Na verdade esta operação bélica contra os manaus ocorreu em setembro de 1727, em uma localidade conhecida na época como Ponta do Azabari, nas proximidades do encontro das águas do Rio Negro com o Rio Amazonas de modo que todo esse território tornou-se um lugar sagrado para os Manaus e para todas as outras nações indígenas do Rio Negro.
Roberto Monteiro de Oliveira (*)
Dentre os massacres de nações indígenas cometidos pelos portugueses na Amazônia ganhou destaque e notoriedade histórica o massacre da nação Manaus e de seu cacique Ajuricaba.
A nação manaus habitava o território do vale do rio Yquiari e a parte inferior do Rio Içá e pertenciam ao grupo lingüístico Arawak. A partir da expedição de Francisco de Orellana em 1542, frei Gaspar de Carvajal, capelão da expedição referiu-se ao Rio Iquiari com o nome de Rio Negro que ficou até os dias atuais.
Os estrangeiros, em seus escritos, se referem aos manaus como numerosos, fortes, valentes guerreiros que exerceram hegemonia sobre as outras etnias que habitavam em seu território.
Em 1639, o capelão da expedição de Pedro Teixeira frei Cristóbal de Acuña percebeu que o território dominado pelos Manaus era uma área estratégica para proteger e defender a Amazônia da cobiça dos concorrentes holandeses e ingleses que estavam ao norte dessa região e que desejavam descer para participar dos empreendimentos que se realizavam naquele território com as várias nações indígenas.
A esse tempo o rio Iquiari era também conhecido como o Rio do Ouro e nas proximidades dessa região estaria o país do El Dorado e a cidade de Manoa próxima ao lago Parima, onde se dizia haver grande quantidade de ouro de tal modo que os guerreiros vencedores eram premiados com um banho de ouro em pó sobre seus corpos nus.
Segundo observações de missionários e de outros viajantes que passaram por esse território a partir da segunda metade do século XVII havia um comércio intenso praticado pelas nações indígenas com estrangeiros, sobretudo com os holandeses. Essa área de livre comércio liderado pelos Manaus abrangeria o território das antigas guianas (holandesa e inglesa) delimitada informalmente desde o Rio Orenoco até a região do Rio Madeira.
Observam os cronistas dessa época que os indígenas não queriam mais negociar com os portugueses porque as mercadorias e quinquilharias ofertadas pelos holandeses e ingleses eram bem melhores.
Fica evidente que esse quadro de eventos, fatos e descrições fantasiosas despertava nas pessoas sentimentos de enriquecimento rápido e fácil e de qualquer jeito atraindo para a região aventureiros de todas as espécies. É claro que os colonos portugueses não poderiam deixar de participar desses negócios e sobretudo o rei de Portugal não poderia deixar de arrecadar impostos para a Fazenda Real.
Explicitando mais ainda fica evidente também que essa área de livre comércio liderada pelos Manaus passa a ser uma área estratégica para a defesa do território, controle das atividades econômicas enfim para o resguardo do exclusivismo colonial em relação à Amazônia e especialmente do Rio Negro.
Particularmente os holandeses não desistiam de marcar presença no Brasil e na Amazônia. Aqui na Amazônia os holandeses instalaram um forte no estuário do Rio Essequibo e em 1621 fundaram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
Essa companhia passa atuar na região criando sua rede de colaboradores corrompendo os chefes das nações indígenas nesse escambo hediondo de índios e negros escravizados por quinquilharias, armas e outras mercadorias.
Os Manaus combateram a nação indígena dos Karinya e dos Akawaio que fizeram parte da rede de colaboradores dos holandeses, por esse motivo, em 1724 o Conselho Político de Essequibo ordena o extermínio dos Manaus e que os prisioneiros fossem vendidos como escravos. O Conselho Político de Essequibo premiava quem matasse um manaus.
Ajuricaba e seus guerreiros manauaras lideravam uma coalisão de chefes de nações indígenas no enfrentamento à invasão e ocupação de seus territórios, no saque aos seus recursos naturais e na redução das populações indígenas à condição de escravos. Todos esses fatos contrariavam os interesses do Rei de Portugal e particularmente os interesses imediatos dos colonos portugueses aqui na Amazônia.
