domingo, 10 de julho de 2011

A QUEM INTERESSA A RECONSTRUÇÃO DA BR-319

Ronaldo Santos (*)

Manaus e entorno é uma das últimas, se não a única, região do Brasil que - a despeito do valor ambiental e econômico - continua “isolada” fisicamente do resto do país. A grande floresta e a calha do maior rio do mundo são as barreiras. Como a indústria local vive na base do transporte aéreo e fluvial, bandeiras foram levantadas por uma integração terrestre por rodovia.

Facilitaria o escoamento de produtos agrícolas, reduziria o custo de peças e insumos para o pólo industrial, abriria possibilidades de uma Amazônia integrada ao país – finalmente.

Na verdade, muitos cálculos depois, se viu que seria bom apenas para o ramo do transporte de passageiros – pouco impacto na logística (movimento de cargas) importante na indústria.

Os estudos disponíveis dizem haver mais prós do que contra (contido no EIA-RIMA produzido pela Universidade Federal do Amazonas). Contudo, setores ligados à pesquisa refutam os estudos e apresentam problemas e impactos – em especial os socioambientais. Tal pensamento respingou no IBAMA, que mandou refazer boa parte dos estudos.

Projeto Norte Competitivo: Mesmo um dos setores que mais poderia ter interesse na reabertura da rodovia mostra-se cético quanto aos seus benefícios. No estudo independente feito via Projeto Norte Competitivo a reabertura terrestre com Porto Velho pouco reduziria os custos no transporte (com seu pagamento apenas em 50 anos. Fonte: Fieam Noticias, n 51,2011, resumo aqui).

As rotas hidroviária e aéreas são mais atrativas – segundo os estudos de logística aliada a planos de longo prazo. Deste ponto de vista geoestratégico as conclusões se justificam e parecem fazer sentido: a rodovia Manaus – Porto Velho só seria gasto de dinheiro.

Mas e o povo? E o desejo de se conectar ao resto do país sem encarecer os custos de viagens fora do eixo logístico? Não seria então legítimo o desejo daqueles que a apóiam – ainda que sem uma visão macro e apenas de curtíssimo prazo?

Pouco valor: Um dado não foi ainda devidamente discutido, embora se saiba que sua relevância no todo não o justifica. O Projeto Norte Competitivo – no que diz respeito ao impacto da BR-319 - focou unicamente em produtos que alavancam o PIB e fazem parte do cardápio que o país tem a oferecer à exportação. Ao total, 16 cadeias produtivas, cerca de 50 produtos, que representam 95% de produzido na Amazônia Legal em 2008.

Os outros 5%, o que no fundo não geram renda atrativa, são as pequenas cadeias de produtos e não ligados ao pólo industrial, logo, pouco seria justificáveis. Estes têm logística mais simples; médias distâncias, ao longo da própria BR. São os produtos regionais, de pequena escala, agricultura familiar, não saem praticamente do Amazonas. Estes produtos teriam vida facilitada com a rodovia.

Indo ainda mais longe, em artigo sobre a BR, em 2009, argumentamos que para as localidades produtoras destas pequenas cadeias (ao longo da BR) “o argumento da proteção ambiental não tem tanta ressonância” – leia a íntegra. . Neste caso, não somente produtos do cotidiano dos ribeirinhos, mas mesmo alguns de médio interesse logístico (carne, madeira e frutas mais atrativas, como açaí).

Valores socioambientais: Claro que esta visão fria, analítica e puramente geoestratégica - como esta do Projeto Norte Competitivo - é pragmática e amplamente técnico-economicista. Não podia ser diferente, dado seus objetivos de gerar resultados. Daí o fato de que se perguntarem aos presidentes das Federações Estaduais das Indústrias sobre recuperar ou não a 319 – em privado – falarão que tanto faz.

A resposta pode mudar, uma vez que o mundo não vive somente de logística, de análises de macroeconomia e de balancetes corporativos a rodovia trará impactos mais adiante na vida especialmente da cidade. Manaus, ao fim e ao cabo, não continuará “isolada” do resto do país. O preço, como sempre, só virá no final do banquete.

(*) É engenheiro agrônomo, especialista em gestão ambiental e mestre em Ciências Florestais.

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