Breno Rodrigo de Messias Leite*
A teoria da separação dos poderes, talvez, seja um dos pontos mais conhecidos da interpretação política de Montesquieu. Após desenvolver uma revisão profunda das três formas de governo (república, monarquia e despotismo) que se apresentaram na história das civilizações, o autor introduz os princípios de uma inovação político-institucional significativa que se fará presente nas revoluções liberais do século XVIII e XIX: o princípio da separação dos poderes.
De acordo com seu modelo, os poderes deveriam ser separados em três estratos distintos:
a) O Poder Executivo é a realização do governo em sentido lato; a representações política de um chefe político instituído de poderes políticos e administrativos capazes de executar as ações governamentais, sendo que muitas delas são “momentâneas” na atividade política;
b) O Poder Legislativo designa a forma de se conduzir a construção de leis universais; também tem a função de representar frações da nobreza e da burguesia através das vontades da maioria e da minoria que fossem instituídas de representatividade política; é a representação máxima do “povo” capaz de fazer um contraponto ao poder de um homem só;
c) O Poder Judiciário “julga os crimes e pune as querelas dos indivíduos”, e por esta razão deve ser um poder “invisível e nulo” no sentido de não ser representativo de um só ou de muitos; busca a eqüidade na dinâmica entre os poderes executivo e legislativo, uma vez que não é o poder dos homens como o executivo e o legislativo, e sim um poder das leis; controla a legalidade e a constitucionalidade das leis produzidas no legislativo; cabe ao poder judiciário concretizar ou não, de acordo com as leis fixas e estabelecidas, o que é bom ou prejudicial ao bem comum de todos. Montesquieu afirma que os “juízes (são) a boca que pronuncia as sentenças das leis, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor”.
Ao desenvolver seu comentário sobre a Constituição da Inglaterra, livro XI, (Do Espírito das Leis), Montesquieu expôs os principais motivos para a existência de um arranjo institucional preparado para combinar participação política e eficiência governativa: “Há em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das coisas que dependem do direito civil. O primeiro, o príncipe ou magistrados faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz na paz ou na guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamemos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do estado”.
Com este princípio, Montesquieu introduz os fundamentos do liberalismo político moderno, que pretende assegurar a primazia da lei e a participação civil nos espaços de decisão pública, quer dizer: a participação nos “três poderes”. Não se trata mais de se submeter a um único poder absoluto (Hobbes e Bodin), pois é possível criar mecanismos institucionais para o exercício de um governo equânime na participação e eficiente na decisão pública.
Porém, a lógica da separação dos poderes não funciona estritamente sob a ótica dos mecanismos de checks and balance entre os poderes executivo e legislativo. O próprio Montesquieu admite certa preponderância do poder executivo em relação ao legislativo. De fato, o poder executivo funciona como uma força ativa, que precisa tomar decisões públicas imediatas e rápidas nas mais diversas situações. O poder executivo deve ter uma relativa liberdade para movimentar as ações governamentais sem necessariamente passar pela discussão do poder legislativo, cuja função é eminentemente passiva. Segundo Montesquieu, “O poder executivo deve permanecer nas mãos de um monarca porque esta parte do governo, que quase sempre tem necessidade de uma ação momentânea, é mais bem administrada por um do que por muitos”.
Montesquieu avança a discussão no sentido de apontar a preponderância do poder executivo na própria arena do poder legislativo, sugerindo assim a emergência e consolidação dos poderes legislativos do executivo, fato que numa teoria pura da separação dos poderes, desprovida de senso de realidade, torna-se inviável. “Se o poder executivo não tem o direito de vetar os empreendimentos do corpo legislativo, este último seria despótico porque, como pode atribuir a si próprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos os demais poderes”. Dessa forma, o poder executivo pode participar da legislação por meio do direito de “veto”, sem ser limitado de suas prerrogativas institucionais no legislativo. Certamente, este argumento de Montesquieu é uma observação dialógica ao princípio lockeano da separação dos poderes.
Para John Locke, a separação dos poderes responderia a possibilidade da emergência de um poder legislativo forte, que fosse capaz de ser uma arena representativa dos proprietários (nobreza e burguesia), através das leis fixas, contra a tirania de um monarca. Contanto uma ressalva é importante nesta reflexão comumente atribuída ao liberalismo de Locke. Para o autor de o Segundo Tratado sobre o Governo dever-se-ia, antes de tudo evitar o dualismo de poderes que resultaria em paralisia de decisão e violência política generalizada. Desta forma, “Embora, conforme disse, os poderes executivo e federativo de qualquer comunidade sejam distintos em si, dificilmente podem separar-se e colocar-se ao mesmo tempo em mãos de pessoas distintas; visto como ambos exigindo a força da sociedade para seu exercício, é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas, ou os poderes executivo e federativo em pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força do público ficaria sob comandos diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e ruína” (: 92).