Os colonos portugueses irritados com os índios e incapazes de dar combate aos seus verdadeiros inimigos e concorrentes os holandeses, ingleses, franceses e espanhóis na disputa pela força de trabalho dos índios e pelos recursos da floresta conseguiram do Conselho das Missões autorização para fazer uma “guerra justa” contra os manaus e seus aliados.
O motivo para fazer “guerra justa” aos Manaus foi a acusação mentirosa de que Ajuricaba seria aliado dos holandeses e que navegava pelos rios ostentando a bandeira da Holanda. Já vimos anteriormente que os manaus não tinham nenhuma razão para se aliarem aos holandeses o que não impediria de esporadicamente fazer algum negócio com algum holandês.
O fato é que o Conselho das Missões votou pela autorização da “Guerra Justa” contra os manaus e seus aliados e a captura de Ajuricaba.
Legitimados pelo Conselho das Missões e munidos de todos os recursos necessários o governador João Maya da Gama recomenda ao capitão João Paes do Amaral uma “guerra dura”.
Na verdade esta operação bélica contra os manaus ocorreu em setembro de 1727, em uma localidade conhecida na época como Ponta do Azabari, nas proximidades do encontro das águas do Rio Negro com o Rio Amazonas de modo que todo esse território tornou-se um lugar sagrado para os Manaus e para todas as outras nações indígenas do Rio Negro.
Ajuricaba viu seu filho Cucunaca ser assassinado pelos portugueses durante os combates. Juntamente com Ajuricaba foram capturados os caciques: Aguaru, Canacury, Cany, Caramery, Daã, Gaau, Juabay, Majury, Manatuba, Mandary e mais duzentos índios que seguiriam acorrentados para serem devidamente justiçados em Belém.
Logo no início da sinistra viagem Ajuricaba teria tentado a fuga através do rio no que foi seguido pelos seus companheiros resultando na morte de todos esses guerreiros amazônidas. O rei de Portugal Dom João V agradeceu ao governador do Pará João Maya da Gama pelos bons e leais serviços prestados à coroa portuguesa pelo extermínio dos manaus.
A partir dessa matança dos chefes e mais duzentos guerreiros foi eliminado o fator manaus ficando mais fácil o trabalho de buscar e escravizar os índios pelos colonos portugueses. Na verdade essa matança de indígenas na Amazônia é mais um crime de lesa humanidade, cometido pelos portugueses, um holocausto que até hoje clama por justiça.
Em 06 de julho de 1728 as tropas portuguesas dando continuidade ao massacre das nações indígenas resistentes cercaram a aldeia e trucidaram a nação dos mayapenas. Desta guerra temos o croqui da aldeia dos mayapenas e o relatório das operações.
Decorridos mais de quinhentos anos de resistência é impossível apagar os traços indígenas da Amazônia qualquer que seja a sua manifestação. Ainda que estropiados os índios não se dão por vencidos, marcam presença em todas as versões de Amazônia, inclusive hoje quando a Amazônia dos incentivos fiscais não consegue se desvencilhar da herança indígena primitiva. As hidrelétricas, as estradas, os garimpos, as madeireiras, as petroleiras, as grandes fazendas, enfim todos os projetos do Estado brasileiro sempre se deparam com as nações indígenas resistentes que não são tratadas como nações, mas como sub-pessoas negando-se a autonomia política para tratar de seus interesses abolindo-se a soberania sobre seus próprios territórios, negando-se plenamente a sua autodeterminação.
Roberto Monteiro de Oliveira (*)
Dentre os massacres de nações indígenas cometidos pelos portugueses na Amazônia ganhou destaque e notoriedade histórica o massacre da nação Manaus e de seu cacique Ajuricaba.
A nação manaus habitava o território do vale do rio Yquiari e a parte inferior do Rio Içá e pertenciam ao grupo lingüístico Arawak. A partir da expedição de Francisco de Orellana em 1542, frei Gaspar de Carvajal, capelão da expedição referiu-se ao Rio Iquiari com o nome de Rio Negro que ficou até os dias atuais.
