terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SINDICATO, NEGOCIAÇÃO E CONQUISTA

Breno Rodrigo de Messias Leite (*)

Sou um dos sete leitores da coluna semanal de Márcio Souza. E li com muita atenção o seu mais recente artigo – “Sociólogos protestam” – publicado no jornal A Crítica do último domingo (16/01). O artigo discute o assunto do momento: a reivindicação de sociólogos e filósofos para a ampliação do número de vagas de suas respectivas cadeiras para o próximo concurso público da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC).

Ao analisar o assunto, Márcio Souza dirige uma forte e contundente crítica aos sociólogos e a sua representação sindical local, o Sindicato dos Sociólogos do Amazonas (SINDSOCIO-AM). Na sua visão, e não desmerecendo a demanda específica da categoria, o SINDSOCIO “deveria ter o instrumental de conhecimento para ver além de seus horizontes profissionais, de ver os demais problemas que o edital apresenta”. Ainda no seu entendimento, este “ver além de seus horizontes profissionais” significa, entre outras coisas, num caso bem concreto, questionar a introdução do ensino religioso no conjunto das disciplinas ofertadas pela SEDUC.

Ora bolas. Isto é chover no molhado! Quando a reivindicação da categoria se coloca a favor da ampliação do número de vagas para as disciplinas de sociologia e filosofia (laicas), naturalmente, presume-se, que o tal do ensino religioso é incompatível com a atual moldura institucional do ensino público brasileiro. Como sabemos, os franceses resolveram este problema há um bom tempo. Resta-nos apenas seguir o exemplo dos jacobinos. Afinal de contas, se a religião é uma doença, a ciência é a sua cura; e como sabemos a sala de aula pode ser um bom laboratório para este tipo de experimento.

Márcio Souza também critica o método de ação política da categoria. Na sua observação, os “analistas críticos da sociedade” deveriam iluminar as rotas e escolhas da sociedade de alienados, criar a verdadeira cidadania e reanimar a juventude. Esta visão atávica das ciências sociais (a mesma da assim chamada sociologia crítica, da sociologia militante) é claramente oportunista e sem nexo com o mundo da vida.

Este saudosismo imemorial de uma suposta engenharia social pró-socialismo só tem atrapalhado a consolidação profissional das ciências sociais. Em muitos lugares, o sociólogo é visto como o elemento de desagregação, do conflito e da crítica a todo custo em virtude de seu suposto esquerdismo intelectual. E em muitos lugares, ainda somos vistos como radicais e revoltados com o mundo injusto que nos circunda – o que pode ser uma exceção se converte numa regra inexorável à condição profissional ou acadêmica.

A partir desse enfoque equivocado, nos é imputada uma grande responsabilidade: os profissionais das ciências sociais têm de ter obrigatoriamente o monopólio da crítica e da revolta, algo que, de acordo com esta mentalidade, dificilmente poderia ser detectado em um biólogo, químico ou matemático, supostamente alienado por sua labuta científica de viés quantitativo. Nada mais errôneo do que pensar as ciências sociais e seus profissionais a partir desse lugar comum. Mas, com ou sem razão esta ainda é a visão estereotipada dos profissionais da nossa área.

Ao contrário da avaliação negativa de Márcio Souza a respeito da ação estratégica do SINDSOCIO, penso que a categoria está no caminho certo. Mesmo discordando de muitas proposições (o que pode ser discutido em outro momento), a categoria se mostra madura, serena e pontual. Além disso, o sindicato procura fazer o que toda categoria profissional precisa fazer por dever e ofício: defender os interesses coletivos de seus associados, pois em caso contrário não seria um corporação.

Outras categorias profissionais podem ser um exemplo de como representatividade e eficácia decisória são importantes no processo de legitimação política: a OAB defende os interesses dos advogados; O CREA dos engenheiros, arquitetos e afins; A Igreja Católica defende seus padres... Por princípio constitucional, cabe às instituições públicas defenderem os interesses difusos e coletivos da sociedade. Se a SEDUC está rasgando as regras constitucionais, cabe, portanto, ao Ministério Público agir juridicamente para coibir tal conduta.

A lição é muito antiga. Aprendi com Alexis de Tocqueville que a democracia se fortalece com a combinação de boas instituições políticas e associações civis atuantes. Quando estudou o nascimento da Democracia na América (título de seu livro mais famoso), Tocqueville identificou justamente esta virtude da sociedade americana: a participação dos cidadãos na sua comunidade e na defesa de seus interesses e valores. Daí o surgimento de inúmeras seitas religiosas; de jornais comunitários discutindo os mais diferentes assuntos; os partidos e grupos políticos vocalizando as demandas em seus condados... Dessa forma, Tocqueville vê a emergência da democracia norte-americana a partir de seus microfundamentos.

Contrariando as palavras de Márcio Souza, percebo que o Sindicato dos Sociólogos do Amazonas segue o caminho mais objetivo. A sua direção política precisa dirigir a sua ação estratégica de forma pontual, sem perder de foco os interesses de seus associados.

Uma vez mais, não podemos tirar de vista que o novo sindicalismo – o sindicalismo de resultado – foi inventado por nada mais, nada mesmo que Luiz Inácio Lula da Silva. E quando Lula foi à luta em defesa dos interesses dos trabalhadores do ABCD não tinha em mente derrubar regime militar algum, e sim resolver a política salarial fortemente arrochada pela economia do pós-milagre. Por mais inexplicável que possa parecer, os stalinistas incrustados no aparato sindical da época utilizavam a mesma narrativa de hoje para criticar àquela forma de ação política, partidária e sindical focada na obtenção de resultados. A história mostrou que eles estavam, mais uma vez, equivocados.

Paciência! Lula decifrou a sacada de Tocqueville antes mesmo dos intelectuais de seu tempo. Deu no que deu. E a esquerda democrática conseguiu se livrar deste encosto.

Por isso, avalio que a ação política do sindicato é legítima, democrática e eficaz. Os “grandes temas” e a polêmica sobre a sexualidade dos anjos podem ficar para depois. Por enquanto, em tempos de cidadania regulada, vamos à luta pelos interesses corporativos dos sociólogos.

(*) É graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política. (Este artigo não representa a visão do SINDSOCIO). Email: breno-rodrigo@hotmail.com

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