segunda-feira, 4 de julho de 2011

O ESTRUTURALISMO DE LÉVI-STRAUSS E A TRAMA DO MITO

Aquiles Pinheiro (*)

Partindo das idéias seminais de Ferdinand Saussure e do linguista Roman Jakobson, no período seguinte a segunda grande Guerra, Lévi-Strauss introduz os princípios do estruturalismo para uma ampla camada de cientistas dos mais variados ramos da Ciência, o que contribuiu para que o estruturalismo se universalizasse como um paradigma com força explicativa suficiente para explicar muitos dos fenômenos para os quais não a Ciência não havia dado ainda uma reposta satisfatória, sobretudo no campo das Ciências Humanas, e mais particularmente no da Antropologia e Etnologia.

Os livros “O Pensamento Selvagem”, “Tristes Trópicos”, “Antropologia Estrutural’ e “As Estruturas Elementares do Parentesco”, tiveram um alcance que transcendeu em muito aos interesses dos especialistas e curiosos da Antropologia, e desde então, o Estruturalismo de Lévi-Strauss tornou-se referência obrigatória na Filosofia, na Psicologia e Sociologia.

Foi a partir da análise das relações sociais, sob o enfoque de sua função estrutural, que Lévi-Strauss articulou as bases para o desenvolvimento estruturalista do conceito de cultura, recuperando o tema da “totalidade social”, agora sob uma nova perspectiva; a perspectiva estruturalista. Desse ponto de vista, Lévi-Strauss concebe a cultura como um conjunto de sistemas simbólicos, onde cada um deles sendo distinto do outro, estão integrados, formando uma “totalidade social”, conforme se pode inferir de suas palavras na Introdução ao Essai sur le Don (Ensaio sobre a dádiva) de Marcel Mauss:

Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos esses sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda das relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros. (LÉVI-STRAUSS In MAUSS, 1988 [1950], p. 9).

Portanto, pode-se dizer que o estruturalismo concebe a cultura essencialmente como sistema simbólico, ou como uma configuração de sistemas simbólicos, onde a ênfase é colocada sobre a lógica simbólica e nas conexões entre essa lógica e a estrutura social. Entretanto, na conexão entre o “pensado” e o “vivido” não há uma relação direta entre estrutura e realidade empírica, isto porque, não temos consciência imediata dos elementos estruturais e estruturantes da ordem vivida – do Social. Assim sendo, a passagem da ordem vivida (estrutura social como realidade empírica) para a ordem concebida (estrutura social como modelo abstrato) se faz pela investigação dos modelos inconscientes.

Nesse sentido, Lévi-Strauss, afirma:

O princípio fundamental é que a noção de estrutura não se remete à realidade empírica, e sim aos modelos construídos a partir dela. Fica assim aparente a diferença entre duas noções tão próximas que, muitas vezes foram confundidas, isto é, estrutura social e relações sociais. As relações sociais são a matéria-prima empregada para construção de modelos que tornam manifesta a própria estrutura social. (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 301, grifo meu).

Só para lembrar, um “modelo” é uma formulação analógica, uma aproximação. Sua característica mais importante diz respeito às suas possibilidades heurísticas, ou seja, a de favorecer o acesso a novos desenvolvimentos teóricos ou descobertas empíricas. Assim, quando o cientista não consegue resolver um problema ou compreender determinado fenômeno, (não importa se físico, químico, biológico ou social), recorre ao modelo. Em outras palavras, recortamos uma parte da realidade que nos cerca e construímos um modelo, o qual se bem construído, nos permitirá uma aproximação com o objeto que desejamos estudar e compreender, a exemplo de um arquiteto que constrói uma maquete do prédio que pretende construir.

Um dos méritos da Antropologia Estrutural de Lévi-Strauss foi o de ter estabelecido um método para tentar entender a história das sociedades não-ocidentais. Contrapondo o mito à história ele separou as sociedades humanas em “frias” e “quentes”. As primeiras, as sociedades “civilizadas” (ocidentais) movem-se dentro da história com “H” maiúsculo, e se baseiam na idéia de progresso, estando em constante transformação tecnológica. As segundas, as “não-civilizadas” (não-ocidentais), também referidas como “primitivas”, seriam impermeáveis ao fluxo histórico, orientando-se pelo modo mítico de pensar, sendo que o mito é definido por Lévi-Strauss, como “máquinas de suprimir o tempo”.

O que Lévi-Strauss quer dizer quando afirma que os mitos são máquinas de supressão do tempo? A meu ver, a melhor resposta nos é franqueada pela antropóloga Maria Lúcia Montes. Senão, vejamos:

Na verdade, o que Lévi-Strauss assim caracteriza é a existência de sociedades “quentes”, amigas da História, para as quais um tempo cumulativo é condição de transformação, mudança e progresso. Mas ao lado dessas sociedades, há que se reconhecer a existência de outras, as sociedades, as sociedades “frias”, onde a partir da própria base ecológica, organização social, cosmologia etc., se constroem verdadeiras máquinas de suprimir o tempo que são os mitos, como Lévi-Strauss os define. Esta é, pois para tais sociedades, uma forma de escamotear a mudança, mesmo enquanto está em curso, porque ela não é vista como uma coisa positiva. Na verdade, nessas sociedades, a mudança não é interpretada senão em função de um parâmetro anterior, de um tempo mítico, ao qual toda a história deve remeter (MONTES, 1996, p. 54).

