sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

CANDOMBLÉS, UMA LEITURA HISTÓRICA

Luciney Araújo (*)

A cultura religiosa africana foi desenvolvida no Brasil através do conhecimento de sacerdotes negros, que com parte de seu povo, foram capturados e escravizados juntamente com seus Deuses entre 1532 e 1888.

O tráfico escravista trouxe para o Brasil escravos de Angola, Guiné, Congo, Nigéria e Costa da Mina tendo como principal válvula de escape anular as particularidades das tribos africanas, construindo em terras brasileiras uma mistura inter-étnica, construindo novos costumes.

As primeiras nações de candomblé que surgiram na Bahia datam do século XIX, fora fundada por sacerdotes africanos – bantos, jêjês e nagôs -, na qual ensinaram ritos, tradições formas de doutrinação do corpo e da cabeça.

Ivete Miranda Pravatelli (2006), afirma que: “O candomblé se organizou em torno de nações que se originaram principalmente dos grupos sudaneses que chegaram ao Brasil através da diáspora africana” (Pravatelli, 2006; pg 05).

Luiz Nicolau Parés (2006) aponta a existência das "calunduns" em meados do século XVIII, que em um primeiro momento foram identificados como meios de designar atividades religiosas de várias índoles de origem africana.

O Candomblé ganha visibilidade somente a partir do inicio do século XX na Bahia. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, porém, até meados do século, os cultos afro-brasileiros permaneceram nas sombras, às escondidas. Eram religiões de preservação do patrimônio étnico dos descendentes dos antigos escravos. Assim foram conhecidas e analisadas por Roger Bastide (1960) que, entretanto, já observava a presença de brancos no candomblé no final da década de 1940, antecipando a transformação do candomblé e congêneres em religiões de caráter universal.

No início do século XX, enquanto os cultos africanos tradicionais eram preservados em seus nascedouros brasileiros, uma nova religião se formava no Rio de Janeiro, a Umbanda, síntese dos antigos candomblés Bantos e de caboclo transplantados da Bahia para o Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX, com o espiritismo kardecista, chegado da França no final do século XIX.

A literatura sobre o candomblé vai ganhar visibilidade no início do século XX, quando em 1914 Nina Rodrigues publica a obra "Os Africanos no Brasil". Anos mais tardes, Arthur Ramos e Edson Carneiro também vieram a estudar a cultura afro-brasileira na cidade de Salvador.

Uma observação freqüente nesses estudos é a referência sobre o candomblé de Angola, e que na maioria das vezes era posta de maneira inferior a de outras formas de candomblé. Como aponta Previtalli (2006): “Concebiam-se os negros bantos como ignorantes adoradores de lascas de pedra, imitadores da estrutura religiosa nagô, além de serem sincréticos, pois misturavam suas crenças a qualquer elemento religioso que conhecessem” (Previtalli, 2006, pg 13).

Em uma outra visão o próprio Arthur Ramos (1961) também considera que “as sobrevivências religiosas e mágicas de origens banto existiam deturpada e transformadas” (1961, pg 361), escreve em "Introdução a Antropologia Brasileira" um capitulo intitulado “Sobre os Povos Banto” (1961, pg 357), onde faz uma ressalva a Nina Rodrigues quanto ao número de casa de cultos Angola. Enquanto Carneiro (1991), apontou que os bantos “esqueceram seus próprios orixás”(1991, pg. 62).

Ruth Landes (1967) em “A Cidade das Mulheres”, fala que a diferenciação do Candomblé de Angola, dava-se pela sua legitimação como um rito independente e como forma de culto a caboclos brasileiros; afirmando que: “O candomblé angola legitimou desde cedo o culto dos caboclos brasileiros, que além de se constituir como rito independente, foi também incorporado lá pelos anos 30 e 40 do século XX por casas nagôs que não as da tríade fundante, a Casa Branca, o Gantois, o Opô Afonjá” (Landes, 1967).

