sábado, 30 de agosto de 2008

NO PALANQUE MUNICIPAL, BATMAN E CORINGA SÃO IGUAIS




Josias de souza*

Quem é inimigo de quem na política? Quem apóia quem nas eleições de 2008? As perguntas vêm a propósito dos palanques municipais, uma das graças do momento.

Alguns deles conferem à expressão “coerência política” uma aparência de velha louca. Uma maluca que faz tricô com o novelo de suas próprias contradições.

O mapa brasileiro está apinhado de alianças esquisitas. Experimente-se, de saída, olhar para Natal.

Ali, há quatro anos, o tratamento mais cortês que o peemedebista Garibaldi Alves mereceu da petista Fátima Bezerra foi o de “ladrão”.

Pouco depois, no Senado, Garibaldi se tornaria relator de uma investigação cujo ânimo em relação a Lula e ao petismo rendeu apelido apocalíptico: “CPI do Fim do Mundo.”

Pois não é que agora Garibaldi está, junto com Lula, no palanque de Fátima Bezerra? Voltem-se os olhares agora para Salvador.

O PT local é representado pelo candidato Walter Pinheiro. Mas o governador petista Jaques Wagner flerta com Antonio Imbassahy (PSDB) e com João Henrique (PMDB).

Hoje tucano, Imbassahy alçou vôo na política agarrado às asas de um ACM cujas práticas o petista Jaques Wagner se propõe a varrer da Bahia.

Henrique é apoiado por Geddel Vieira Lima. Um amigo de FHC que, antes de tornar-se ministro de Lula, dissera o seguinte sobre a hipótese de o PMDB aceitar cargos:

“A meu ver, não é imoral. É aético, politicamente, que isso seja feito com partidos e parlamentares que não foram às ruas defender as bandeiras de Lula.”

Em São Paulo, José Serra (PSDB) prefere o ‘demo’ Gilberto Kassab ao tucano Geraldo Alckmin. Em Minas, Aécio Neves (PSDB) tricota com o petista Fernando Pimentel.

O mesmo PT que se insurge contra a amizade colorida de Pimentel com Aécio engole a proximidade do governador Marcelo Déda (PT) com o tucanato sergipano.

O espaço de um único artigo é pequeno demais para realçar todos os pontos do tricô da “coerência política”, essa velha louca. Assim, melhor encaminhar o texto para um arremate.

Diz-se que o eleitor brasileiro só dá atenção a nomes, não a partidos políticos. Seria uma distorção que não contribui para o bom funcionamento da democracia brasileira.

É verdade. Mas os políticos não ajudam a aperfeiçoar os costumes, eis o que se deseja realçar. A diversidade dos palanques como que acomoda os Batmans e os Coringas da política num mesmo saco.

Aos olhos do eleitor, super-heróis e bandidos tornam-se iguais. Os partidos e seus filiados viram um amontoado mal definido.

Algo que a sabedoria popular convencionou chamar de “farinha do mesmo saco”. Uns seriam a cara esculpida e escarrada dos outros.

É óbvio que ninguém é igual a ninguém. Mas, se os partidos, se os próprios políticos buscam de maneira tão frenética a indiferenciação, como exigir mais do eleitor?

Se são todos iguais, como pode o eleitor escolher conscientemente entre um e outro? Como decidir em quem votar? Pior: para que votar?

* O autor é jornalista e blogueiro do site http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

OS SERINGAIS E A PRÁTICA DE AVIAMENTO



“Servidão Humana na Selva – O Aviamento e o Barracão nos Seringais da Amazônia”. O livro em foco é de autoria do professor Carlos Teixeira, amazonense de Humaitá, que além de ter sido professor da PUC de São Paulo e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), participa também do NCPAM - Núcleo de Cultura Política do Amazonas do Departamento de Ciências Sociais da UFAM, que vem investigando o movimento da história regional negligenciado, muitas vezes, pela ortodoxia das ciências sociais, como é caso do cotidiano, das lutas e dos sofrimentos dos homens e mulheres que trabalharam nos seringais da Amazônia, enfrentando os percalços de uma vida difícil, os perigos da floresta e a opressão engendrada pelos donos dos barracões, como bem analisa o autor em sua obra. É uma pesquisa minuciosa em que o autor recorre a documentos e entrevistas com seringueiros, caboclos e personagens que protagonizaram essa história.

Carlos Teixeira, num gesto solidário e de compromisso com a verdade histórica, faz justiça a esses homens e mulheres freqüentemente esquecidos pela historiografia oficial. Os personagens desta obra são os seringueiros e suas histórias de resistência, a luta para sobreviver na selva, sob um regime de servidão. O professor da USP, José de Souza Martins, que apresenta o livro, situou o problema com precisão, ao afirmar que o livro “reúne os fios desatados de um sofrimento ignorado, de uma pobreza cruel, de um opressor invisível, para nos revelar a trama de uma história omitida, que não é só da Amazônia”.

O estudo de Carlos Teixeira nasce predestinado a ficar na historiografia amazônica e brasileira como uma das obras referenciais sobre o processo de desenvolvimento regional e suas conseqüências sociais. O foco do autor é um padrão econômico que cumpriu seu momento histórico, como esclarece como bem esclarece em suas páginas: “O seringal na verdade está desaparecendo, e com ele o extrativismo. O seringal, pois, possui uma identidade histórica particular... associada à constituição do modo capitalista de produção, especialmente à fase que corresponde à concentração do capital e à conseqüente formação dos monopólios”.

O trabalho é um estudo histórico e sociológico dos seringais, sem deixar de refletir sobre o período e as conseqüências sociais e humanas do período do fausto da borracha, ressaltando os aspectos de sua decadência. O livro “Servidão Humana na Selva” volta-se ao público leitor do campo das ciências sociais e aos demais interessados em pesquisar a vida social e econômica da nossa Amazônia.

O lançamento da obra será neste sábado (30) às 10h, no Espaço Cultural Valer - Rua Ramos Ferreira, 1195, no Centro Histórico de Manaus, sob a chancela das Editoras: Valer e Edua (Editora da Universidade Federal do Amazonas).


O ato será marcado pela presença dos acadêmicos e dos especialistas, que pensam a Amazônia numa perspectiva sustentável, repudiando o trabalho escravo e a perversidade da desigualdade social, tão comum na presente configuração da exploração do trabalho no Distrito Industrial de Manaus, bem como relativo à devastação da floresta capitaneada por fazendeiros, madeireiros e grileiros, aliançados com políticos e governantes oportunistas e aventureiros, a se multiplicar como praga por toda Amazônia.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

DA LÓGICA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES


Breno Rodrigo de Messias Leite*



A teoria da separação dos poderes, talvez, seja um dos pontos mais conhecidos da interpretação política de Montesquieu. Após desenvolver uma revisão profunda das três formas de governo (república, monarquia e despotismo) que se apresentaram na história das civilizações, o autor introduz os princípios de uma inovação político-institucional significativa que se fará presente nas revoluções liberais do século XVIII e XIX: o princípio da separação dos poderes.

De acordo com seu modelo, os poderes deveriam ser separados em três estratos distintos:

a) O Poder Executivo é a realização do governo em sentido lato; a representações política de um chefe político instituído de poderes políticos e administrativos capazes de executar as ações governamentais, sendo que muitas delas são “momentâneas” na atividade política;

b) O Poder Legislativo designa a forma de se conduzir a construção de leis universais; também tem a função de representar frações da nobreza e da burguesia através das vontades da maioria e da minoria que fossem instituídas de representatividade política; é a representação máxima do “povo” capaz de fazer um contraponto ao poder de um homem só;

c) O Poder Judiciário “julga os crimes e pune as querelas dos indivíduos”, e por esta razão deve ser um poder “invisível e nulo” no sentido de não ser representativo de um só ou de muitos; busca a eqüidade na dinâmica entre os poderes executivo e legislativo, uma vez que não é o poder dos homens como o executivo e o legislativo, e sim um poder das leis; controla a legalidade e a constitucionalidade das leis produzidas no legislativo; cabe ao poder judiciário concretizar ou não, de acordo com as leis fixas e estabelecidas, o que é bom ou prejudicial ao bem comum de todos. Montesquieu afirma que os “juízes (são) a boca que pronuncia as sentenças das leis, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor”.

