O MEC deve desculpas aos
estudantes
José Serra (*)
Estamos assistindo a um espetáculo que
mostra o improviso, a incúria técnica e o desrespeito com que o Ministério da
Educação (MEC) decide a sorte de milhões de estudantes Brasil afora. Provas de
redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que valem 50% do exame,
vieram a público, numa reportagem de O Globo: textos com erros ortográficos
clamorosos, como enchergar, rasoavel e trousse, mereceram a nota máxima, de
1.000 pontos.
Um candidato entediado e brincalhão
resolveu incluir um parágrafo ensinando como se prepara macarrão instantâneo.
Atribuíram-lhe 560 pontos - 56% de eficiência. Outro redigiu quatro parágrafos.
O segundo e o terceiro transcreviam o belo hino do meu querido e ora sofrido
Palmeiras. Uma beleza em si, que estava, no entanto, fora do lugar. Só o
primeiro e o último aludiam ao tema proposto, com conteúdos praticamente
idênticos. Mesmo assim, ganhou 500 pontos - ou 50% da prova. Quantos horrores
não se repetiram em milhões de provas?
O MEC ainda tentou justificar o
desatino na atribuição das notas. Nas redes sociais, as milícias ou os
mercenários petistas tentavam justificar os critérios e davam curso a teorias
conspiratórias: os críticos estariam querendo pôr fim ao Enem. O exame, como
evidencia a história, foi criado pelo ministro Paulo Renato Souza, no governo
FHC, para avaliar a eficácia do ensino médio e, então, propor ações para elevar
a sua qualidade, que sabemos, no mais das vezes, sofrível. Partiu do próprio
Paulo Renato a diretriz para que faculdades e universidades passassem a
incorporar, de forma descentralizada e autônoma, o desempenho dos estudantes no
Enem entre seus critérios de seleção. Em 2002, 340 instituições já o faziam.
Coube ao então ministro Fernando Haddad dar uma resposta simples e errada a um
problemas difícil: a transformação do Enem no maior vestibular do mundo
ocidental. Isso sob o pretexto de que iria acabar com... a angústia do
vestibular!
Sem que houvesse infraestrutura
adequada e saber acumulado para tanto - até hoje o MEC não dispõe de um banco
de questões digno desse nome -, o governo petista decidiu que o Enem
funcionaria como prova de seleção para o ingresso dos estudantes nas
universidades federais. Os desastres sucederam-se: quebras de sigilo, problemas
de impressão, ideologização do exame, arbitrariedade na correção das
redações... Tudo isso concorreu, na verdade, para aumentar a angústia dos
estudantes, aquela com que pretendiam acabar. O Enem transformou-se, assim,
numa grande máquina discricionária, de deboche, que aprova ou reprova alunos
segundo a vontade de uma burocracia que não é técnica, não é lógica nem é
transparente.
No ano passado assistimos a uma revolta dos estudantes com as notas atribuídas às redações - que decidem, mais do que qualquer prova, a sorte dos candidatos. Já era patente que algo de muito errado ocorria nessa área. E neste ano somos confrontados com o descalabro. Ao menos uma parte dos corretores nada corrigiu. É plausível que nem tenha lido os textos na íntegra. Pior: um dos maiores vestibulares da Terra não dispõe da tecnologia necessária para avaliar a qualidade da correção.
Ora, um exame dessa natureza e com tais características exige uma sofisticada tecnologia de aferição da qualidade do próprio processo. Afinal de contas, trata-se da vida de milhões de estudantes. É razoável - com z e acento agudo - supor que o Enem se transformou numa máquina de selecionar pessoas segundo critérios arbitrários. O exame que deveria servir às reformas no ensino médio se transformou num mau diagnóstico e num vestibular incompetente.
No ano passado assistimos a uma revolta dos estudantes com as notas atribuídas às redações - que decidem, mais do que qualquer prova, a sorte dos candidatos. Já era patente que algo de muito errado ocorria nessa área. E neste ano somos confrontados com o descalabro. Ao menos uma parte dos corretores nada corrigiu. É plausível que nem tenha lido os textos na íntegra. Pior: um dos maiores vestibulares da Terra não dispõe da tecnologia necessária para avaliar a qualidade da correção.
