terça-feira, 16 de agosto de 2011

EDUCAÇÃO E A PRODUÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS

"O excessivo convencionalismo do ensino tradicional contrasta aparentemente com o ávido interesse, público e privado, em transformar, massificar, encapsular e virtualizar a educação. Entretanto, são duas faces da mesma moeda: de um lado, a hierarquia, o abuso de poder, o engessamento criativo. De outro, as novas tecnologias que ajudam a recuperar o projeto político da integração total da universidade ao circuito produtivo. Nesse texto, discutimos os mitos e rumos da educação frente às novas tecnologias.

Vimos que atransformação da docência acadêmica em produto industrial traz graves riscos à qualidade e ao tipo da formação dos alunos, além de enfraquecer a universidade como local alternativo de pensamento, reflexão e produção de novas tecnologias no interesse público. Vimos também que muitas promessas exageradas do ensino on-line já começam a serem desmistificadas. Entretanto, nada disso indica para a desvalorização das novas tecnologias.

Devemos usar o que a internet oferece de novo e positivo: a anonimidade (para
jogos de aprendizado, por exemplo (BLIKSTEIN: 2001)), a eliminação de distâncias entre pessoas que têm (ou querem ter) um vínculo de relacionamento significativo, a possibilidade de criação e expressão pessoal, a descentralização da produção de conhecimento e de sua documentação, a ausência de formatos proprietários e as possibilidades de construção coletiva de projetos reais.

Outros elementos, que não lhe são tão particulares, dizem mais respeito à internet como mídia de transmissão de informações do que como matéria-prima de construção: a possibilidade de milhões de pessoas terem acesso a um página web, o suposto baixo custo, a falta de privacidade, o rastreamento das atividades dos usuários, o enorme tempo que gastamos teclando em vez de falar, a padronização, muitos dos softwares de inteligência artificial (agentes) que ao tentar ser inteligentes, mais aborrecem e limitam do que ajudam.

A internet é mais valiosa para a educação como matéria-prima de construção do que como mídia. Assim, em vez de entrar em um ambiente pré-construído, que os próprios alunos construam seus ambientes. Em vez de confiar a um grupo centralizado a produção de material didático, que os próprios alunos, de forma descentralizada, produzam documentação para ajudar outros alunos. Em vez de criar proibições, estimular as possibilidades e a responsabilidade cidadã de cada aprendiz. Em vez de testes de múltipla escolha, propor formas alternativas de avaliação qualitativa de projetos, e não de pedaços desconexos de informação. No lugar de massificar o que já existe, inaugurar um novo mundo de aprendizado onde a personalização não seja um mero narcisismo consumista, mas possibilidade de expressão e colaboração. Em vez da preponderância exclusiva da visão negocial, a recuperação e valorização de sua função pública, inclusiva e de resistência.

Apesar da implosão da bolha da Internet ter evidenciado os exageros daquela época, nossa empolgação naqueles anos dourados tem um sentido positivo. Quantos de nós não tivemos uma grande idéia para um site? Quantos não passaram noites em claro, imaginando um grande projeto? Isso mostra que, quando percebemos a luz da oportunidade, nosso espírito criativo e empreendedor renasce. É exatamente isso que devemos cultivar na educação, seja on-line ou presencial: esse brilho nos olhos, que se vê em crianças e adultos quando vislumbram a possibilidade de atuar no mundo, empreender projetos, melhorar a vida das pessoas, imaginar o que não existe, subverter a ordem, construir, destruir e reconstruir.

Que cantem, as sereias: a única educação que faz sentido é a que nos faz mudar o mundo".

Consulte:http://www.blikstein.com/paulo/documents/books/BliksteinZuffo-MermaidsOfE-Teaching-OnlineEducation.pdf


O Brasil está avançando, mas precisamos de um consenso nacional sobre o que queremos, Paulo Blikstein.

Mariana Mandelli (*)

Aos 39 anos, o brasileiro Paulo Blikstein tem muitas conquistas no currículo. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), ele é professor da Universidade de Stanford e acaba de ganhar o Early Career Award, da National Science Foundation (NSF).