Os estrangeiros, em seus escritos, se referem aos manaus como numerosos, fortes, valentes guerreiros que exerceram hegemonia sobre as outras etnias que habitavam em seu território.
Em 1639, o capelão da expedição de Pedro Teixeira frei Cristóbal de Acuña percebeu que o território dominado pelos Manaus era uma área estratégica para proteger e defender a Amazônia da cobiça dos concorrentes holandeses e ingleses que estavam ao norte dessa região e que desejavam descer para participar dos empreendimentos que se realizavam naquele território com as várias nações indígenas.
A esse tempo o rio Iquiari era também conhecido como o Rio do Ouro e nas proximidades dessa região estaria o país do El Dorado e a cidade de Manoa próxima ao lago Parima, onde se dizia haver grande quantidade de ouro de tal modo que os guerreiros vencedores eram premiados com um banho de ouro em pó sobre seus corpos nus.
Segundo observações de missionários e de outros viajantes que passaram por esse território a partir da segunda metade do século XVII havia um comércio intenso praticado pelas nações indígenas com estrangeiros, sobretudo com os holandeses. Essa área de livre comércio liderado pelos Manaus abrangeria o território das antigas guianas (holandesa e inglesa) delimitada informalmente desde o Rio Orenoco até a região do Rio Madeira.
Observam os cronistas dessa época que os indígenas não queriam mais negociar com os portugueses porque as mercadorias e quinquilharias ofertadas pelos holandeses e ingleses eram bem melhores.
Fica evidente que esse quadro de eventos, fatos e descrições fantasiosas despertava nas pessoas sentimentos de enriquecimento rápido e fácil e de qualquer jeito atraindo para a região aventureiros de todas as espécies. É claro que os colonos portugueses não poderiam deixar de participar desses negócios e sobretudo o rei de Portugal não poderia deixar de arrecadar impostos para a Fazenda Real.
Explicitando mais ainda fica evidente também que essa área de livre comércio liderada pelos Manaus passa a ser uma área estratégica para a defesa do território, controle das atividades econômicas enfim para o resguardo do exclusivismo colonial em relação à Amazônia e especialmente do Rio Negro.
Particularmente os holandeses não desistiam de marcar presença no Brasil e na Amazônia. Aqui na Amazônia os holandeses instalaram um forte no estuário do Rio Essequibo e em 1621 fundaram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
Essa companhia passa atuar na região criando sua rede de colaboradores corrompendo os chefes das nações indígenas nesse escambo hediondo de índios e negros escravizados por quinquilharias, armas e outras mercadorias.
Os Manaus combateram a nação indígena dos Karinya e dos Akawaio que fizeram parte da rede de colaboradores dos holandeses, por esse motivo, em 1724 o Conselho Político de Essequibo ordena o extermínio dos Manaus e que os prisioneiros fossem vendidos como escravos. O Conselho Político de Essequibo premiava quem matasse um manaus.
Ajuricaba e seus guerreiros manauaras lideravam uma coalisão de chefes de nações indígenas no enfrentamento à invasão e ocupação de seus territórios, no saque aos seus recursos naturais e na redução das populações indígenas à condição de escravos. Todos esses fatos contrariavam os interesses do Rei de Portugal e particularmente os interesses imediatos dos colonos portugueses aqui na Amazônia.
Os colonos portugueses irritados com os índios e incapazes de dar combate aos seus verdadeiros inimigos e concorrentes os holandeses, ingleses, franceses e espanhóis na disputa pela força de trabalho dos índios e pelos recursos da floresta conseguiram do Conselho das Missões autorização para fazer uma “guerra justa” contra os manaus e seus aliados.
O motivo para fazer “guerra justa” aos Manaus foi a acusação mentirosa de que Ajuricaba seria aliado dos holandeses e que navegava pelos rios ostentando a bandeira da Holanda. Já vimos anteriormente que os manaus não tinham nenhuma razão para se aliarem aos holandeses o que não impediria de esporadicamente fazer algum negócio com algum holandês.