Ao desenvolver seu comentário sobre a Constituição da Inglaterra, livro XI, (Do Espírito das Leis), Montesquieu expôs os principais motivos para a existência de um arranjo institucional preparado para combinar participação política e eficiência governativa: “Há em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das coisas que dependem do direito civil. O primeiro, o príncipe ou magistrados faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz na paz ou na guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamemos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do estado”.

Com este princípio, Montesquieu introduz os fundamentos do liberalismo político moderno, que pretende assegurar a primazia da lei e a participação civil nos espaços de decisão pública, quer dizer: a participação nos “três poderes”. Não se trata mais de se submeter a um único poder absoluto (Hobbes e Bodin), pois é possível criar mecanismos institucionais para o exercício de um governo equânime na participação e eficiente na decisão pública.

Porém, a lógica da separação dos poderes não funciona estritamente sob a ótica dos mecanismos de checks and balance entre os poderes executivo e legislativo. O próprio Montesquieu admite certa preponderância do poder executivo em relação ao legislativo. De fato, o poder executivo funciona como uma força ativa, que precisa tomar decisões públicas imediatas e rápidas nas mais diversas situações. O poder executivo deve ter uma relativa liberdade para movimentar as ações governamentais sem necessariamente passar pela discussão do poder legislativo, cuja função é eminentemente passiva. Segundo Montesquieu, “O poder executivo deve permanecer nas mãos de um monarca porque esta parte do governo, que quase sempre tem necessidade de uma ação momentânea, é mais bem administrada por um do que por muitos”.

Montesquieu avança a discussão no sentido de apontar a preponderância do poder executivo na própria arena do poder legislativo, sugerindo assim a emergência e consolidação dos poderes legislativos do executivo, fato que numa teoria pura da separação dos poderes, desprovida de senso de realidade, torna-se inviável. “Se o poder executivo não tem o direito de vetar os empreendimentos do corpo legislativo, este último seria despótico porque, como pode atribuir a si próprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos os demais poderes”. Dessa forma, o poder executivo pode participar da legislação por meio do direito de “veto”, sem ser limitado de suas prerrogativas institucionais no legislativo. Certamente, este argumento de Montesquieu é uma observação dialógica ao princípio lockeano da separação dos poderes.

Para John Locke, a separação dos poderes responderia a possibilidade da emergência de um poder legislativo forte, que fosse capaz de ser uma arena representativa dos proprietários (nobreza e burguesia), através das leis fixas, contra a tirania de um monarca. Contanto uma ressalva é importante nesta reflexão comumente atribuída ao liberalismo de Locke. Para o autor de o Segundo Tratado sobre o Governo dever-se-ia, antes de tudo evitar o dualismo de poderes que resultaria em paralisia de decisão e violência política generalizada. Desta forma, “Embora, conforme disse, os poderes executivo e federativo de qualquer comunidade sejam distintos em si, dificilmente podem separar-se e colocar-se ao mesmo tempo em mãos de pessoas distintas; visto como ambos exigindo a força da sociedade para seu exercício, é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas, ou os poderes executivo e federativo em pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força do público ficaria sob comandos diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e ruína” (: 92).

Montesquieu utilizou deste mecanismo – a lógica da separação dos poderes – para garantir as liberdades dos homens em todos os seus aspectos. E determinar arranjos institucionais do poder legislativo que assegurassem a produção de leis eficientes, o que proporcionaria uma autonomia relativa às atitudes do poder executivo. Desta forma, a conseqüência prática do princípio da separação dos poderes garante a liberdade política aos homens respeitando os seus direitos fundamentais, o que possibilita o exercício da liberdade filosófica e existencial.

A leitura do liberalismo político de Montesquieu permite que se desenvolva e se aperfeiçoe as noções de liberdade cívica, constitucional e política – os princípios seculares da cidadania no ocidente. Na sua visão, o melhor modelo de amadurecimento político encontra-se no sistema político e constitucional inglês, principalmente no modelo constitucional inglês. Na condição de investigador, Montesquieu viajou e constatou in loco a situação da Constituição Inglesa, apontou suas virtudes e funcionalidade política, que propiciava a eficiência do poder executivo que toma decisões políticas, e do poder legislativo que formula leis boas e representa parcela significativa da população.

Talvez o maior legado da construção teórica do liberalismo político desenvolvido em Do Espírito das Leis foi o princípio da separação dos três poderes, hoje aperfeiçoada e modernizada pelas abordagens constitucionalistas advindas das revoluções liberais ocorridas nos Estados Unidos (1777), na França Republicana (1789), posteriormente da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e nas inovações constitucionais kelsenianas do pós-guerra de 1945.

Outro componente importante na explicação de Montesquieu, e que está associada ao princípio da separação dos poderes, diz respeito à questão da liberdade. Pode-se dizer, neste aspecto, que as idéias de Montesquieu estão intrinsecamente vinculadas a construção filosófica dos gregos. Ele distingue a liberdade em dois aspectos: a liberdade do ponto de vista filosófico consiste em ter o pleno “exercício da vontade”, da opinião, da liberdade das idéias. E do ponto de vista político, cumpre tomá-la com respeito ao cidadão e a sua segurança; na liberdade política, o cidadão deve ter como princípio, para assegurar a sua liberdade na representação pública e na vida em sociedade.

Desta forma, o princípio do liberalismo político de Montesquieu deve ter como horizonte a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, que sejam capazes de assegurar as liberdades dos homens e dos cidadãos. Por um lado, o homem enquanto ser social deve estar livre de constrangimentos éticos e religiosos que aprisionam sua subjetividade componente fundamental da emancipação do homem inspirado pela razão iluminista. Por outro lado, o cidadão é o elemento que sustenta a existência da liberdade pública e dá sentido à separação dos poderes. Montesquieu já desenvolve uma interpretação integrada do princípio da liberdade das idéias e da liberdade pública.


É mestrando em Ciência Política (UFPA), bolsista da CAPES e colaborador do NCPAM.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A COMPLETA SEGREGAÇÃO DO PCdoB


*Antonio Neto
Hoje muito se tem debatido sobre as mudanças teóricas e práticas nas organizações da esquerda tradicional, como os PCs e os partidos sociais democratas. Esses partidos não só vêm assumindo claramente posições políticas cada vez mais à direita como têm participado diretamente de governos nitidamente burgueses.
Para por em prática esse completo giro político, os PCs e os Partidos Sociais Democratas, rebaixam seus programas e se ajustam cada vez mais ao regime democrático-burguês, defendendo suas instituições, compactuando com a corrupção e com políticas econômicas neoliberais.

O pragmatismo político dessas organizações tem impactado aqueles que estavam sob sua esfera de influência e acreditavam nos propósitos e ideais socialistas que aparentemente defendiam. Para essas pessoas, a crise dessas organizações é também uma crise do socialismo.

Por isso, encaram o debate com um misto de espanto, ceticismo e frustração.
Queremos demonstrar que nem os PCs e nem a Social Democracia podem ser vistos como portadores da herança do socialismo ou do marxismo. Essas organizações iludiram as amplas massas com um discurso de que buscavam o socialismo, mas, na prática, atuaram como seu coveiro. Nesse sentido, é importante separar a crise e dessas correntes políticas e a perspectiva socialismo.