Reginaldo Prandi (1991) aborda o fato das influências recebidas pelo culto Angola: “Talvez pelas influências que recebeu dos ritos jejenagôs, do qual adotou o panteão de orixás iorubanos, ainda que os chame por outros nomes que fazem parte de sua língua ritual de origem banto e hoje tão intraduzível quanto as línguas rituais do queto, do efã, dos nagôs pernambucano e gaúcho, resultantes de arcaicos dialetos iorubanos. Além da adoção do oráculo nagô, de preceitos iniciáticos e da organização ritual e hierárquica à moda queto.” (Prandi, 1991, pg 19).

O pesquisador Ornato Silva (1998), aborda que a idéia de religião dos povos bantos, não se organizou no Brasil com a mesma firmeza que o povo nagô, pois sendo povos considerados “primitivos”, sua religião era vista como mais simples, “consistindo apenas em uma espécie de feitiçaria animista”, com isso, Silva (1998) aponta que essas denominações religiosas que preservavam a cultura dos Bantos diluíram-se em meios às crenças católicas e ameríndias, preservando referências africanas em religiões sincréticas com laços europeus.

Silva (1998) aponta que pelo fato de os bantos terem como destino fazendas em regiões do interior brasileiro, esse povo esteve mais próximo do contato com outros costumes. Silva aborda que: “Os bantos por terem sido trazidos para o Brasil desde os primeiros tempos da escravidão e dispersados por todas as regiões onde havia algum tipo de trabalho rural, realizaram um intenso trabalho de intercâmbio com os índios também utilizados no trabalho escravo, com tribos independentes e com europeus degredados ou emigrados” (Silva, 1998. pg 10).

Silva (1998) indica que esses povos não ficaram limitados apenas a segregação religiosa, quando aborda que: “A cultura banto, não se limitou a ficar segregada em núcleos de atividade religiosa com feições próprias, mas combinou-se com as culturas desses outros povos” (Silva, 1998. pg 10).

Com isso, Silva (1998) aponta que o fato da segregação religiosa dos povos bantos, é reafirmado por outros pesquisadores da primeira metade do século XX, apontando que: “Assim, essa religião passou quase despercebida aos estudiosos do candomblé, ficando as atenções mais voltadas para o candomblé nagô” (Silva, 1998. pg 11).
Reginaldo Prandi (1991), ao aborda essa questão em seu livro “Os Candomblés de São Paulo” ao fazer uma análise dessa lacuna faz a leitura de que: “... o candomblé nagô pode contar, além do prestígio, com muitas fontes escritas brasileiras, além de uma etnografia produzida sobre o culto dos orixás (...) Nada semelhante existe sobre o candomblé de Angola, a não ser o ensino de quicongo oferecido na Universidade Federal da Bahia” (Prandi, 1991, pg 20).

Com isso, podemos perceber que os principais estudos etnográficos sobre candomblé, em sua maioria foram direcionados para o candomblé de ketu, esse objeto de estudo foi totalmente direcionado as três casas de culto da Bahia e direcionadas para preencherem os dados necessários de pureza africana e que em se diferenciavam com denominações religiosas de outras nações.

Prandi (1991) quando aborda essa questão entende que: “A produção etnográfica sobre estes candomblés prestigiados por sua publicidade passou também em anos recentes, a oferecer modelos legitimamente puros da religião dos orixás para aquelas casas de criação mais recente, ou de origem de memória perdida.” (Prandi, 1991 pg 17).
Um olhar detalhado sobre os candomblés no Amazonas leva a perceber uma predominância de casas de culto do candomblé de ketu e que em alguns casos exercem certo poder de legitimação africana. Mas após uma convivência com o “povo-do-santo”, surgi uma nova tendência entre as casas de candomblé, aquilo que Stuart Hall (2003) classifica como “uma proliferação subalterna da diferença”.