Ora, um exame dessa natureza e com tais características exige uma sofisticada tecnologia de aferição da qualidade do próprio processo. Afinal de contas, trata-se da vida de milhões de estudantes. É razoável - com z e acento agudo - supor que o Enem se transformou numa máquina de selecionar pessoas segundo critérios arbitrários. O exame que deveria servir às reformas no ensino médio se transformou num mau diagnóstico e num vestibular incompetente.
É uma tolice e uma mentira afirmar que
os críticos querem pôr fim ao Enem. Até porque, reitere-se, ele não foi criado
pelos governos petistas. Como não foi o Bolsa-Família, que eles também
herdaram. Mas o PT tem a vocação e o talento para se adonar de propostas e
programas que não são originalmente seus e depois anunciar que estão sob
ameaça. Tenta transformar a crítica à sua inépcia gerencial em sabotagem.
Para corrigir erros e desvios é preciso admitir a existência do problema, ter uma vontade de acertar maior do que a arrogância, ser dotado de uma honestidade intelectual maior do que a propensão ao embuste e ter uma disposição para trabalhar maior do que a preguiça. Chamados a dar uma explicação para as barbaridades que vieram à tona, os técnicos responsáveis pelo Enem, sob o comando do ministro Aloizio Mercadante, criaram teorias mirabolantes. Chegou-se mesmo a dizer que os textos estavam absolvidos, pois Miojo e Palmeiras não desrespeitam os direitos humanos...
Para corrigir erros e desvios é preciso admitir a existência do problema, ter uma vontade de acertar maior do que a arrogância, ser dotado de uma honestidade intelectual maior do que a propensão ao embuste e ter uma disposição para trabalhar maior do que a preguiça. Chamados a dar uma explicação para as barbaridades que vieram à tona, os técnicos responsáveis pelo Enem, sob o comando do ministro Aloizio Mercadante, criaram teorias mirabolantes. Chegou-se mesmo a dizer que os textos estavam absolvidos, pois Miojo e Palmeiras não desrespeitam os direitos humanos...
Um dos fundamentos dos direitos humanos
é a igualdade das pessoas perante a lei e o respeito ao mérito de cada uma. Se
começa a ficar claro que a prova que vale 50% do exame que decidirá o ingresso
ou não de um estudante na universidade sofre a mais escancarada arbitrariedade,
se o instrumento que vai hierarquizar a fila dos candidatos a uma vaga depende
menos do desempenho de cada um do que dos bons ou dos maus bofes do corretor,
se os estudantes têm fraudadas suas expectativas e violada sua esperança de uma
avaliação justa, então, pode-se afirmar que estão sendo agredidos os direitos
fundamentais dos postulantes - que direitos humanos são, a menos que o ministro
da área consiga provar irrevogavelmente o contrário.
Em vez de oferecer explicações esfarrapadas, o MEC precisa pedir desculpas a milhões de estudantes brasileiros. Uma das críticas que o petismo faz às universidades públicas paulistas é a de não aderirem ao Enem em seus respectivos vestibulares. Tenho outra proposta: que o MEC, que transformou o Enem num megavestibular, aprenda um pouco com o vestibular dessas universidades, por exemplo. Seria mais prudente e construtivo.
Em vez de oferecer explicações esfarrapadas, o MEC precisa pedir desculpas a milhões de estudantes brasileiros. Uma das críticas que o petismo faz às universidades públicas paulistas é a de não aderirem ao Enem em seus respectivos vestibulares. Tenho outra proposta: que o MEC, que transformou o Enem num megavestibular, aprenda um pouco com o vestibular dessas universidades, por exemplo. Seria mais prudente e construtivo.
P. S. - Outras quatro análises que fiz
sobre educação e Enem estão no site www.joseserra.com.br.
(*) É ex-governador
e ex-prefeito de São Paulo e articulista do Estadão
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-mec-deve-desculpas-aos-estudantes-,1014211,0.htm
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