Montesquieu utilizou deste mecanismo – a lógica da separação dos poderes – para garantir as liberdades dos homens em todos os seus aspectos. E determinar arranjos institucionais do poder legislativo que assegurassem a produção de leis eficientes, o que proporcionaria uma autonomia relativa às atitudes do poder executivo. Desta forma, a conseqüência prática do princípio da separação dos poderes garante a liberdade política aos homens respeitando os seus direitos fundamentais, o que possibilita o exercício da liberdade filosófica e existencial.
A leitura do liberalismo político de Montesquieu permite que se desenvolva e se aperfeiçoe as noções de liberdade cívica, constitucional e política – os princípios seculares da cidadania no ocidente. Na sua visão, o melhor modelo de amadurecimento político encontra-se no sistema político e constitucional inglês, principalmente no modelo constitucional inglês. Na condição de investigador, Montesquieu viajou e constatou in loco a situação da Constituição Inglesa, apontou suas virtudes e funcionalidade política, que propiciava a eficiência do poder executivo que toma decisões políticas, e do poder legislativo que formula leis boas e representa parcela significativa da população.
Talvez o maior legado da construção teórica do liberalismo político desenvolvido em Do Espírito das Leis foi o princípio da separação dos três poderes, hoje aperfeiçoada e modernizada pelas abordagens constitucionalistas advindas das revoluções liberais ocorridas nos Estados Unidos (1777), na França Republicana (1789), posteriormente da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e nas inovações constitucionais kelsenianas do pós-guerra de 1945.
Outro componente importante na explicação de Montesquieu, e que está associada ao princípio da separação dos poderes, diz respeito à questão da liberdade. Pode-se dizer, neste aspecto, que as idéias de Montesquieu estão intrinsecamente vinculadas a construção filosófica dos gregos. Ele distingue a liberdade em dois aspectos: a liberdade do ponto de vista filosófico consiste em ter o pleno “exercício da vontade”, da opinião, da liberdade das idéias. E do ponto de vista político, cumpre tomá-la com respeito ao cidadão e a sua segurança; na liberdade política, o cidadão deve ter como princípio, para assegurar a sua liberdade na representação pública e na vida em sociedade.
Desta forma, o princípio do liberalismo político de Montesquieu deve ter como horizonte a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que sejam capazes de assegurar as liberdades dos homens e dos cidadãos. Por um lado, o homem enquanto ser social deve estar livre de constrangimentos éticos e religiosos que aprisionam sua subjetividade componente fundamental da emancipação do homem inspirado pela razão iluminista. Por outro lado, o cidadão é o elemento que sustenta a existência da liberdade pública e dá sentido à separação dos poderes. Montesquieu já desenvolve uma interpretação integrada do princípio da liberdade das idéias e da liberdade pública.
De acordo com seu modelo, os poderes deveriam ser separados em três estratos distintos:
a) O Poder Executivo é a realização do governo em sentido lato; a representações política de um chefe político instituído de poderes políticos e administrativos capazes de executar as ações governamentais, sendo que muitas delas são “momentâneas” na atividade política;
b) O Poder Legislativo designa a forma de se conduzir a construção de leis universais; também tem a função de representar frações da nobreza e da burguesia através das vontades da maioria e da minoria que fossem instituídas de representatividade política; é a representação máxima do “povo” capaz de fazer um contraponto ao poder de um homem só;
c) O Poder Judiciário “julga os crimes e pune as querelas dos indivíduos”, e por esta razão deve ser um poder “invisível e nulo” no sentido de não ser representativo de um só ou de muitos; busca a eqüidade na dinâmica entre os poderes executivo e legislativo, uma vez que não é o poder dos homens como o executivo e o legislativo, e sim um poder das leis; controla a legalidade e a constitucionalidade das leis produzidas no legislativo; cabe ao poder judiciário concretizar ou não, de acordo com as leis fixas e estabelecidas, o que é bom ou prejudicial ao bem comum de todos. Montesquieu afirma que os “juízes (são) a boca que pronuncia as sentenças das leis, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor”.
Ao desenvolver seu comentário sobre a Constituição da Inglaterra, livro XI, (Do Espírito das Leis), Montesquieu expôs os principais motivos para a existência de um arranjo institucional preparado para combinar participação política e eficiência governativa: “Há em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das coisas que dependem do direito civil. O primeiro, o príncipe ou magistrados faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz na paz ou na guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamemos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do estado”.
Com este princípio, Montesquieu introduz os fundamentos do liberalismo político moderno, que pretende assegurar a primazia da lei e a participação civil nos espaços de decisão pública, quer dizer: a participação nos “três poderes”. Não se trata mais de se submeter a um único poder absoluto (Hobbes e Bodin), pois é possível criar mecanismos institucionais para o exercício de um governo equânime na participação e eficiente na decisão pública.