É nesse marco que podemos discutir a degeneração do PCdoB em escala nacional e regional. De um ponto de vista histórico, esse partido foi uma variante do regime stalinista. Tinha como referência o modelo "socialista" da Albânia. Um regime que já nasceu burocratizado. Os PCs no mundo inteiro, a partir do regime stalinista, se pautaram pela colaboração e pela conciliação entre as classes antagônicas, pela teoria dos campos ( um campo progressista e um campo conservador) e pela completa deformação do marxismo ao defender no plano teórico e prático a revolução por etapas e o socialismo em um só país. Desde então esses partidos não apenas aprofundaram a burocratização nos Estados Operários (URSS e países do Leste Europeu) como protagonizaram as maiores traições às lutas históricas da classe trabalhadora em todo o mundo.

Os PCs já tinham, portanto, rompido com o materialismo histórico e com o marxismo desde o regime stalinista. O que se tinha era uma grande influência ideológica desse poderoso aparato burocrático (Estados operários degenerados – URSS e Estados Operários burocratizados - Albânia, Cuba, China, etc) que impedia a classe trabalhadora de enxergar a verdadeira essência desses partidos. Por isso, milhões continuaram sob essa influência. A Queda do Muro de Berlim, simbolicamente revelou essa trágica realidade. Desde então, os partidos ditos comunistas entraram numa nova fase de degeneração. Desceram muito abaixo do que já haviam descido.

Passaram a participar diretamente dos governos burgueses e quando falam de aliança com a burguesia nem enrubescem mais as suas faces. Perderam aquilo que já não tinha, qualquer escrúpulo.

O PCdoB é a expressão desse processo. Esse partido é a degeneração da degeneração do marxismo. E, sua crise é tão profunda, a sua identidade parece tão distante que não consegue nem mesmo se apresentar como caricatura do que já foi. E isso significa que, até mesmo os resquícios de stalinismo (não de marxismo) estão sendo renegados. Em outros momentos se permitiam ao trabalho de elaborar justificativas para legitimar suas alianças espúrias com uma certa lógica e um certo verniz de esquerda, mas hoje, nem isso eles fazem mais. Utilizavam a “teoria dos campos” para dizer que estavam se unindo a um campo progressista para impedir o avanço de um campo conservador, definiam com certos critérios as alianças, etc. Mesmo considerando que essas teorias são alheias ao marxismo (uma espécie de revisionismo), elas funcionavam com uma espécie de anteparo ideológico que definia um campo, uma fronteira para esse partido. Isso se perdeu no vendaval oportunista a partir dos anos de 1990.

Então, rigorosamente, se antes não se podia considerar os PCs, ou especificamente o PCdoB, como um partido marxista – comunista, atualmente, seria um erro considerar que a sua degeneração se confunda com a perda de perspectiva no socialismo ou no comunismo. Para ser cuidadoso com os conceitos e com a experiência política mundial, podemos dizer que se trata da degeneração de um Partido Stalinista que se travestia de comunista. O conceito comunista é um conceito muito caro para ser atribuído ao PCdoB.

Aqui no Amazonas fica cada vez mais nítido o colaboracionismo e a participação direta desse partido nos governos burgueses. A sua degeneração chegou a um ponto tão dramático que se encontra dividido em facções dos que apóiam Braga ou dos que apóiam Serafim. Mas, esse não é um privilégio apenas do stalinismo – do PCdoB. O reformismo, a social-democracia petista está trilhando o mesmo caminho, com o mesmo enfoque e o mesmo cálculo pragmático dos cargos e privilégios do poder.


*Antonio Neto é Professor de Sociologia da Universidade Federal do Amazonas.

sábado, 23 de agosto de 2008

A POESIA NO REINO DAS AMAZONAS




A Livraria Valer, em Manaus, propiciou aos amantes da poesia, celebração fraterna regida pelo calor da amizade a estender-se rio adentro a desaguar no mar. O encontro dos amigos foi no sábado (15/08), quando lá estiveram para encontrar o poeta e acadêmico paraense, João de Jesus Paes Loureiro, o primeiro a esquerda da foto, e se encantar com sua poesia condensada em título editorial como Água da Fonte (São Paulo: escrituras, 2008).

Na academia, o poeta é um pesquisador da cultura amazônica, que denuncia o descaso das políticas culturais brasileiras relativas ao reconhecimento e valorização da nossa cultura. A ignorância dos burocratas e editores nacionais é monstruosa, entretanto, resistimos, publicando e rompendo preconceitos contra esses monstros dos enlatados e da mesmice.

Paes Loureiro referencia seus estudos na pesquisa sobre o rico Imaginário Cultural Amazônico, representado por configurações iconográficas, que afirmam identidades culturais específicas, na perspectiva de sustentação de uma Poética do Imaginário, como bem definiu em sua tese de doutorado referente à sociologia da cultura. No entanto, é a poesia que nos humaniza e faz ver que somos mais do que aparência, é a sonoridade do outro a dialogar com o mundo em movimento tal qual o rio no Reino das Amazonas, a se definir como recorrente desencontro numa dialética das culturas. Vejamos:

RAÍZES CRAVADAS

Raízes cravadas à margem o rio tenta agarrar-se
Tenta parar
sua própria correnteza
O rio tenta.
Tenta deter o seu ser.
Tenta, inútil, o não-ser.
O rio talvez não saiba que ser rio é

ser corrente
que não se prende às margens que o rendem.
Correr em busca de si
Sem encontrar-se jamais consigo mesmo...
Eis o destino humaníssimo do rio,
a inquietação percorrente de sua alma líquida:
Buscar-se para sempre em suas águas,
sem que possa parar para encontrar-se.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

QUANDO O PENSAMENTO É SUBVERSIVO





Khemerson Macedo*

(Karl Marx dizia que toda sociedade pré-estabelecida, a partir de suas contradições internas, tenderia necessariamente a alcançar uma nova realidade social, ou seja, tese – antítese – síntese. Tomarei emprestada essa premissa para aplicá-la ao artigo abaixo sobre o pensamento, mas já vou avisando: não procurem coerência, não é este o meu propósito!).

I. A tese: “penso, logo existo” (Descartes)

Pensar é um ato preponderantemente humano. Temos capacidade de dialogar com o nosso meio a partir de nossas experiências individuais e/ou coletivas; criamos, assim, inteligibilidade acerca das coisas que nos cercam, dando sentido à nossa existência. Definimos-nos a partir daquilo que construímos em sociedade. Neste processo, nos discernirmos também entre nós mesmos; criamos desigualdades, classes sociais, instituições, definindo quem domina e quem é dominado.

Percebemos, dessa forma, a relação fundamental existente entre pensamento e ação, que orienta nossa inteligibilidade e a nossa existência. Quando pensamos, projetamos algo para nossa vida, seja esta para o bem ou para o mal, criando as condições para a manutenção de determinado status quo. Nesse sentido, nossa ação também orienta nosso pensamento.

A soma de todas as inteligibilidades se massifica em um pensamento único, dominante, e que prepondera em determinado período histórico, sabotando a capacidade que nós temos de criar interpretações próprias para o nosso próprio devir, nos deixando reféns da perversa lógica do capital, onde tudo é comercializável e supérfluo.

Tudo na sociedade se orienta para esta tendência: as artes, a cultura, as relações pessoais. Somos individualizados para sermos potencialmente competidores natos. Tudo é voltado para a calculabilidade; as relações pessoais são destruídas ou despersonalizadas, viramos sombras, à procura de algo para comprar!

Seguindo esta lógica, como fazer para dela fugir?

II. A antítese: “existo, logo penso” (?)

Bom! Vocês viram acima o que eu penso acerca do que é pensar (que trocadilho infame!), agora, proponho, a partir disso, algumas reflexões acerca de como poderíamos fugir um pouco da lógica do pensamento dominante capitalista. Agora, se você não ta nem aí pra esse artigo, recomendo outro site qualquer (a Sexy, por exemplo)!

