habitam a região quanto à saúde, educação, meio ambiente, segurança alimentar, gestão da política indigenista, enfim a elaboração de um Programa de Etnodesenvolvimento que garanta a integridade física desses povos, bem como o respeito e valorização de suas culturas. Pelo nada consta conclui-se que no Brasil, índio bom é índio morto.

Osíris Silva (*)


Violências contra índios e caboclos ocorrem no Brasil em escala assustadora não é de hoje. No período pós-colonização, século XVI, e mais recentemente, final do século XIX e início do XX, com consentimento expresso da própria sociedade, ressalte-se, índio era morto a tiro como bicho pelos desbravadores do Centro Oeste e da Amazônia. Aqui especialmente no período áureo da borracha. Homens como Rondon e os irmãos Villas Boas desempenharam papel seminal para a mudança da fúria exterminadora prevalente. O Brasil, entretanto, não foi capaz até hoje de desenvolver ações objetivas capazes, na forma e intensidade, de assegurar meios de subsistência adequados a esses povos. Ao que se presume, tem sido mais conveniente, eleitoralmente, conceder bolsas família e floresta. Eficazes instrumentos de manutenção de  massas de desvalidos subjugadas a rações alimentícias oficiais, mas não de desenvolver políticas públicas que promovam soluções definitivas de longo prazo.

A questão indígena exerce especial encantamento junto à intelectualidade e à Academia. Quase nada de prático, todavia, resulta desse processo de enlevo naturalista. Crianças e adultos morrem de doenças e fome no Mato Grosso, no Nordeste e na Amazônia. A principal fonte alimentar de Ticunas e caboclos no Alto Solimões é frango congelado e cachaça, transportados de Manaus em enormes quantidades mensalmente. A produção de alimentos ali, como nas demais bacias hidrográficas é praticamente inexistente.

A Crítica de quarta-feira (8), publicou  matéria da jornalista Mariana Lina na qual descreve o calvário do índio Ticuna Cristovão Pinto, Presidente da Associação Comunitária Indígena de Umariaçu II, zona rural de Tabatinga. O líder perdera-se nos corredores burocráticos da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) em busca de assistência médica e remédios para sua comunidade,  e sua esposa, em particular. Aleam? E porque não junto à Secretaria Especial de Saúde  Indígena (Sesai), ou à Funai? Ou ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Mds) ou à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)?  Se este fato não denota  estado de perdimento do governo em relação à causa indígena, do que então se trata?

Índios Krikati, Guajajara e Krenyê bloqueiam, desde domingo passado, 5, trecho da Rodovia MA-280, entre as cidades de Montes Altos, Imperatriz e Sítio Novo. Os índios pedem melhorias no atendimento à saúde, educação, além de compensações pela instalação de torres de alta tensão nas reservas (chegaram a derrubar duas delas). A rodovia é usada para transporte de produtos que abastecem cidades da região. Mas os protestos são praticamente inúteis.                          

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo da semana passada (8), comitiva de índios de aldeias no sul do Amazonas informou ao comandante militar da Amazônia, Eduardo Villas Bôas, “que vão reabrir em 1.º de fevereiro os pedágios na Transamazônica (BR-320), em Humaitá. Isto a despeito da ameaça de novo ataque dos moradores da cidade que, em 26 de dezembro de 2013, atearam fogo a postos instalados na reserva Terra Indígenas Tenharim Marmelos como reação ao desaparecimento de três homens na reserva desde 16 de dezembro.

Ante a argumentação de ilegalidade do pedágio, os indígenas mantiveram-se intransigentes, informa o Estadão. Segundo eles ilegal é também as atividades dos "flanelinhas" nas cidades e que o pedágio é a principal fonte de renda das aldeias. "Não podemos caçar, plantar, nem cortar pau para fazer artesanato, pois o Ibama não deixa", afirmou Zelito Tenharim ao Estadão. Os índios se consideram abandonados pelo Executivo. A questão, a partir desses fatos, torna-se principalmente econômica, por transcender o âmbito social, etnográfico e antropológico. A esse nível, só pulso forte e decisão política podem resolver.

(*) É economista e articulista do jornal a Crítica.

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