Salvo entendimento equivocado da minha parte, a autora deixa claro, o modo como os mitos comprimem (metaforicamente falando) o tempo, ou seja, todo o devir das sociedades “frias” ou “sem história” esta referida e contida nos mitos. Entretanto isto não quer dizer que essas sociedades sejam infensas a mudanças, ainda que idealmente, a mudança seja considerada algo “negativo” para elas. Ao contrário, significa que toda e qualquer mudança que eventualmente possa ocorrer nessas sociedades podem ser explicadas pelos mitos.

Daí o interesse de Lévi-Strauss pelas narrativas mitológicas. Ele as compreendia como expressões legítimas das manifestações de desejos e projeções ocultas, e todas elas, segundo ele podem servir de matéria-prima legítima para a análise antropológica. Como é o caso dos seus estudos sobre os mitos (Mythologiques), onde as narrativas orais, na maioria das vezes, correm da esquerda para a direita num eixo diacrônico, numa cadeia sintagmática, num tempo não-reversível, enquanto que a estrutura do mito (por exemplo, o que trata do nascimento ou da morte de um herói), sobe e desce num eixo sincrônico, numa cadeia paradigmática, num tempo que é reversível.

Lévi-Strauss acreditava como E. B. Tylor, na “unidade do psiquismo humano”, ou seja, a idéia de que em toda a parte a mente humana funciona do mesmo modo ou segundo um mesmo padrão. Nesse sentido, o objetivo dos estudos das narrativas mitológicas, era provar que a estrutura dos mitos era idêntica em qualquer canto da Terra, confirmando assim que a estrutura mental da humanidade é a mesma, independentemente da raça, clima ou religião adotada ou praticada.

Ainda que os mitos, nada revelem sobre a ordem do mundo, servem muito bem para se entender sobre o funcionamento da cultura que o gerou e perpetuou. A mesma coisa aplica-se com o “totemismo”, poderoso instrumento simbólico do clã para reger o sistema de parentesco, regulando os matrimônios com a intenção de preservar o tabu do incesto (cada totem está associado a um grupo social determinado, a uma tribo ou clã, e todo o sistema de casamentos é estabelecido pelo entrecruzar dos que se filiam a totens diferentes).

Ao avaliar as estruturas profundas, subjacentes, que se ocultam por detrás dos fenômenos, escapando do primeiro olhar humano, o estruturalismo aproxima-se das visões de Marx sobre a infra-estrutura econômica e de Freud sobre o poder do inconsciente. Ambos, como se sabe, entendiam os fenômenos sociais ou comportamentais como obrigatoriamente condicionados por forças impessoais (em Marx, o Capitalismo; em Freud o Superego), deslocando, desde então, o problema do estudo da consciência ou das escolhas individuais para o quadro bem mais amplo, dos macro-sistemas.

Ao contrário da ciência de inclinação liberal, para as correntes citadas acima, o indivíduo pouco contava. Tal como o marxismo e o freudismo, o estruturalismo diminui a importância do que é singular, subjetivo, individual, retratando o ser, a pessoa humana, como resultante de uma construção, a consequência de sistemas impessoais (no marxismo o indivíduo é marionete do sistema capitalista, na psicanálise, se bem que amparado no ego, ele é regido pelos impulsos do inconsciente, e na antropologia estrutural pelas relações de parentesco determinadas pelo totemismo).

Concluindo, para Lévi-Strauss, os indivíduos nem produzem nem controlam os códigos e as convenções que regem e envolvem a existência social deles, sua vida mental ou experiência linguística (é o que Marx quis dizer quando afirmou que “os homens fazem a história, mas não estão conscientes disso”). Em consequência desse descaso do estruturalismo pela importância da pessoa, ou do assunto, por ter feito o homem desaparecer na complexa teia da organização social em que nasce e a que pertence, o estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss, foi considerado pelos seus críticos como um “anti-humanismo” ou uma “antropologia sem o homem”. Críticas a parte, o bom e velho estruturalismo de Lévi-Strauss, ainda é um dos solos mais firmes da Antropologia Social. Pelo menos essa é a minha opinião!

Referências:

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Tradução Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
_____. Introdução ao Ensaio sobre a dádiva. In MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Trad. António Filipe Marques. Lisboa: Edições 70, 1988 [1950].
MONTES, M. L. Raça e Identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia. In: SCHWARCZ, L. M.; QUEIROZ, R. S. (Orgs.). Raça e diversidade. São Paulo: EDUSP, 1996.

(*) É pesquisador do NCPAM e graduando de antropologia da UFAM.

Um comentário:

Franklin Arruda disse...

Olá ótimo texto, sou estudante de letras e ando revirando os teóricos e teorias antes durante e depois de Sassure, esse texto me caiu como uma luva enquanto fuçava a na internet, totalmente por acaso. Sou um apaixonado por linguística e estou enveredando pela Análise do Discurso, e o seu texto lembrou rapidamente, mesmo com todas as diferenciações, os conceitos deleuzianos de 'risoma', conceitos de Foucault sobre rede discursos e micro poderes e relacões. Muito obrigado pelo texto