Nada melhor do que combater as formas de ver, sentir e agir do mundo capitalista com um pouco de subversão. Mas o que isso significa? Subverter significa quebrar barreiras, revolucionar, criar outros meios. Expressa contestação, propõe mudanças radicais, ou seja, para a moral capitalista, é o mal!

O pensamento dominante se reproduz entre as “almas” que corrompe a partir da simplicidade de sua reprodução: não nos deixa pensar. Assim, não há contestação! Tal manutenção é flagrante quando: 1) as artes são orientadas para a cultura de massa: novela, sessão da tarde, forró (do tipo Lapada na Rachada!); 2) a cultura popular vira espetáculo (os mega-shows do Roberinho)! e; 3) a educação é tratada com descaso e não levam em conta as especificidades de cada região.

Dessa maneira, o pensamento predominante gera sua própria antítese: a inquietação, a revolta, a luta, a subversão. Passemos ao outro tópico!

III. A síntese: o pensamento subversivo

Pensar subversivamente é lidar o tempo todo com o novo, é ter a possibilidade de criticar tudo à sua volta, angustiando-se com o marasmo e criando tudo continuamente (poderia até reescrever este artigo, por exemplo). É a ação a serviço do pensamento limpo, sem corrupções e/ou alienações. É a tomada de consciência a partir do pensamento engajado, comprometido com a crítica contínua à sociedade (deixa-me resumir ao leitor, antes que este caia no sono, de tanto tédio: pensar subversivamente é pensar de fato, literalmente). É fugir das regras impostas e criar alternativas interessantes. Como este artigo, por exemplo, que, em vez de seguir uma linha mais acadêmica, preferiu adotar uma linha não muito ortodoxa.

Mas, afinal de contas, não é esta a idéia deste artigo?


* Coordenador de Projetos do NCPAM e Cientista Social.

domingo, 17 de agosto de 2008

MIRANTE DO COTIDIANO - "O CANOEIRO E O BANZEIRO"


É no banzeiro das águas, símbolo de fertilidade e da continuação da vida, que o canoeiro, este homem amazônico, enfrenta as intempéries, conduzindo com maestria a sua minúscula embarcação, circundada pelos elementos ímpares da maior floresta tropical do planeta: rios de água doce, matas, sons e mistérios. A canoa é verdadeiramente a sua propriedade móvel, com ela, afirmou Gonçalves Dias, “continua o seu viver instável, errante, imprevidente; acomoda-se dentro dela com a mulher e filhos, vão às praias e assim vivem muitos meses do ano, dando aos filhos a educação que tiveram, e não compreendendo que careçam de mais nada”.


O que o poeta indianista chamava de viver errante é, na realidade, a cultura desses homens e mulheres que demarcam seu cotidiano por ritmos diferenciados, sabendo ler os sinais do tempo impulsionado pela hora da partida ou da chegada, mediado pela sustentabilidade e pelo encontro de se estar presente nas festas populares, animados pela alegria de viver. Assim, lá vai o canoeiro pelo rio das Amazonas.


Enquanto representação expressa a presença de um homem, remando em alto rio, com a plasticidade que pode ser muito bem admirada na foto em tela, fazendo pensar sobre o destino, o horizonte e a própria existência. Contudo, o mais importante é que este homem move-se para algum lugar, vencendo as água e os obstáculos que encontra no seu ato de remar. (In: Amazonas Diversidade Cultural Iconográfica. Sebrae/AM. 2007).

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O PÓS-MODERNO REACIONÁRIO


Gustavo Bertoche*



Sim, o pós-moderno pode ser reacionário. Para o humanismo pós-moderno de um Heidegger ou de um Sartre, não existe a possibilidade da objetividade - especialmente da objetividade científica. Se cada homem cria o mundo, e o mundo é criação de cada homem, não subsiste a universalidade epistemológica que autoriza o processo objetificante das metodologias. Para os humanistas pós-modernos, cada homem tem sua certeza, e nessa certeza ele é veraz. Cada homem tem seus próprios valores (morais e hermenêuticos), e o solipsismo fenomenológico impede que os valores sejam comparados a valores-padrão. A que isto remete? Relativismo absoluto dos valores.

O humanismo pós-moderno é, então, uma posição que, acima de tudo, põe o homem individual - e não algo como a humanidade, ou o homem comum, ou o homem médio, ou o Homem - no centro do processo de valoração e de conhecimento de tudo. Neste sentido, o humanismo pós-moderno de Heidegger e Sartre é bastante diferente do humanismo grego de Sócrates, do humanismo medieval de Agostinho, do humanismo renascentista de Descartes, do humanismo esclarecido de Kant, do humanismo iluminista dos enciclopedistas franceses, do humanismo existencialista primordial de Kierkgaard, do humanismo materialista de Marx, do humanismo teológico de Teilhard de Chardin.

O humanismo pós-moderno é solipsista, é anti-científico. Podemos dizer, inclusive, que é reacionário de um certo ponto de vista: rejeita o sentido do desenvolvimento da humanidade, rejeita a possibilidade de uma busca a um bem objetivo, rejeita a identificação de algo intrinsecamente bom e de sua oposição a algo intrinsecamente mau, mesmo que apenas para que se assumam com estes valores metas para o desenvolvimento da humanidade.

O humanismo pós-moderno é reacionário porque considera o desenvolvimento da ciência algo opressor e maligno - não, contudo, positivamente, mas apenas porque afastaria a possibilidade de um modo de vida supostamente mais livre, mais espontâneo, mais autêntico. É reacionário porque rejeita o progresso político (lembremo-nos do apoio de Heiddeger à ditadura nacional-socialista de Hitler, de Sartre à ditadura comunista de Stálin - ainda que ambos tenham, posteriormente, feito mea-culpa, é importante notar que esses filósofos foram, de fato, apoiadores de regimes brutais, reacionários, anti-libertários). É reacionário porque, em seu solipsismo da anti-racionalidade, não aceita argumentos racionais. É reacionário porque rejeita o senso de realidade que constrói a necessidade da criação de conhecimento e de evolução moral.

Será que virei pós-moderno? Será que virei… um reacionário?


* O autor é professor de filosofia do ensino médio e blogueiro do site http://noturno.wordpress.com/ , a qual esta crônica está publicada; acesse este blog e verá outras novidades e crônicas.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O CANDOMBLÉ DE ANGOLA EM MANAUS



Luciney Araújo*


No livro “A Cidade das Mulheres” Ruth Landes (1967) aponta o candomblé como um “culto feiticista africano” e que gira em torno de “uns dez deuses oriundos do oeste africano”, precisamente das regiões onde o tráfico de negros para o Brasil fora intenso, especificamente da nação nagô. Estudos apresentados por Edson Carneiro, apontam que aportaram no Brasil negros pertencentes a diversas nações, como é o caso dos negros Bantos. Levando a crer que a o candomblé realizado no Brasil possui elementos pertencentes a outras etnias e clãs oriundos do continente negro e que com sua diáspora, e até mesmo o local de trabalho para onde esses negros eram encaminhados, colaboram para um sincretismo religioso na qual muitas vezes, nações africanas se misturavam e juntavam elementos para preservação de sua cultura religiosa.

Quando se trata da existência de pureza nas nações de candomblés em Manaus, apresenta o continuum religioso que aponta Capone (2004), quando se aborda o fato das religiões se reorganizarem em uma forma “misturada”, apresentando no discurso dos iniciados da religião a afirmação e a legitimação de uma africanidade nessas casas de culto. Pois nas casas de cultos, nas rezas, nos rituais litúrgicos o culto ao orixá e ao nkisse muito das vezes passa a ser ministrado em um único espaço, e elementos tanto de uma cultura quanto de outra se mantém firmes e ajuda a consolidar o candomblé como religião.

