domingo, 3 de março de 2013

TRANSTORNO DA ESCRITA

Falo do escritor insano, aprendiz dos copistas, que se sente responsável em escrever não a mando do poder constituído, mas para o povo ver e refletir sobre o mundo e as coisas que rolam nas paróquias e nas cúrias palacianas, gritando por justiça.

Ademir Ramos (*)
O ato de se fazer compreender por meio da escrita é um dos recursos mais antigos da humanidade, exigindo dos autores forma, paixão e muita criatividade para traduzir em mensagem o pensamento, desejo, vontade, dor, amor e ódio. Sentimentos que povoam o imaginário dos homens e mulheres que há séculos conquistaram essas técnicas e com arte desenvolveram forma de saber, domínio e poder. O valor da escrita é compartilhado com as demais linguagens da comunicação a se fazer necessária para difusão da leitura dos pensamentos, das propostas, dos sentimentos e das inquietudes vivenciadas em si mesmo ou no contexto coletivo, social.

Se assim for, a conquista da escrita imprime nas pessoas relações de poder que vão ganhando contornos variáveis de acordo com o sistema em que estão inseridas social e culturalmente. No passado, o escritor era o mágico que transformava o discurso em representações compartilhando o seu mundo com os demais em puro festim cultural.

Na idade média, a Igreja, como maior organização empresarial, tomou para si a responsabilidade de formar os seus próprios escritores, pensadores e senhores. Nesse contexto, a escrita e a difusão dos pensamentos estava sobre o controle dos agentes religiosos que passavam a dominar os territórios e imprimir na alma do povo uma visão da verdade sob o taco de um poder teocêntrico que se alimentava do saque e da rapinagem dos povos chamando-os de bárbaros e selvagens.          

Os copistas medievais além de se transformarem em profissionais da escrita às vezes compartilhavam a técnica com os não eclesiásticos de forma indireta, permitindo que esses pudessem se valer desse bem mais como status do que como instrumento de comunicação.
Não quero falar da revolução da escrita inaugurada por Gutenberg e nem tampouco do admirável mundo novo de Luthero. Falo do escritor insano, aprendiz dos copistas, que se sente responsável em escrever não a mando do poder constituído, mas para o povo ver e refletir sobre o mundo e as coisas que rolam nas paróquias e nas cúrias palacianas, gritando por justiça.

A insanidade desse personagem não está em si mesmo, mas na falta que muito faz as escolas conectivas e, sobretudo, a não aprendizagem dos saberes. Então, escrever pra quem? Falar pra quem? Se as pessoas não processam o pensamento socialmente: estudam para si, leem para si, vivem para si, consumindo em si mesmo a sua alienação.  Sendo assim, faz-se necessários espantar os homens, como bem diz o mestre Rubem Alves, transformando os professores e os comunicadores em mestres desta arte do estranhamento, em atenção aos homens, mulheres, jovens e crianças para que acordem e percebam que o seu mundo, o nosso mundo, não é cor de rosa. 

(*) É professor, antropólogo e coordenador do Projeto Jaraqui e do NCPAM/UFAM. 

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