Mario Nelson Duarte (*)
Conheço Marina Silva há mais de vinte anos - e, mesmo estando sempre em campos opostos, tive e tenho por ela o mais profundo respeito e uma imensa admiração. Neste artigo, que Marina enviou para o blog de Ricardo Noblat, em O GLOBO (16/01/2011), fica bem claro que a maior das tragédias é ignorar as advertências sobre as tragédias que vão ocorrer. Porque qualquer chefe de reportagem já apronta, em dezembro, as pautas de janeiro: "inundações e desastres ambientais". Mais ou menos como o dono do caminhão-reboque que vai para os pontos perigosos das estradas e estaciona no acostamento, pois sabe que a qualquer momento algum irresponsável vai se arrebentar ali - e virar "cliente" (póstumo). Só quem não consegue pensar assim são as nossas "otoridade".
Tragédias que se repetem
(Artigo de autoria da Senadora Marina Silva, ex-Ministra do Meio-Ambiente)
Fim de 2008, início de 2009, tragédia em Santa Catarina.
Fim de 2009, início de 2010, tragédia no Rio de Janeiro. Não bastava um episódio tão doloroso?
Não teria sido possível evitar as proporções terríveis do segundo?
O mais dramático nesses e em tantos outros casos é a repetição. Sugere inércia e uma irresponsabilidade insuportável que, passado o impacto inicial de vidas perdidas e a devastação de patrimônios tão duramente conquistados, retoma a rotina. E o discurso de que foi o excesso de chuvas a razão do desastre.
Áreas frágeis e não recomendadas para habitação continuam a ser ocupadas. Medidas preventivas permanecem sendo tomadas de maneira paliativa, com pouca verba, empenho e prioridade. Há iniciativas como o estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre as vulnerabilidades do litoral do Estado às mudanças climáticas, mas sem consequências práticas.
As pessoas atingidas continuam a depender quase que unicamente do heroísmo de bombeiros, de grupos de defesa civil, de voluntários que, não raro, aparecem nos noticiários impotentes diante da desproporção entre suas forças e a enormidade da perda e da dor.
Não sei o que se pode dizer aos familiares e amigos das vítimas das chuvas e deslizamentos, mais do que foi dito às vítimas de Santa Catarina. As catástrofes causadas pelo mortífero tripé -chuvas fortes, encostas instáveis e construção em áreas inadequadas- só mudam de lugar. O que parece não acontecer é uma intervenção no único vetor do qual temos controle: o uso e ocupação das áreas.
Sei por experiência própria o que é a perda radical, como a que acontece quando uma correnteza avassaladora invade a casa, leva as pessoas e desmonta o nosso mundo. Não há nada a fazer, a não ser tentar salvar-se e a quem esteja ao alcance da mão. Tudo tão brutal que muitas vezes nem as lágrimas acodem.
John Owen (1616-1683), pastor e teólogo, dizia que os pregadores precisam "experimentar o poder da verdade que pregam em e sobre suas próprias almas". Quem não sente a alma incomodada pelo calvário daqueles que são atingidos de maneira frontal -e, na maioria das vezes, evitável- pelos fenômenos naturais não tem sensibilidade suficiente para mitigá-lo.
Não é justo, não é aceitável que a cada ano mais pessoas passem por tal experiência limite, quando se sabe que é possível fazer mais.
A melhor homenagem às vítimas é lutar para construir e instituir, até porque a tendência é aumentar a ocorrência dos fenômenos climáticos que agravarão ainda mais esse tipo de catástrofe, o que já deveria ser um pleno e efetivo direito da sociedade: a segurança ambiental.
(*) É jornalista. Mora em Teresópolis e está acompanhando, no dia-a-dia, a infinita dor que o povo do Rio de Janeiro tem sofrido por falta de infraestrutura habitacional.
Conheço Marina Silva há mais de vinte anos - e, mesmo estando sempre em campos opostos, tive e tenho por ela o mais profundo respeito e uma imensa admiração. Neste artigo, que Marina enviou para o blog de Ricardo Noblat, em O GLOBO (16/01/2011), fica bem claro que a maior das tragédias é ignorar as advertências sobre as tragédias que vão ocorrer. Porque qualquer chefe de reportagem já apronta, em dezembro, as pautas de janeiro: "inundações e desastres ambientais". Mais ou menos como o dono do caminhão-reboque que vai para os pontos perigosos das estradas e estaciona no acostamento, pois sabe que a qualquer momento algum irresponsável vai se arrebentar ali - e virar "cliente" (póstumo). Só quem não consegue pensar assim são as nossas "otoridade".
Tragédias que se repetem
(Artigo de autoria da Senadora Marina Silva, ex-Ministra do Meio-Ambiente)
Fim de 2008, início de 2009, tragédia em Santa Catarina.
Fim de 2009, início de 2010, tragédia no Rio de Janeiro. Não bastava um episódio tão doloroso?
Não teria sido possível evitar as proporções terríveis do segundo?
O mais dramático nesses e em tantos outros casos é a repetição. Sugere inércia e uma irresponsabilidade insuportável que, passado o impacto inicial de vidas perdidas e a devastação de patrimônios tão duramente conquistados, retoma a rotina. E o discurso de que foi o excesso de chuvas a razão do desastre.
Áreas frágeis e não recomendadas para habitação continuam a ser ocupadas. Medidas preventivas permanecem sendo tomadas de maneira paliativa, com pouca verba, empenho e prioridade. Há iniciativas como o estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre as vulnerabilidades do litoral do Estado às mudanças climáticas, mas sem consequências práticas.
As pessoas atingidas continuam a depender quase que unicamente do heroísmo de bombeiros, de grupos de defesa civil, de voluntários que, não raro, aparecem nos noticiários impotentes diante da desproporção entre suas forças e a enormidade da perda e da dor.
Não sei o que se pode dizer aos familiares e amigos das vítimas das chuvas e deslizamentos, mais do que foi dito às vítimas de Santa Catarina. As catástrofes causadas pelo mortífero tripé -chuvas fortes, encostas instáveis e construção em áreas inadequadas- só mudam de lugar. O que parece não acontecer é uma intervenção no único vetor do qual temos controle: o uso e ocupação das áreas.
Sei por experiência própria o que é a perda radical, como a que acontece quando uma correnteza avassaladora invade a casa, leva as pessoas e desmonta o nosso mundo. Não há nada a fazer, a não ser tentar salvar-se e a quem esteja ao alcance da mão. Tudo tão brutal que muitas vezes nem as lágrimas acodem.
John Owen (1616-1683), pastor e teólogo, dizia que os pregadores precisam "experimentar o poder da verdade que pregam em e sobre suas próprias almas". Quem não sente a alma incomodada pelo calvário daqueles que são atingidos de maneira frontal -e, na maioria das vezes, evitável- pelos fenômenos naturais não tem sensibilidade suficiente para mitigá-lo.
Não é justo, não é aceitável que a cada ano mais pessoas passem por tal experiência limite, quando se sabe que é possível fazer mais.
A melhor homenagem às vítimas é lutar para construir e instituir, até porque a tendência é aumentar a ocorrência dos fenômenos climáticos que agravarão ainda mais esse tipo de catástrofe, o que já deveria ser um pleno e efetivo direito da sociedade: a segurança ambiental.
(*) É jornalista. Mora em Teresópolis e está acompanhando, no dia-a-dia, a infinita dor que o povo do Rio de Janeiro tem sofrido por falta de infraestrutura habitacional.
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