Algum aspecto existente nos candomblés de Manaus pode-se perceber que existem algumas semelhanças entre nações, sendo importante abordar o fato de que o discurso da legitimação de pureza está apenas quando se trata o fato de legitimação da religião. Embora a diferença e a pureza existente entre as diversas nações na cidade de Manaus, o fato de Wilson Falcão Real exercer o sacerdócio tanto na nação Angola como na nação Ketu, ajudam a pensar que o candomblé de Manaus, tanto a diferença quanto sua pureza vem de sua formação, seguindo a idéia de continuum religioso. Vários sacerdotes e sacerdotisas do candomblé, são oriundos das práticas umbandistas até meados da década de 1970 e que ainda preservam elementos da umbanda, mantendo em seus calendários de festas toques dedicados a caboclos, exus e boiadeiros.

A lacuna existente nos estudos sobre negros no Amazonas e principalmente estudos referentes a sua religiosidade é uma das dificuldades enfrentadas na construção da pesquisa sobre o candomblé de Angola em Manaus. Os dados apresentam uma forte influência das casas de culto de Tambor de Mina, como foram apontados por Chester Gabriel (1985), de que na primeira metade da década de 1970, existia em Manaus uma predominância de casas de Tambor de Mina. Com a chegada de Wilson Falcão Real na década de 1970, uma nova configuração das casas de culto afro se formaria na cidade, ou seja, a fundação de um Abassá, a saída de um barco de yaôs e muzenzas, a constituição de uma família-de-santo e a chegada de pessoas que exerciam “cargos” dentro da religião, ajudaram na formação de uma nova denominação religiosa na cidade.

Com a fundação do Inzo Muzambo Tata Mutalembê em meados da década de 1980, a nação Angola passa a se firmar e a se legitimar como uma casa de culto a ancestrais africanos, na qual funcionou até o início da década de 1990. Com a morte de Wilson Falcão Real, a herdeira de seu axé, não se encontrava em condições para assumir o Abassá, que após alguns anos acabaria sendo vendido e anos mais tarde seria reconstruído por Mãe Dora, herdeira do axé de Tata Wilson. A história de vida de Dilza Veiga Nascimento vai ao encontro com a fundação do candomblé de nação Angola em Manaus, sua infância sofrida em São Paulo, sua experiência com a umbanda nos terreiros paulistas, sua chegada ao Amazonas e sua feitura no santo em meados da década de 1970, ajudam há entender um pouco a formação da nação angola na cidade.

Considerada a extensão do Inzo Munzanbo Tata Mutalembê o Abassá de Angola da Danda Keumaze é fundado no ano de 1996, em um terreno pertencente a família de Mãe Dora. Preserva em sua estrutura religiosa elementos fincados por Wilson Falcão Real, tendo em sua essência os costumes do candomblé de Angola e em sua liturgia o culto a Nkisses, caboclos e boiadeiros.
Existem em Manaus hoje, duas casas de candomblé de Angola, ambas localizadas no bairro do Lírio do Valle, com duas irmãs de santo em sua direção, Mãe Dora e Mãe Dimas, ajudam na preservação da memória de Tata Wilson Falcão Real, consideradas por elas como responsável pela iniciação de ambas Mametos de Nkisses na religião e na preservação dos costumes e ritos dos antepassados africanos.

*Luciney Araújo é pesquisador do NCPAM e cientista social pela Universidade Federal do Amazonas.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O DIA MUNDIAL DOS POVOS INDÍGENAS




No último dia 09 do mês de agosto, comemorou-se na sede do Memorial dos Povos Indígenas em Brasília - o Dia Internacional dos Povos Indígenas, cuja a data foi estabelecida pela ONU. O evento reuniu diversas lideranças indigenas para essa celebração e como parte, da inauguração da http://www.tvintertribal.com.br/, que transmitiu on line todas as atividades onde se destaca a leitura da carta abaixo do Sr. Secretário Geral da ONU, relativo a data, que foi feita por duas lideranças Guarani e uma Terena, todos jovens e estudantes, sendo duas mulheres.

Acompanhe abaixo a posição da Organização das Nações Unidas sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo:

"Em 1994, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou o 09 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo. Foram muitos os motivos que levaram a essa decisão, mas a razão fundamental foi o reconhecimento pela Assembléia, da necessidade de que as Nações Unidas se situaram de maneira clara e firme na vanguarda da promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas para por fim a sua marginalidade, sua extrema pobreza, a expropriação de suas terras ancestrais e as violações graves dos direitos humanos que haviam padecido e continuam padecendo. No sofrimento dos Povos Indígenas se plasmam alguns dos episódios mais obscuros da história do homem.


Com toda sua importância, a proclamação deste dia não foi, senão o prelúdio de um som ainda mais transcedental: a adoção pela Assembléia em outono passado da Declaração dos Povos Indígenas. A Declaração é um elemento pioneiro no tratamento dos direitos humanos dos Povos Indígenas. Nela se estabelece um marco onde os Estados podem construir ou reconstruir suas relações com os Povos Indígenas. Constitui o resultado de mais de duas décadas de negociações e oferece uma oportunidade vital para que os Estados e os Povos Indígenas fortaleçam suas relações, promovam a reconciliação e velem para que não ocorram os erros do passado. Alento aos Estados Membros e para que se aproximem de um espírito de respeito mútuo e façam uso da Declaração como o instrumento vivo que é, para que possam ter uma influência real e positiva em todo o mundo.


Tendo presente que 2008 é o Ano Internacional das línguas, este Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo nos brinda também como uma ocasião para tomar consciência das crises silenciosas pela qual atravessam muitas línguas em todo o mundo, que numa marcante maioria são as línguas dos Povos Indígenas. A perda dessas línguas não só debilitará a diversidade cultural do mundo, como também nosso saber coletivo como espécie humana. Faço um chamamento aos Estados, aos Povos Indígenas, ao sistema das Nações Unidas e todos os demais interessados, para que adotem medidas imediatas para proteger e promover as línguas em perigo e garantir que esse patrimônio comum possa passar sem perigo às gerações futuras".

Nova Iorque, 08 de agosto de 2008.

Mr. Ban Ki-Moon
Secretário Geral da ONU

Matéria enviada por

M. Marcos Terena
Presidente del Comitê Intertribal - ITC

http://www.tvintertribal.com.br/

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

MIRANTE DO COTIDIANO - "DEZ ANOS DE MARQUINHO"



Pedro Braga*

Posiciona-se num espaço onde julga ser aconchegante; sentado e já escorado sobre o tronco do biribazeiro. A árvore é enorme, para ele gigantesca, cujas folhas, agora, o protegem dos vigorosos raios solares que, no momento, não se persuade a filtrá-los. Pois almeja ficar assim, sentado, meio refestelado, pensativo, com seu ioiô na mão e os joelhos doando apoio aos cotovelos, mirando dali ora seus pés de unhas acostumadas e encardidas com a terra preta, tanto sua alva mãe a estender roupas no varal, ora o quintal de sua casa, como seu pai; que se encontrava qual ele, sentado, mas sobre cadeira de couro, escrevendo ávido não se sabia o quê.

À direita sua casa, feita em madeira; diziam que de estilo colonial; linda; erguida por seu “papai” de cujas habilidades podiam se destacar além de escritor, também, esta: era exímio marceneiro, construtor de casas e tudo o mais. Começava com a espaçosa varanda e, em seguida, os três quartos, cozinha externa, secreta, jardim dos fundos e outros aspectos cotidianos da residência.

