quinta-feira, 15 de maio de 2008

O LEVIATÃ QUASÍMODO



* Breno Rodrigo de Messias Leite

Em De l’Esprit des Lois, Montesquieu constrói um modelo político-institucional que revolucionou o modo de se pensar e fazer as instituições políticas no Ocidente: inaugurou o princípio da divisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para Montesquieu, os poderes seriam interdependentes e teriam como principal finalidade o controle mútuo. E mais ainda, a divisão dos poderes seria a única forma de se evitar o absolutismo e a autocracia.

Inspirados diretamente em De l’Esprit des Lois, Madison e os Federalistas, os pais fundadores do modelo político-constitucional dos Estados Unidos da América, construíram os mecanismos de “freios e contrapeso” (checks and balances). Este tinha como princípio o estabelecimento de instrumentos capazes de manter e conjugar os padrões de interação entre os poderes Executivo e Legislativo; dotar o poder Judiciário de autonomia e força constitucional; e inviabilizar a ditadura da maioria legislativa, possibilitando assim a participação política das minorias, o revezamento da situação e da oposição.

De forma bastante clara, o modelo madisoniano “está apoiado na idéia de que uma ambição pode ser neutralizada por outra ambição. A partir dessa perspectiva, se idealizou uma estrutura institucional na qual o Executivo e o Legislativo deviam ser escolhidos de forma independente um do outro. O pressuposto era o de que, desse modo, seriam criadas duas instituições independentes entre si, capazes de se controlar mutuamente”. (Ver, Mariana Llanos e Ana María Mustapic, O Controle Parlamentar na Alemanha, na Argentina e no Brasil, 2005).

É claro que a realidade é dura e o modelo de democracia dos Estados Unidos não funciona necessariamente assim. O sistema partidário tornou-se dual e majoritário, seguindo invariavelmente a lei de Duverger; inviabilizou, de certa forma, a participação de minorias políticas relevantes; além disso, o poder do presidente tomou a dianteira no sentido de exercer um forte controle institucional sobre os demais poderes, fato que acabou sendo designado de
presidencialismo imperial.

No caso latino-americano e brasileiro em especial, a construção da república inspirada nos modelos dos Estados Unidos e da França conservaram, no plano prático, a essência da divisão assimétrica dos poderes. Para os construtores do Brasil republicano, a conjunção dos três poderes, entendidos de forma administrativamente autônoma, dentro de uma unidade político-institucional, só poderia ser colocado na prática a partir da construção de um Estado de Direito que fosse constitucionalmente forte e estruturado em valores republicanos.

Ocorre que, por outro lado, a auto-regulação e a divisão dos poderes sempre foram problemas inerentes às instituições políticas no Brasil. Dessa forma, a construção da república criou as condições objetivas para um funcionamento mais autônomo do poder Executivo e uma retração dos demais poderes, o Legislativo e o Judiciário.

A idéia de um Brasil moderno, onde a divisão dos poderes pudesse estruturar uma trajetória dependente de instituições políticas democráticas, deu lugar para a existência de um Brasil de instituições ineficientes. Também não podemos nos esquecer que o Brasil moderno é ao mesmo tempo uma construção inacabada – um retrato de modelos deformados e que ainda persistem.

A construção e divisão dos poderes seria potencialmente um instrumento de democratização das relações políticas, partindo do princípio de que as instituições importam no contexto da responsabilização e da participação da cidadania, bem como na construção de um Estado Democrático de Direito capaz de responder a demandas econômico-sociais através do processo decisório legítimo. Mas a dinâmica tem funcionado no sentido de sobre-determinar assimetricamente os poderes e radicalizar as suas contradições, inviabilizando, portanto, qualquer projeto republicano de democracia, de auto-regulação autônoma dos três poderes e de participação popular.

Os paradoxos do presidencialismo, por exemplo, podem não só comprometer seu próprio funcionamento – o que é uma evidência em si mesmo –, mas corroer todas as outras instituições políticas que se sentem acuadas pelo excesso de poder do presidente. Uma vez que no presidencialismo tem “um Executivo com consideráveis poderes constitucionais e geralmente com o controle completo da composição de seus ministros, e seu governo é eleito pelo povo por um mandato fixo, que não está em função de um voto de confiança dos representantes democraticamente eleitos no parlamento. Além disso, o presidente não é somente o proprietário do poder executivo, mas o Chefe de Estado que não pode ser demitido, exceto em casos de impeachment” (Ver, Juan Linz. Presidential or Parliamentary Democracy: does it make a difference?).

Dessa forma, superar os paradoxos do presidencialismo e construir uma transição institucional para uma forma de governo democrático capaz de responder as pressões sociais, respeitando a construção do sistema multipartidário, a plena divisão dos poderes e inviabilizando, portanto, a paralisia decisória pode ser uma alternativa de reformas eficazes e urgentes para a atual tragédia do nosso Leviatã Quasímodo.

* Mestrando em Ciência Política (PPGCP) pela Universidade Federal do Pará, bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bichinho medonho, breninho.