O prêmio é um dos mais importantes dos Estados Unidos e é concedido a jovens docentes. Blikstein receberá US$ 600 mil para investir em seu projeto, que consiste numa forma inovadora de ensinar conteúdos avançados de ciências nos ensinos fundamental e médio.

"Esse prêmio significa o reconhecimento, mesmo por uma instituição relativamente conservadora, de que as ideias que defendo são possíveis", disse. Ele vai participar do encontro internacional de educação Sala Mundo Curitiba 2011, nos dias 17 e 18.

Paulo Blikstein é mestre pelo MIT Media Lab e doutor pela Northwestern University. Hoje, dá aula nas áreas de educação e de engenharia da Universidade de Stanford, onde dirige um dos principais laboratórios de tecnologia educacional dos EUA.

Confira a entrevista que ele concedeu ao Estadão.

No que consiste a pesquisa?
Ciência de ponta não é feita mais só com tubos de ensaio, é feita com tubos de ensaio conectados a computadores, que rodam modelos matemáticos. O que eu fiz foi trazer isso para a escola, trazer ciência de ponta para o aluno. Chega de ciência da década de 30. E o meu projeto é fazer o equipamento custar o mesmo que um livro didático, e ser de código totalmente aberto e público. Teremos quatro universidades americanas implementando o protótipo em escolas secundárias a partir de 2012, além de escolas na Tailândia e na Rússia.

Como a ciência pode ajudar a despertar o interesse do aluno pela escola

Ciência é um instrumento de cidadania. Os problemas do mundo moderno são muito mais complexos que antes - aquecimento global, neurociência, etc. Precisamos entender tudo isso para votar, participar do debate público. Mas para criarmos mais cientistas e engenheiros, temos de ensinar de um jeito motivador, fazer o aluno gostar de ciência e engenharia. Boa parte do meu trabalho é criar formas de ensinar ciência e matemática com o que chamamos de "motivação intrínseca". Você já ouviu falar de alguém que virou ator mas detestava as aulas de teatro?

Como podemos aplicar isso no Brasil?
Muita gente acha que no Brasil só podemos fazer o básico porque não há dinheiro para a educação, muito menos para tecnologia. Não é verdade. Há dez anos me disseram que não dava para fazer robótica educacional no Brasil porque os kits custavam US$ 300. Eu voltei para o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, com meu colega Arnan Sipitakiat, fiz uma placa de robótica de US$ 20, a GoGo Board.

Como você vê a educação no Brasil hoje?
O Brasil está avançando, mas precisamos de um consenso nacional sobre o que queremos. Às vezes queremos imitar Cingapura, outras vezes a Holanda, sendo que esses países têm sistemas completamente diferentes. Ficamos correndo atrás de rankings internacionais do mesmo jeito que corremos atrás do ranking da Fifa, sem saber o que eles medem. Hoje temos uma chance rara - com todo o crescimento econômico da última década, podemos reinventar a educação brasileira. Poucos países têm essa chance. Mas precisamos parar e pensar o que queremos, a escola da Coreia do Sul, baseada na decoreba, ou a da Finlândia, baseada na liberdade do aluno e do professor. Os dois são líderes. Precisamos fazer escolhas.

Quais são os nossos principais problemas na educação básica?
Uma parte da educação pode ser padronizada, uma parte não pode, depende do nível de renda, da família, da região, da cultura. Para isso, precisamos de professores treinados para fazer as duas partes - a parte mais técnica, de ensinar o currículo, e a parte mais sofisticada, de adaptar o currículo à realidade local. Professor autômato não funciona.

Você pretende trazer seus projetos para o Brasil?
Adoraria, mas quando estiverem no ponto certo. Vou implementá-los na Rússia, na Tailândia, por que não no Brasil? Só precisamos de bons parceiros. Meu sonho é ajudar a educação brasileira. Continuo desenvolvendo tecnologia de baixo custo, justamente por isso.

(*) É da equipe do Estadão.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-brasil-precisa-de-consenso-sobre-o-que-quer-na-educacao,758532,0.htm

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