NA
PAIXÃO DE CRISTO, OPERÁRIO É SACRIFICADO
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/ E
flutuou no ar como se fosse um pássaro/ E se
acabou no chão feito um pacote flácido. (Chico Buarque de Holanda)
Ademir Ramos (*)
Tempo
é dinheiro. Na pressa de entregar a obra “no prazo religiosamente prometido”, a
empresa Andrade Gutierrez faz virada para concluir o Estádio da Copa - 2014, também
chamado de Arena da Amazônia, situado na Zona Centro-Oeste de Manaus (AM). Esta
intensa jornada de trabalho sacrificou na noite de quinta-feira (28), as vésperas
da Paixão de Cristo, o operário Raimundo Nonato Lima da Costa, 49 anos, que
teve morte instantânea causada por traumatismo craniano depois de cair de um
dos pilares da Arena.
Nome de santo, com certeza
de família religiosa, Nonato, como era mais conhecido entre os amigos,
dedicava-se ao seu trabalho pensando em celebrar a Páscoa em família, que por
maldade ou descaso foram silenciados nos noticiários de imprensa – sem vez e
sem voz. Quem era ele? Como vivia? Gostava de futebol ou não? Onde morava? Não
interessa. Para Andrade Gutierrez, o que interessa mesmo é o trabalho, é o ritmo
de produção acelerado, é a máquina em ação, contanto que a obra não pare e
cumpra-se o cronograma definido e sacramentado.
O fato ocorrido parece
isolado, mas se computarmos o número de operários sacrificados na construção
civil teremos um quadro dantesco. O Nonato é apenas um numa estatística de
milhares.
O fenômeno em si é
recorrente e histórico. Vejamos, por exemplo, o contexto emancipatório do povo
de Deus no Egito, que vivia também sob o trabalho escravo inserido num intenso
ritmo de produção tendo por objeto a construção das pirâmides.
A celebração da Páscoa judaico-cristã
é este momento litúrgico de profunda reflexão centrada nas lutas sociais; na
organização dos movimentos libertários; no combate a exploração do trabalho;
nas garantias dos direitos da pessoa humana, a exigir condições dignas de
trabalho numa perspectiva espiritual e socialmente justa.
Enquanto a empresa diz lamentar
a morte de mais um operário em construção, seus peritos talvez façam de tudo
para provar que o fato ocorreu por única responsabilidade daquele que em vida
se chamou Raimundo Nonato Lima da Costa. Com efeito, a seguradora não se responsabilizará
por indenizar os familiares e se duvidar, ainda irá imputar ao Nonato a pecha
de negligente, qualificando o acidente de “falha humana”.
Para os cristãos e aos Bem-Aventurados,
neste contexto Pascal, o sacrifício do Nonato é carregado de simbolismo.
Acontece numa área esportiva tal como o Coliseu, onde o Papa Francisco, nesta
data, celebra a Via Sacra da Redenção. Ocorre também, em regime de trabalho
intenso, num canteiro de obra de um megaprojeto tal como o das Pirâmides. E
para completar, o operário sacrificado traz em si o nome de um santo que
encerra em seu nascimento, o milagre da salvação e quem sabe sirva de luz para
o cumprimento da Justiça do Trabalho nas trevas dos canteiros de obra do
Brasil.
(*) É professor,
antropólogo e coordenador dos projetos Jaraqui e do NCPAM/UFAM.
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