domingo, 17 de abril de 2011

SOMOS TODOS ÍNDIOS

Ellza Souza (*)

Não sei por que motivo às vezes negamos a nossa condição indígena. Mas está “na cara”, na cor e no gosto pela farinha. O programa da TV Ufam, Na Terra de Ajuricaba, nos proporcionou um programa de índio dos bons a começar pelo apresentador, o Ademir Ramos que passa a se chamar Ademir Juruti, conforme sua própria declaração. Olhando bem, na sua tribo deve ter sido um pajé dos bons e como qualquer indígena, defensor da floresta e de suas causas. Estavam no programa o Gecinaldo Saterê, conselheiro do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Bonifácio Baniwa, secretário da SEIND e a cantora Cláudia Tikuna.

O tema abordado, claro, era a questão indígena no Brasil e todos defenderam seus pontos de vista e falaram dos avanços na saúde, pesca, crédito e financiamento, educação. Segundo Gecinaldo o atual governo estadual ainda não colocou em pauta a questão indígena.

Mas o secretário Bonifácio representa essa intenção de ouvir essas populações e adequar a nível nacional as suas políticas públicas. Para isso existem 4 coordenações estaduais e o conselho nacional que é forte no Congresso. A FUNAI segundo o Baniwa cuida da demarcação de terras e documentação. A COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira representa os 64 povos da região e respeita as suas decisões.

Funciona assim: o problema vem da aldeia, passa para a Coiab em nível estadual que leva ao âmbito federal para ser discutido e possivelmente solucionado. A queixa é que não existe uma gestão eficiente da questão indígena que se diluiu por vários dos Ministérios como o da Educação e Saúde. Esse papel de coordenação da politica indígena deveria, segundo os entrevistados, ser da própria FUNAI.

“Se o negro tem (e merece ter) porque o índio não tem um Ministério ou uma Secretaria Executiva na esfera federal”? indaga o Saterê. Como qualquer problemática brasileira que depende de um funcionário chamado político, geralmente a solução não é boa para o prejudicado. E as dificuldades no Brasil continuam para o negro, para o branco, para o índio. Apesar de tantos Ministérios, secretarias, projetos, folha inchada de pagamentos.

O programa da TV Ufam encerrou com a entrevista da Cláudia Tikuna que deu um banho de comunicação, informação e arte. Nascida em Amaturá no alto Solimões, onde existem cinco povos diferentes inclusive os tikunas, Cláudia afirma que as mulheres de seu povo “estudam e sonham em ser algo mais que dona de casa”. Ela sofreu muito por essa sua vontade de querer ser artista pois diziam que ela estava fugindo das tradições.

Mas o sonho de cantar era forte e lhe possibilitou de enxergar a amplitude da questão política dos indígenas brasileiros. A cantora tikuna saiu cedo de sua aldeia não sem antes absorver os conhecimentos e tradições mais importantes de seu povo. Foi discriminada sim mas resistiu. Fez questão de falar do significado do “ritual da moça nova” que torna a mulher forte e capaz de não responder a ofensas.

Ao cumprir o ritual a menina indígena sai preparada para a vida, sai uma mulher de verdade. E graças a isso Cláudia resistiu as adversidades que encontrou e seguiu em frente para conquistar seus sonhos. Na sabedoria do índio tikuna os primeiros filhos são criados com os avós que vão lhes contar as histórias de seu povo.

Entre música e culinária Cláudia ensinou o jeito certo de fazer a “mujica” de matrinxã, o melhor prato da culinária de seu povo. Assa na brasa o peixe, sem retirar o bucho e nem abrir para não perder a gordura, o que lhe dá um melhor sabor. Também não é “ticado” o peixe. O suco de abacaxi é dos melhores na aldeia. Essa parte do programa deu fome no apresentador que pensava no peixe que ele ia devorar mais tarde. Para todos os brasileiros principalmente os amazonenses que às vezes negam a sua origem e esquecem que tudo que ainda mantemos de cultura e hábitos, devemos aos nossos antepassados, aos índios que como a letra da música cantada na língua tikuna pela Cláudia diz assim: “Somos os primeiros habitantes. Deus nos deu isso e vamos continuar lutando...”.

Precisamos voltar a ser os índios que fomos, ter orgulho disso e saber contar as nossas histórias para tentar salvar alguma coisa. Ou vamos todos beber água com óleo sem uma sombra sequer para amenizar o tórrido calor de nossa pátria.

(*) É jornalista, escritora e colaboradora do NCPAM/UFAM.

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