O fato é que o Conselho das Missões votou pela autorização da “Guerra Justa” contra os manaus e seus aliados e a captura de Ajuricaba.
Legitimados pelo Conselho das Missões e munidos de todos os recursos necessários o governador João Maya da Gama recomenda ao capitão João Paes do Amaral uma “guerra dura”.
Na verdade esta operação bélica contra os manaus ocorreu em setembro de 1727, em uma localidade conhecida na época como Ponta do Azabari, nas proximidades do encontro das águas do Rio Negro com o Rio Amazonas de modo que todo esse território tornou-se um lugar sagrado para os Manaus e para todas as outras nações indígenas do Rio Negro.
Ajuricaba viu seu filho Cucunaca ser assassinado pelos portugueses durante os combates. Juntamente com Ajuricaba foram capturados os caciques: Aguaru, Canacury, Cany, Caramery, Daã, Gaau, Juabay, Majury, Manatuba, Mandary e mais duzentos índios que seguiriam acorrentados para serem devidamente justiçados em Belém.
Logo no início da sinistra viagem Ajuricaba teria tentado a fuga através do rio no que foi seguido pelos seus companheiros resultando na morte de todos esses guerreiros amazônidas. O rei de Portugal Dom João V agradeceu ao governador do Pará João Maya da Gama pelos bons e leais serviços prestados à coroa portuguesa pelo extermínio dos manaus.
A partir dessa matança dos chefes e mais duzentos guerreiros foi eliminado o fator manaus ficando mais fácil o trabalho de buscar e escravizar os índios pelos colonos portugueses. Na verdade essa matança de indígenas na Amazônia é mais um crime de lesa humanidade, cometido pelos portugueses, um holocausto que até hoje clama por justiça.
Em 06 de julho de 1728 as tropas portuguesas dando continuidade ao massacre das nações indígenas resistentes cercaram a aldeia e trucidaram a nação dos mayapenas. Desta guerra temos o croqui da aldeia dos mayapenas e o relatório das operações.
Decorridos mais de quinhentos anos de resistência é impossível apagar os traços indígenas da Amazônia qualquer que seja a sua manifestação. Ainda que estropiados os índios não se dão por vencidos, marcam presença em todas as versões de Amazônia, inclusive hoje quando a Amazônia dos incentivos fiscais não consegue se desvencilhar da herança indígena primitiva. As hidrelétricas, as estradas, os garimpos, as madeireiras, as petroleiras, as grandes fazendas, enfim todos os projetos do Estado brasileiro sempre se deparam com as nações indígenas resistentes que não são tratadas como nações, mas como sub-pessoas negando-se a autonomia política para tratar de seus interesses abolindo-se a soberania sobre seus próprios territórios, negando-se plenamente a sua autodeterminação.
(*) É professor, geógrafo e respeitado pesquisador da história da Amazônia.
2 comentários:
Adorei saber mais detalhes da histórias dos nossos combativos índios Manau, manaós ou seja lá o nome que for do povo de Ajuricaba e de todos os outros que existiram por aqui. Um lugar como esse, abençoado e cheio de histórias, da história do povo amazonense, não pode ser inundado pela poluição de navios e tudo que um porto de grande porte traga em seu bojo. Obrigada professor pela aula e que outros estudiosos se manifestem sobre o tema. Ellza Souza//
Tantos anos se passaram e a situação é a mesma. Lendo esse artigo sobre fatos reais acontecidos no início da colonização do Amazonas, e comparando com os acontecimentos da atualidade, percebo que apesar do tempo que já passou, o povo continua sofrendo a persiguição, a invasão, o masacre dos que querem usurpar as nossas riquezas, exemplo disso é a velha e manjada ideia dos empresários que querem se apoderar da margem do Encontro das Águas para ganharem rios de dinheiro enquanto a população nativa do local, que tenta defender os recursos naturais alí existentes é perseguida, ameaçada, coagida pelos forasteiros invasores. Aquele povo dos arredores do Encontro das Águas sofrem o mesmo drama que sofreram os nossos antepassados.
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