sábado, 8 de janeiro de 2011

MONTEIRO LOBATO - FADAS, PÓS-DE-BORBOLETA E BUROCRACIA

Ellza Souza (*)

Um livro de 1964 comprado na liquidação da Valer e que estou lendo devagar, sorvendo cada palavra e meditando sobre o significado de cada frase, foi a melhor aquisição literária que fiz em 2010. Descobri nos textos que já li até agora (estou na metade da obra) uma atualidade incrível e me fez entender umas idéias que não estavam claras na minha cachola. Só tendo cachola pra não ter entendido antes o porquê da tentativa do governo de cortar o Monteiro Lobato das escolas públicas. Se tivesse cérebro azeitado já teria entendido há muito tempo e não estaria tão perplexa agora. Com esse livro antigo e esclarecedor ao mesmo tempo caiu a ficha. O autor do Sitio do Pica Pau Amarelo não é apenas um criador de personagens infantis. Santa ignorância a minha. Lobato é um crítico mordaz que fala o que tem vontade de falar e escreve sobre o que tem vontade de escrever. Sem barreiras expressa suas opiniões da forma que ele considerava mais verdadeira. Um tipo “perigoso” para os que não se garantem no poder.

Durante a ditadura de Vargas os jornais costumavam procurá-lo para que dissesse coisas que todos queriam ouvir. Até que ele deu um basta ao declarar que não precisavam mais “das entrelinhas do Lobato”. Marina de Andrada Procópio de Carvalho, no prefácio dessa obra, descreve Monteiro Lobato como falante, irrequieto, impertinente, pirracento, pilhérico, mordaz, caçoísta, irreverente, estudante, fazendeiro, promotor, pintor, escritor, editor, homem de negócios, adido comercial, chefe de família, pai... De grande “sensibilidade sentimental” que sofre com intensidade a morte dos entes queridos.

Apesar da perfeita descrição acima, falta citar a sua inconfundível ânsia de liberdade. Liberdade de espírito, de gestos, de ação. E acrescentar a sua aversão às homenagens. Segundo Marina de Carvalho a ternura passou a fazer parte da vida do escritor paulista a partir da chegada das crianças que interagiam com ele com pedidos e reprimendas que Lobato aceitava pacientemente. Certamente o que assusta não é a poesia implícita em muitas de suas obras como: “Em vez de lâmpadas, viam-se pendurados dos tetos buques de raios-de-sol colhidos pela manhã. Flores em quantidades trazidas e arrumadas pelos beija-flores...Não houve ostra que não trouxesse a sua pérola, para pendurá-la num galhinho de coral ou jogá-la por ali como se fosse um cisco...”

Lendo o livro do Monteiro Lobato passo a compreender perfeitamente uma prática chamada burocracia, instalada na humanidade há muito tempo mas que no Brasil encontrou campo fértil. Para o escritor “os homens do governo dão a impressão de governar, mas quem na realidade governa é a burocracia”. A poderosa máquina administrativa foi inventando leis onde consagravam privilégios para a classe e a mais aviltante garantia cargos vitalícios. Desse modo garantiam os seus interesses independente de quem está no poder.

Segundo o alerta do Monteiro Lobato uma das conseqüências da passagem do governo das mãos dos chefes, dos homens-de-governo para a máquina administrativa foi a diminuição do trabalho dessa máquina e o seu desinteresse pela qualidade do trabalho. “Se sou o senhor por que hei de trabalhar”. É o que se vê em qualquer repartição pública. Muita gente circulando mas o atendimento é o pior possível. Se você prestar um pouquinho de atenção vai perceber o despreparo daquelas pessoas que na maioria das vezes não tem respostas para as indagações do público e entravam de todas as formas o bom andamento do serviço. Já no seu tempo Lobato disse ter ouvido de um ministro bem intencionado: “Eu sei o que é preciso fazer e como fazer mas eles não deixam”. “Eles” segundo Monteiro Lobato, a burocracia, os trâmites inventados para atrapalhar o desenvolvimento de uma nação.

A explanação de Monteiro Lobato sobre a burocracia foi para falar do cientista e também escritor Afrânio do Amaral, no prefácio do seu livro “Serpentes em Crise” sobre sua passagem pelo Instituto Butantã. Não vou relatar mais nada mas espero que a curiosidade leve muita gente a comprar esse livro que estou lendo. Quero repartir com todo mundo os esclarecimentos, a ficha caída, a cachola virando cérebro, esse livro maravilhoso que comprei por 5 reais na Livraria Valer.

O nome do precioso livro é “Prefácios e Entrevistas” de Monteiro Lobato, da Editora Brasiliense. Ao ler vocês vão entender que só disse as meias palavras. Mas elas estão inteiras e completas nessa obra tão instigante. Só lendo para entender melhor o que quis dizer inicialmente.

Saiba mais:http://pt.wikipedia.org/wiki/Monteiro_Lobato

(*) É jornalista, escritora e colaboradora do NCPAM/UFAM.

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