Porém, a lógica da separação dos poderes não funciona estritamente sob a ótica dos mecanismos de checks and balance entre os poderes executivo e legislativo. O próprio Montesquieu admite certa preponderância do poder executivo em relação ao legislativo. De fato, o poder executivo funciona como uma força ativa, que precisa tomar decisões públicas imediatas e rápidas nas mais diversas situações. O poder executivo deve ter uma relativa liberdade para movimentar as ações governamentais sem necessariamente passar pela discussão do poder legislativo, cuja função é eminentemente passiva. Segundo Montesquieu, “O poder executivo deve permanecer nas mãos de um monarca porque esta parte do governo, que quase sempre tem necessidade de uma ação momentânea, é mais bem administrada por um do que por muitos”.
Montesquieu avança a discussão no sentido de apontar a preponderância do poder executivo na própria arena do poder legislativo, sugerindo assim a emergência e consolidação dos poderes legislativos do executivo, fato que numa teoria pura da separação dos poderes, desprovida de senso de realidade, torna-se inviável. “Se o poder executivo não tem o direito de vetar os empreendimentos do corpo legislativo, este último seria despótico porque, como pode atribuir a si próprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos os demais poderes”. Dessa forma, o poder executivo pode participar da legislação por meio do direito de “veto”, sem ser limitado de suas prerrogativas institucionais no legislativo. Certamente, este argumento de Montesquieu é uma observação dialógica ao princípio lockeano da separação dos poderes.
Para John Locke, a separação dos poderes responderia a possibilidade da emergência de um poder legislativo forte, que fosse capaz de ser uma arena representativa dos proprietários (nobreza e burguesia), através das leis fixas, contra a tirania de um monarca. Contanto uma ressalva é importante nesta reflexão comumente atribuída ao liberalismo de Locke. Para o autor de o Segundo Tratado sobre o Governo dever-se-ia, antes de tudo evitar o dualismo de poderes que resultaria em paralisia de decisão e violência política generalizada. Desta forma, “Embora, conforme disse, os poderes executivo e federativo de qualquer comunidade sejam distintos em si, dificilmente podem separar-se e colocar-se ao mesmo tempo em mãos de pessoas distintas; visto como ambos exigindo a força da sociedade para seu exercício, é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas, ou os poderes executivo e federativo em pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força do público ficaria sob comandos diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e ruína” (: 92).
Montesquieu utilizou deste mecanismo – a lógica da separação dos poderes – para garantir as liberdades dos homens em todos os seus aspectos. E determinar arranjos institucionais do poder legislativo que assegurassem a produção de leis eficientes, o que proporcionaria uma autonomia relativa às atitudes do poder executivo. Desta forma, a conseqüência prática do princípio da separação dos poderes garante a liberdade política aos homens respeitando os seus direitos fundamentais, o que possibilita o exercício da liberdade filosófica e existencial.
A leitura do liberalismo político de Montesquieu permite que se desenvolva e se aperfeiçoe as noções de liberdade cívica, constitucional e política – os princípios seculares da cidadania no ocidente. Na sua visão, o melhor modelo de amadurecimento político encontra-se no sistema político e constitucional inglês, principalmente no modelo constitucional inglês. Na condição de investigador, Montesquieu viajou e constatou in loco a situação da Constituição Inglesa, apontou suas virtudes e funcionalidade política, que propiciava a eficiência do poder executivo que toma decisões políticas, e do poder legislativo que formula leis boas e representa parcela significativa da população.
Talvez o maior legado da construção teórica do liberalismo político desenvolvido em Do Espírito das Leis foi o princípio da separação dos três poderes, hoje aperfeiçoada e modernizada pelas abordagens constitucionalistas advindas das revoluções liberais ocorridas nos Estados Unidos (1777), na França Republicana (1789), posteriormente da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e nas inovações constitucionais kelsenianas do pós-guerra de 1945.
Outro componente importante na explicação de Montesquieu, e que está associada ao princípio da separação dos poderes, diz respeito à questão da liberdade. Pode-se dizer, neste aspecto, que as idéias de Montesquieu estão intrinsecamente vinculadas a construção filosófica dos gregos. Ele distingue a liberdade em dois aspectos: a liberdade do ponto de vista filosófico consiste em ter o pleno “exercício da vontade”, da opinião, da liberdade das idéias. E do ponto de vista político, cumpre tomá-la com respeito ao cidadão e a sua segurança; na liberdade política, o cidadão deve ter como princípio, para assegurar a sua liberdade na representação pública e na vida em sociedade.
Desta forma, o princípio do liberalismo político de Montesquieu deve ter como horizonte a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que sejam capazes de assegurar as liberdades dos homens e dos cidadãos. Por um lado, o homem enquanto ser social deve estar livre de constrangimentos éticos e religiosos que aprisionam sua subjetividade componente fundamental da emancipação do homem inspirado pela razão iluminista. Por outro lado, o cidadão é o elemento que sustenta a existência da liberdade pública e dá sentido à separação dos poderes. Montesquieu já desenvolve uma interpretação integrada do princípio da liberdade das idéias e da liberdade pública.
É mestrando em Ciência Política (UFPA), bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.
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