Marquinho quebra o pescoço à esquerda; divisa o quintal. Nele, lá se apresenta ela, aquela exuberante dama envelhecida, porém, ainda, suntuosa; a Goiabeira Maria. Continuava a atraente mulher a qual Marquinho tanto amava por muito saciar sua fome durante as brincadeiras no terreiro – pira-pega, pata-cega e numerosas outras. O Nonato pé-de-cupu; dele tinha medo. Trata-se de um velho rabugento, cheio de remorsos da vida; envelhecia com problemas da mocidade não resolvidos; não viveu, representou. Mais adiante o milharal e canavial que o próprio pai cultivara. Por um momento se apossou de seu terçado, ao lado; empunhou-o com firmeza; pensou em chupar cana, mas a brisa suave que descende do Rio Solimões o interrompe. Fica por ali mesmo, embriagado; cheiro temperado de mato e água barrenta.

O coqueiro já está ressecado, sua relação fora superficial com este que se chamava Alcir e, segundo o senhor Matias, pai de Marquinho, parecia que vinha do leste. Está morrendo, não, já morreu, pelo menos na minha terra. O velho era qual o cupuaçuzeiro. Porém, incipiente demais, arrogante, posava-se para as graminhas dizendo que tinha sangue real. “Sabe lá o que é que é esse negócio de sangue real!” – dizia sempre o menino –. Nos fundos do quintal vivia o bom velhinho do qual nunca pudera esquecer Marquinho. O Limoeiro Amoroso, magrinho, franzino, nativo da terra, quase sem forças para se manter de pé, mas nunca caíra ou tombara e pra falar mais estreito, muito agüentou as gripes e viroses do garoto; seu filho, o limão Julinho, por demais ajudara Marquinho, sarando-o sempre dessas doenças passageiras. Como se amavam os dois meninos!

Nem gostava de falar das bananeiras e abacateiros. Pois sempre sonhara com o saci-pererê surgindo de dentro do bananal; todo negrinho, e quase sorrindo sarcástico para Marquinho. Por conhecer um pouco da personalidade do menino, posso dizer que não se dava com sarcasmos: “vai pra lá, desgraça!” Nunca sequer falara com os gêmeos Pávulo e Pavulino, os abacateiros. Eram egoístas, altos demais, robustos. Seus filhos, os abacates Olhão e Molengo, o pequeno Marquinho por nenhum momento os via e mais, não conversavam com ele, só entre ambos; sempre cochichando, jamais falando. Todavia serviam pra amarrar o balanço nos seus galhos. E não podiam reclamar. Pois no final, eram propriedades do senhor Matias, logo de Marco. Que sobre ele o querido Marquinho se embalava, embalava, embalava e sorria, sorria, sorria Marquinho!


Ontem falei com Marquinho, que já não é mais aquele pequeno menino. Disse-me que “ainda desejo ficar assim; divisando de baixo o olhar dos homens e só pensando sobre uma manobra nova de ioiô ou peão, pipa ou futebol de botão; sentado sob minha velha árvore de biribá ou trepado no olho da goiabeira; de onde brechava minha vizinha e namoradinha Judite, que muito amo e beijar, até hoje, não ouso tocar em outra boca que não seja tão somente a sua rosada e feminil. Quero continuar pedalando minha bicicleta na praça próxima de casa, onde os jardins são vastos, os chafarizes miúdos e a vida emana das coisas mais simples, amando minha terra, minha tão querida terra, brincando com o meu melhor amigo e demais colegas da escola, afagando-me em minha mãe nos finais de tarde, escrevendo com meu pai e morando nesta casa e neste quintal de cujos espíritos jamais poderão ser roubados por esta passageira vida e memória dos homens.”

* Membro da Comissão Editorial do NCPAM e estudante de História da Universidade Federal do Amazonas.

sábado, 9 de agosto de 2008

III ENCONTRO AMAZÔNICO SOBRE MULHER E GÊNERO

III ENCONTRO AMAZÔNICO SOBRE MULHER E GÊNERO: As Faces da Diversidade
XV ENCONTRO DA REDE FEMINISTA NORTE E NORDESTE DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE MULHER E GÊNERO – REDOR

Período: 23 a 26/09/2008
Local : UFPA
(Campus Universitário José da Silveira Neto- Guamá)

• O objetivo do Encontro é dar continuidade ao processo de divulgação, disseminação e integração de pesquisas e produções científicas sobre a temática mulher e gênero na Amazônia, procurando aglutinar as(os) pesquisadoras(es) que se dedicam a estas questões. O Encontro é promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Morais” sobre Mulher e Gênero – GEPEM/UFPA e conta com a co-participação dos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPA, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS/UFPA e Programa de Pós-Graduação em Psicologia - PPGP-UFPA. O XV Encontro da REDOR visa avaliar a rede nas articulações aos pesquisadores do Norte e Nordeste, em quinze anos de atividades acadêmicas.

Apoio:

• Fundação de Pesquisa do Estado do Pará-FAPESPA
• Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação-UFPA;
• Pró-Reitoria de Extensão e Ensino da Graduação-UFPA;
• Pró-Reitoria de Ensino da Graduação-UFPA;
• Instituto de Filosofia e Ciências Humanas-UFPA;
• Faculdade de Ciências Sociais /IFCH/UFPA


Saiba mais no link http://www.portal.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=2197

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

AS MARGENS DA AMAZÔNIA


Edson Luis Poeta
é cientista social

Verdades, Mitos e Lendas


A exposição será realizada no período de 20 a 31 de agosto de 2008, no pavilhão da Bienal (Parque do Ibirapuera), em São Paulo, sob a curadoria de Rosely Nakagawa e Ricardo Ribenboim, a consultoria do escritor Milton Hatoum, o escritor e pesquisador Nilson Moulin, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, o arqueólogo Eduardo Neves e o biólogo João Paulo Capobianco. A cenografia é de autoria de A. C. Serroni. A iniciativa é do Instituto Brasil Com e Pró Cultura Marketing e Eventos.

Além da mostra, serão desenvolvidas atividades afins aos temas expostos, como oficinas, mesas de debates, sessões de vídeos e apresentações de teatro e música. No percurso expositivo o público poderá visitar o planetário da Sociedade Brasileira para o Ensino da Astronomia (SBEA) e um borboletário com espécies comuns à região amazônica. Haverá, ainda, espaço gastronômico e área destinada à exposição de serviços e produtos de organizações não governamentais voltadas a questões socioambientais.

O eixo curatorial do projeto é uma visão da diversidade da Amazônia através de interpretações artísticas relativas ao termo “margem”. Uma proposta de “deslendalização” da Amazônia, tendo como ponto de partida textos que fazem referência a questões candentes à realidade amazônica. O primeiro deles é À Margem da História, de Euclides da Cunha, mote da exposição, quando expressa “A literatura científica amazônica, amplíssima, reflete bem a fisiografia amazônica: é surpreendente, preciosíssima, desconexa. Quem quer que se abalance a deletreá-la, ficará, ao cabo desse esforço, bem pouco além do limiar de um mundo maravilhoso”.

Também serão utilizados, entre outros, Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum, ficção ambientada no chamado Ciclo da Borracha; Por Dentro das Amazônias, de Nilson Moulin, e o olhar de um “estrangeiro” sobre a região, buscando sua diversidade; Arqueologia da Amazônia, de Eduardo Neves, com o relato das experiências do arqueólogo no Amazonas; e narrativas de mitos indígenas sobre o sistema estelar.

Os temas serão apresentados em módulos, que se articularão ao longo do espaço da Bienal, contrapondo-se, complementando-se ou dialogando uns com os outros, para mostrar o movimento contínuo da história da região. São eles: Aldeia, Floresta, Astronomia, Água, Arqueologia, Diversidade ou Hibridismo Cultural e A Terra do Amanhã. O visitante entrará no circuito por dentro uma sumaumeira, árvore gigante, e sairá pelo borboletário. No módulo Astronomia, visitará o planetário e verá como alguns povos indígenas narram a origem do sistema estelar.

