quarta-feira, 21 de maio de 2008

A SOCIOLOGIA DO NEGRO NO BRASIL



* Breno Rodrigo de Messias Leite


A tradição sociológica no Brasil traz no seu projeto histórico – diferentemente da sociologia européia – à problemática do negro; a observação de seus dilemas histórico-estruturais; as manifestações significativas num modelo de exploração do trabalho escravo alicerçado no modo de produção colonial-dependente.

Os mesmos pensadores que observaram o Brasil sob a perspectiva da mestiçagem, em especial: Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Sylvio Romero, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre etc., abordaram a questão do negro e seu papel na formação da identidade nacional moderna.

Ocorre que estes pensadores não tinham como perspectiva teórico-prática o processo de afirmação radical do negro enquanto ente social e cidadão pleno de direitos e deveres do projeto de sociedade democrática – como se tem colocado atualmente. Viam o negro ainda sob o prisma do evolucionismo raciológico ou de corte culturalista que hierarquizava os sujeitos de acordo com suas formas físicas, étnicas, raciais, culturais, em detrimento de uma abordagem crítica.

Nesse espírito, Guerreiro Ramos desloca as leituras tradicionais sobre o negro no Brasil, ao apontar que, “a sociologia do negro tal como tem sido feita até agora, à luz da perspectiva em que me coloco é um forma sutil de agressão aos brasileiros de cor [os negros] e, como tal, constitui-se num obstáculo para a formação de uma consciência da realidade étnica do país”.

A proposta de Guerreiro Ramos é superar as discussões abertamente estritamente raciológicas e culturalistas, e colocar a questão do negro num novo patamar, isto é, discutir com o propósito de criar um vínculo dialético entre a experiência concreta da escravidão e as possibilidades que se abriam no ambiente democrático do novo Brasil.

Tendo como parâmetro fundamental a Escola Paulista de Sociologia, pode-se constatar que no pensamento de Octavio Ianni está contida a perspectiva da “metamorfose” do escravo negro, tendo como ponto de partida à condição de escravo, a sua transformação em camponês submisso a relação de senhor e servo, no engenho e na fazenda, e, consequentemente, em proletário a serviço do capital produtivo.

Na verdade, sua análise se preocupa com o processo de reificação (coisificação) do ser social e sua transformação em mera força de trabalho, isto é, mercadoria-geradora-de-outras-mercadorias, ou, em puro elemento de força de trabalho, numa economia mercantil, industrial, agrária e exportadora associada. “A liberdade que se dá ao escravo é a liberdade de oferecer-se no mercado de trabalho, como mão-de-obra apenas”. E mais adiante acrescenta que “à medida em se organiza a concepção social do negro e mulato, como pertencentes à camada assalariada [proletária], redefine-se reciprocamente negro, mulatos e brancos, criando-se em conseqüência as condições ideológicas do comportamento social específico da sociedade de classes”.

Nesse horizonte conceitual, Jacob Gorender critica esse tipo de visão reificadora da condição do escravo negro. A redução do escravo em elemento adicionado ao capital fixo, máquinas e equipamentos associados ao processo produtivo geral, que sustentou materialmente o modo de produção escravista-colonial, seria uma forma de negar qualquer tipo subjetividade, de criatividade e a possibilidade da revolta. Se o escravo fosse apenas uma força de trabalho – capital fixo no engenho, p. ex. – o escravismo colonial não apresentaria as contradições inerentes a sua lógica reprodutiva que se apresentou nas várias revoltas nas senzalas e a formação protoguerrilheiras de quilombolas.

Dando prosseguimento a discussão, reconhecidamente os trabalhos de Florestan Fernandes são fundamentais para a interpretação sociológica das condições sociais, econômicas e psicossociais do negro após-regime escravista. Para Fernandes, o negro começa de forma desigual em relação ao branco, uma vez que é inserido numa “ordem social competitiva” – formação das classes sociais no capitalismo periférico-dependente – e não consegue alcançar uma autonomia de classe social necessária ao seu projeto político de emancipação de raça e de classe – perspectivas indissociáveis.

Ocorre o que efetivamente pauta as análises da moderna sociologia do negro no Brasil, não é tanto a questão da raça. Tampouco no passado protagonizado pelo modo de produção colonial-escravista. E muito menos a questão entre negros, brancos e índios na utópica “democracia racial” freyreana. Talvez o problema mais pertinente nos dias atuais seja o problema da participação sociopolítica do negro.

Mais e mais os negros, os indígenas e os outros grupos sociais minoritários, através de suas formas de representação civil, reivindicam espaços nos foros de participação no interior da sociedade e nos processos decisórios da esfera político-institucional.

E as conquistas têm sido expressivas: discussão das políticas de Ação Afirmativa em várias Universidades, discussão e encaminhamento do Estatuto da Igualdade Racial, demarcação de territórios de remanescentes de Quilombos etc. São sinais de avanços que marcam uma nova fase de lutas e reivindicações sobre a questão do negro. Agora a discussão sai da retórica e invade a sociedade civil com a implementação de políticas reparatórias de um passado de senhores e escravos. Um passado que nunca deve ser esquecido.

* É mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com o Breno, quando afirma que a questão que se coloca hoje em dia é quanto a "participação sociopolítica do negro". Afinal de contas, se considerar-mos a abolição como um processo, perceberemos que a emancipação negra ocorreu 'legalmente', contudo, permaneceram, em maior ou menor grau, as relações sociais servis, a que se refere o autor. Penso que este é um tema inesgotável, uma vez que a questão não se encerra no espaço deste artigo,desdobrando-se para além das interessantes afirmações deste intelectual paraense chamado Breno R. M. Leite!

Anônimo disse...

Meu caro amigo, confirmo tudo que vc disse. E desconfirmo o "intelectual paraense". Sou nativo de Manaus, portanto um Amazonense. Mas devo confessar que estou um pouco paraense. Não esqueça que vou te mandar a miratinga do quilomobola do Pará.

Um abraço.