A antropóloga francesa Stafenia Capone (2004), que estudou a religião de matriz africana no Rio de Janeiro, em seu Livro “A Busca da África no Candomblé: tradição e poder no Brasil”, aborda o conceito de puros e degenerados, abordando que até que antes se fazia uma leitura do candomblé no Brasil a partir de pesquisas etnográficas que realizadas em três terreiros na Bahia e se via neles a encarnação da tradição africana no Brasil, e cita a ramificação da religião para outros centros do país mais com diferentes nomes como é o caso do Xangô de Pernambuco, o Batuque praticado no Rio Grande do Sul, o Tambor de Mina do estado do Maranhão e a Macumba carioca, criando á idéia de um continuo religioso abordando uma premissa de que: “As diferenças entre as nações estão instituídas mais pelos discursos dos iniciados que por uma oposição real nas práticas rituais... (...) Na verdade, mesmos os terreiros considerados mais puros não estão ao abrigo das novas influências...” (Capone, 2004. pg. 22).

Afirmando assim, que as modalidades de culto de matriz africana existentes no Brasil constituem diferentes combinações dos elementos desse continuum. Como se pode observar, a diferença entre as nações existe, e vão desde as maneiras litúrgicas, suas divindades, suas danças e isso faz com que sempre exista certa lacuna a ser respondida, conforme Hall define essa questão da diferença: “Differerance que tanto pode ser “marcar diferença” (to differ), quanto “diferir” (to deffer). O conceito se funda em estratégias de protelação, suspensão, referência, elisão, desvio, adiamento e reserva.” (Hall, 2003, pg 92).

Com isso, podemos constatar que no Candomblé existe uma preocupação em resgatar certos elementos simbólicos das nações para um fortalecimento e uma possível reaproximação com as raízes africanas, uma forma de recuperação cultural e uma redescoberta de uma tradição que fora negada durante anos por estudiosos das religiões de matriz-africana.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BASTIDE, Roger: “O candomblé da Bahia: rito nagô”. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
CAPONE, Stefania: “A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder no Brasil”. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004.
CARNEIRO, Édson: “Religiões Negras, Negros Bantos”. Editora: Civilização Brasileira, 3° Edição. Rio de Janeiro, 1991.
HALL, Stuart: “Da Diáspora – Identidades e Medições Culturais”. Org. Liv Sovik. Tradução: Adelaide la Guardia Resende, Ana Carolina Escosteguy, Cláudia Álvares, Francisco Rüdiger, Sayonara Amaral. Editora: UFMG. Belo Horizonte, 2003.
________________: “A Identidade Cultural na Pós-modernidade”. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopez Louro. 9º Edição. Editora DP&A. Rio de Janeiro, 2004.
LANDES, Ruth: “A cidade das mulheres”. Tradução de Maria Lúcia do Eirado Silva. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1967.
LIMA, Vivaldo da Costa: “Encontros de nações de candomblé da Bahia”. Bahia, Ceao – UFB – Ianamá, 1984.
________________: “A Família de Santo nos Candomblés Jejes-Nagôs da Bahia: Um Estudo de Relações Intragrupais”. Editora Currupio, 2° Edição. Salvador, 2003.
________________: “Organização do Grupo de Candomblé”. In: “Bandeira de Alairá (outros escritos sobre a religião dos Orixás)”. Org: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Editora Nobel, São Paulo, 1982.
PRANDI, Reginaldo: “Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova”. São Paulo, Hucitec, 1991.
PARÉS, Luis Nicolau: “A Formação do Candomblé: História e Ritual da Nação”. Campinas-SP, Editora da Unicamp, 2006.
PREVITALLI, Ivete Miranda: “Candomblé: Agora é Angola.” Dissertação de Mestrado defendida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 163 f. 2006.
RAMOS, Arthur: “Introdução à Antropologia Brasileira.” Obras Complementas 1° Volume 3° Ed, Editora da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro, 1961.
RODRIGUES, Nina: “Os Africanos no Brasil”. Editora UnB, Brasília; 7º Edição, 1988.

(*) É Cientista social formado pela UFAM e pesquisador do NCPAM.

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