Percurso da visitação

Geral: Do crepúsculo à alvorada

O visitante encontrará, inicialmente, um conjunto de livros gigantografados, escolhidos entre os que definem o eixo curatorial. Paralelamente às palavras, imagens, sons e os cheiros o visitante é conduzido através de um túnel, em um percurso orgânico, marcado por uma aproximação sensorial. A trilha sonora funde sons da floresta, sons urbanos, entre outros. O sentido dessa viagem traz como metáfora principal as duas fases/margens dos rios: a cheia e a estiagem.

O caminho composto pelos módulos sugere um rio-labirinto, que o visitante atravessará, vendo imagens projetadas em vídeo: de um lado, a cheia, do outro, a estiagem. O visitante será a “terceira margem”. É por esse caminho de contrastes que o visitante terá acesso aos módulos distribuídos por todo o espaço. Cada módulo será formado por um conteúdo central, ações educativas e atividades programadas.

Módulo 1 - Aldeia: a moradia, o lugar da caça, a roça, as lendas, um modo de viver a partir de determinados povos indígenas. A exposição trará arte plumária, cestaria, teares, bancos indígenas, cuias, brinquedos de miriti e artefatos para processamento da farinha de mandioca. Haverá, também, fotografias do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro de suas atividades na Amazônia e imagens do ensaio fotográfico de Claudia Andujar sobre o povo Ianomâmi. Entre as atividades, oficinas de leitura e redação com a Expedição Vaga Lume e o escritor Nilson Moulin; oficina de gastronomia com Felipe Ribenboim; e exibições de documentários do projeto “Vídeo nas Aldeias” (PE), produzidos por grupos indígenas.

Módulo 2 - Floresta: sons e imagens sugerem a aproximação com os animais, um misto de atração e estranhamento. O módulo traz sons da floresta, imagem da gigante sumaumeira, amostra do serpentário do Instituto Butantã, esculturas dos artistas paulistanos Rubens Matuck (sementes) e Fernando Ito (insetos e pássaros gigantes); e fotografias de Maurício de Paiva. Entre as atividades, uma oficina de confecção de bijuterias com sementes e a exibição de documentários “Vídeo nas Aldeias”.

Módulo 3 - Astronomia: a visitação ao planetário abre discussões sobre o sistema estelar indígena do ponto de vista de alguns povos, encontrando traços de união entre eles. O módulo também trará ampliações de desenhos criados por crianças e adolescentes indígenas a partir de sua observação sobre o céu; assim como sessões de histórias e mitos com a Expedição Vaga-Lume.

Módulo 4 - Água: o visitante terá um ambiente com imagens e signos que remetem às águas da região; remos de barcos recolhidos na cidade de Abaetetuba (PA); e amostras de águas recolhidas pelos artistas Margi e Gerard Moss. Esses artistas também orientarão uma oficina que simula a limpeza de rios e propõe a reciclagem desse lixo.


Módulo 5 - Arqueologia: a exposição traz dezenas de réplicas de cerâmica marajoara, tapajônica (ou santarém), maracá, cunani, formiga, entre outras, feitas pela família Cardoso, tradicional na arte da cerâmica no Distrito de Icoaraci (PA). O artista Levy Cardoso ministrará uma oficina de cerâmica com técnicas básicas da tradição indígena.

Módulo 6 - Diversidade ou Hibridismo Cultural: os povos indígenas e todos os povos assentados na região ao longo de quatro séculos de migrações na Amazônia produzem hibridismos e “contaminações” nos falares, nas tradições, nos gestuais. Esses aspectos aparecem interpretados por fotografias de Luiz Braga, Thomas Farkas, Carlos Penteado, postais de Belém durante o Ciclo da Borracha; além de mapas com temáticas diversas, mostrando o que se construiu e o que se constrói na Amazônia.

Módulo 7 – A Terra do Amanhã: que proposta de sustentabilidade é viável para a Amazônia? O que se produz a partir de suas riquezas? Aqui estão os minérios da região, os produtos resultantes de iniciativas de sustentabilidade; jóias da premiada artista Miriam Korolkovas, que utiliza os metais preciosos da Amazônia; mapas e fotografias de Paula Sampaio. Aqui o visitante encontrará o Borboletário e terminais de computadores para acessar dados gerais sobre a região.

Outros espaços:

Auditório
Nos dias 21, 26, 27 e 28 haverá mesas temáticas com a participação de especialistas em Amazônia. Programação aberta a todos os públicos.

Lanchonete
Lanches secos, entre eles iguarias regionais amazônicas.

Exposição de produtos e serviços de ONGs
Diversas organizações não governamentais dividirão um espaço destinado à divulgação de suas política e atividades.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A EDUCAÇAO COMO AÇÃO POLÍTICA


João Fábio Braga*


Pensar o ambiente escolar como o único espaço de aprendizado e de cultura, é tornar a concepção de educação limitada sobre o verdadeiro papel da escola, sobretudo do educador. A escola não deve ser apenas o lugar da concepção de ensino sistematizado de transmissão de conhecimento e conteúdo escolares, mas ser o espaço do diálogo, o recinto dos saberes plurais e da construção da democracia.

O processo educacional não se restringe somente na formação do indivíduo dentro de uma sala de aula, porém, deve ser a partir do ambiente escolar que se constrói a consciência democrática que, ao mesmo tempo, potencializa os processos sociais mais amplos para formação alargada e universal do entendimento de prática educativa, prática esta, que se desenvolve para além da escola; é a construção da práxi-educacional em espaços e contextos diferenciados, apreendendo as dimensões humanas e humanizadoras.

Associar a educação aos processos globais da formação do ser humano, especialmente quando este dever ultrapassa a idéia instrumental e tradicional da educação formal, a centralidade da humanização apresenta-se como paradigma pedagógico que desconstrói a educação enquanto instrumento de transmissão de saber e conteúdo ou idéia estreita de ensino, portanto, repensar a educação no sentido de ser uma ação libertadora e problematizadora, assim Paulo Freire afirmara – “além de um ato de conhecimento, a educação é também um ato político”, isto é, a educação é uma forma de intervenção no mundo, dessa forma, o sociólogo Florestan Fernandez define que somente seria possível o encadeamento por meio de uma “consciência da situação com a prática modificadora”.

Por isso a importância do papel político do educador -, o qual ele não se prende ou se contenta ao repassar através da reprodução do conteúdo reflexivo, mas ele convoca por meio da reflexão feita pelo diálogo com o aluno, criando as possibilidades de uma educação emancipadora que visa compreender e transformar a realidade social, somente pode ser verdadeira quando suas dimensões – ação e reflexão não são divorciadas.

Segundo essa perspectiva que constrói uma prática política e pedagógica atuante, cujo objetivo prepara alunos em cidadãos capazes de construir conjuntamente com a comunidade de pais, de bairro e corpo docente - a escola como espaço participativo e deliberativo, integrando uma postura ética-ecológica que corresponda as necessidades e consciência cada vez maior dos problemas da cidade, do país e do mundo.

Educar para cidadania tem de ser o lema da bandeira do educador, pois o compromisso é com a formação de sujeitos políticos, claramente democráticos, que perpassam na concepção de serem sujeitos críticos, criando um novo exercício de cidadania partindo da construção e consolidação de uma sociedade mais justa e democrática.

* Coordenador Editorial do NCPAM e cientista social.

domingo, 3 de agosto de 2008

MIRANTE DO COTIDIANO - "E O SONHO ACABOU?"



Luciney Araújo*

“Não é a Casa dos meus sonhos, mas é a casa que me permite sonhar”. Esta foi a expressão que Eudo Marculino, um estudante de Engenharia, fez ao iniciar sua morada na Casa do Estudante Universitário do Amazonas, por volta de 1980.

