quinta-feira, 21 de julho de 2011

A DIALÉTICA DA EDUCAÇÃO NO RIO NEGRO

Ademir Ramos (*)

Chamamos de educação tanto a catequese dos religiosos coloniais quanto os modos de aprendizagem dos povos indígenas que habitavam e habitam os territórios da América, em particular, a nossa Amazônia rionegrina. Estamos em São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do Amazonas, em terras brasileiras. Esse território foi cobiçado pelos espanhóis, holandeses e portugueses, que recorreram à guerra justa como estratégia de dominação para render os povos indígenas sob o jugo do trabalho e da servidão coletiva.

Os portugueses valendo-se da catequese dos Carmelitas conseguiram quebrar a coluna mestra das rebeliões nativistas encabeçada por Ajuricaba, guerreiro Manaó que, por força emancipatória levantou o Rio Negro contra os portugueses, imprimindo na história, em suas primeiras décadas do século XVIII, marcas profundas da participação nativistas contra o domínio colonial.

Contra os canhões dos luzitanos as zarabatanas dos povos rionegrinos foram derrotadas e com isso, Ajuricaba foi preso junto com seus guerreiros. Contudo, não se deixando vencer, o líder dos Manaó buscou nas águas a esperança da liberdade desaparecendo no encantado Encontro das Águas. No entanto, os portugueses insatisfeitos imprimiram na história o suicídio como justificativa plausível para agradar os seus superiores na capital da Província.

A respeito das rebeliões rionegrinas e do legado de Ajuricaba aos Amazônidas falaremos em outro momento. Agora é importante destacar a presença dos Salesianos no Amazonas e, especificamente no Rio Negro, onde o seu projeto vingou graças às determinações do Estado Brasileiro, que subsidiou suas obras missionárias no rastro da militarização, visando construir o pensamento único pautado na hegemonia da religião aparelhada a geopolítica de governo.

A foto em relevo mostra o poderio dos Salesianos no Rio Negro, que desde 1914 plantaram-se nessa região vindo do Mato Grosso com firme propósito de cristianizar os índios integrando ao sistema de mercado. Por isso, os internatos além da obrigatoriedade do falar da língua portuguesa exigiam também dos meninos e meninas indígenas matriculados nos 16 internatos, o domínio de um ofício bem aos moldes do projeto político lavrado no Diretório Pombalino.

Enquanto instituição total, os internatos vigiavam e controlavam a vida dos indígenas, de tal modo que nada deveria contrapor o dirigismo dos missionários. Apesar de tudo, contrariando os interesses dominantes, os indígenas seletivamente se apropriaram dos ensinamentos Salesianos e instrumentalizou para fins de Direito o conhecimento adquirido no interior da missão.

Uma das ferramentas de entrada foi a alfabetização na língua nacional e o domínio da escrita. Pois, o Rio Negro é um dos territórios do Amazonas com menor índice de analfabetismo até hoje. Os danos culturais foram imensuráveis, mas, a cultura por ser dinâmica e dialética está se recompondo sobre novos pilares, tentando reestruturar as Organizações Tradicionais, considerando também o processo de interlocução que as Associações e Organizações étnicas representativas buscam operar por meio do Movimento Indígena junto ao poder de Estado.

O Município de São Gabriel da Cachoeira, assim como Barreirinha, no médio Amazonas é governado por indígena, o que muito representa para afirmação do Direito desses povos que foram excluídos no curso da história. A conquista tem se ampliado, mas requer ainda vigilância total contra os oportunistas que a todo o momento querem silenciar as lideranças desses povos intermediando seus interesses em Brasília e em Fóruns internacionais, como forma de dominá-los por meio do favoritismo do poder da captação de recurso.

Resta-nos noticiar o quanto estas lideranças lutam por sua autonomia, buscando materializar seus projetos e quem sabe reconstruir um projeto comunal histórico que contemple Unidade na Diversidade orientada pela reciprocidade de Direito, tolerância e respeito veiculado por políticas reparadoras investindo na educação, saúde e etnodesenvolvimento desses povos, como verdadeiras muralhas das fronteiras do Estado Brasileiro. Da nossa parte continuamos em São Gabriel da Cachoeira, trabalhando com os professores os clássicos da política com determinação de se reinventar a Democracia na perspectiva dos ensinamentos de Boaventura de Souza.

(*) É professor, antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

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