Quantos momentos de felicidade; quantas horas de tristeza; quantas foram as amizades construídas; quantos casais se uniram naqueles corredores da CEU-AM! Estes ocorridos, hoje, tornam-se meras lembranças na memória de ex-moradores e amigos da casa.

Acontece que a CEU-AM foi desativada num triste 2008; triste por se tornar pó uma bandeira de luta estudantil erguida na década de 1950. E agora? Não se ouvirá mais a Ruth gritando nos corredores: “Edeeeer!”; O Rivaldo perguntando: “Cadê o índio?” Mas ainda, não mais se contemplarão as brincadeiras do Milke, as memoráveis assembléias, enfim... E o Poty!? Quem não ouviu falar do nordestino mais querido da CEU-AM e suas histórias de Rodolfo Fernandes, a grande metrópole Potiguar? Apenas para a História existirão esses fatos, muitas das vezes até engraçados...

Puxa, que saudades sinto desta casa. Só de lembrar nos anos que morei no quarto 207. Ainda guardo comigo aquela placa verde, que identificava meu quarto; uma lembrança que sempre me remete aos quatro anos em que estive morando ali. Hoje, quando passo pela Rua Barroso, tento disfarçar, mas sempre existe uma centelha de alegria em ver aquele prédio amarelo de quatro andares e com suas varandas, onde muitos estudantes choravam a saudade de casa e ao mesmo tempo buscavam, encostados naquelas grades vermelhas, forças para vencer os desafios da caminhada acadêmica.

Pois é... Esse sonho foi desativado temporariamente. Fala-se em alugueis para quem ainda encontrava apoio nas estruturas daquela casa. Uma pena que pessoas tenham esquecido o sentido da palavra “Casa do Estudante”, deixando essa bandeira de luta e amor se perder no tempo.

Aquele prédio amarelo e imponente situado na Rua Barroso ficará na memória de todos nós que um dia moramos ou estivemos por algum motivo ali; se consolidará na história de pessoas como eu, que guardo com carinho os momentos de alegria dos quais fui partícipe...


Há boatos d'uma outra casa, nas dependências do Campus. Mas não será a mesma, não será igual aquela CEU-AM de 55 anos de história, aquela CEU-AM por onde estudantes que ali moraram hoje afirmam que seu caráter foi construído através das amizades concebidas durante o tempo em que moraram na “pobreza”.

Pobreza. Quem não lembra desse termo! Quando aqueles ex-moradores passavam por frente da casa e gritavam: “Fala Pobreza!” E logo depois diziam: “lutem por essa casa, ela representa muito em minha vida!” É, esse sonho acabou, mas as palavras do Eudo: “Não é casa dos meus sonhos, mas é a casa que me permite sonhar”, vai permanecer na memória das pessoas que passaram por seus corredores e viveram intensamente o sonho de ser morador da “Casa do Estudante”.

* Cientista Social e ex-morador da "Casa do Estudante".

sábado, 2 de agosto de 2008

A VINGANÇA CONTRA O SISTEMA


Ricardo Lima*


O filme V de vingança, baseado na história em quadrinhos de mesmo nome, é umas dessas películas rebeldes e contestadoras que fazem frente à indústria do cinema “enlatado” ou industrial. Por isso mesmo V de vingança encontra um lugar cativo entre já os “filmes malditos” da história do cinema, os filmes rebeldes, transgressores, aqueles que nos fazem pensar se tudo o que vivemos não é uma torpe mentira, se não estamos sendo manipulados pelas grandes corporações econômicas e por governos tiranos e corruptos.

V de vingança foi escrito inicialmente como uma crítica ao governo de Margareth Thacher, a Dama de Ferro, mas como a filmagem foi realizada nos dias de hoje, o governante em questão se torna o Sr. Bush, um presidente com uma face notadamente teocrática e autoritária, justamente o que é mais criticado no longa-metragem.

A primeira cena inicia-se com uma retrospecção da Conspiração da Pólvora do século XVIII, um homem havia tentado, em vão, explodir o parlamento inglês com vários quilos de dinamite, quando descoberto, sua sorte foi a mesma daqueles que atentam contra a dita “moral” e a pretensa “ordem” nos estados supostamente “democráticos”, ou seja, morreu na forca.

Logo, há um salto no tempo até os dias atuais. A Inglaterra, que havia se tornado em uma ditadura, desponta como a grande potência mundial. O despotismo inglês, assim como toda tirania, lança mão de uma poderosa propaganda ideológica, com aval dos grandes grupos de comunicação beneficiados pelo sistema, no qual funde-se religião e política, sendo que aquela acaba ratificando esta.

Um fato muito semelhante ocorreu e ocorre ainda nos Estados Unidos, a suposta “terra da liberdade”. O presidente Bush, a fim de justificar a invasão do Iraque, não só usou de artifícios de cunho geo-político, a “ameaça terrorista” à democracia e a liberdade, como também havia prerrogativas religiosas em tal invasão, a cena em que um general do exército americano surge na TV e afirma que a guerra é contra Satã e em prol do cristianismo.

Como pode ser daninho à sociedade quando se extingue o direito a liberdade de expressão! O governo tornar-se arbitrário, um fim em si mesmo, e não um meio para garantir o bem estar da população e da vontade geral, as ditaduras carecem de sentido; uma sociedade onde as informações passam pelo rigoroso crivo da censura que perde a capacidade autocrítica de diagnosticar seus problemas e reivindicá-los aos seus governantes, quando em uma escola se proíbe de exercer o senso crítico, essencial para uma educação e para a cidadania, as pessoas se tornam alheias aos problemas sociais, são fáceis de controlar, transformam-se em “rebanho de cordeirinhos” para os grandes, contentam-se com qualquer paliativo que o governo lhes ofereça.

Triste fruto da modernidade este excesso de individualização, as pessoas tornam-se tão voltadas para si mesmas que não percebem a dor, as tristezas, o sofrimento do outro, tão imersas em suas necessidades mesquinhas de subir na vida a qualquer custo ou de resolver as suas picuinhas perdendo a sensibilidade com o que está à sua volta; o excesso de individualização transforma as pessoas em reféns de si mesmas...

O senso comum tira a ciência de seu contexto e afirma que ela está sempre a favor da humanidade, um equívoco. Em V de vingança o governo faz testes ilegais e perversos em cobaias humanas com a finalidade de desenvolver uma nova arma biológica, o próprio “V” foi um das cobaias; quando uma pessoa morria, não era problema, pois no complexo de testes o homem era destituído de seu caráter humano, para em seguida ser uma simples coisa que deve ser aproveitada para os fins científicos e, no final, descartada.

Com essa passagem do filme enfoca a questão da falta de neutralidade da ciência, pois está sempre inserida em um contexto, e nem sempre é aplicada em prol da sociedade.

O herói “V”, mais umas das vítimas do sistema opressor, revolta-se contra a tirania e contra os terríveis testes a que fora submetido. Seu objetivo principal é a revolução, a destruição do parlamento, símbolo do despotismo, a o despertar da consciência crítica dos ingleses.

Os méritos da produção estão justamente na provocação que ele nos faz sobre a realidade: “Isto tudo realmente deveria ser assim?”, “Não poderemos mudar o Sistema para algo mais justo e humano?” ou “Como mudar?”. São estas as perguntas que o herói “V” nos faz, ele deseja que questionemos a realidade social de nossa comunidade, de nosso país, de nosso mundo, ele anseia que nós entremos em revolta contra esta democracia disfarçada em tirania e criemos um novo governo que atenda os anseios do povo e não das grandes corporações multinacionais.

Agora fica uma pergunta: “Como criar este novo sistema?”

* Pesquisador do NCPAM e estudante de Ciências Socias da Universidade Federal do Amazonas.