quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O BERÇO DO HERÓI MÍTICO DO POVO BARÉ

Aquiles Pinheiro (*)

A Serra do Jacuruaru é, também, o lugar onde segundo a narrativa, teria nascido Poronominare, herói mítico do povo Baré. Conta a mito, que Kauará, avô de Poronominare queria muito ver o neto, mas não conseguia subir as encostas da Serra, então, como também era pajé, transformou-se num Teiú, uma espécie de lagarto, mas foi transformado em pedra, daí o nome da Serra, pois de certo ângulo, as sua encostas lembram a forma desse lagarto.

Segundo a tradição Baré, Poronominare significa “deus da criação” e é representado em uma pequena rã de inverno, que também é símbolo da fertilidade (muiraquitã) (PERES, 2003). Poronominare é considerado o herói cultural e legislador do povo Baré. Segundo a tradição, a filha do pajé Kauará saiu para procurá-lo e perdeu-se na mata. À noite desceu um vulto saído da lua e a fecundou. Posteriormente, ela sonhou com o filho que: “[...] era transparente, preto seu cabello, veiu fallando”. No sonho, ela teria parido o bebê em cima de uma Serra, com ajuda de outros animais que festejaram o nascimento do belo Poronominare (AMORIM, 1987, p. 174).

Poronominare é dono da terra, foi ele que criou todos os seres e designou o lugar em cada espécie deveria habitar. Ele teria ainda distribuído os parentes (outras etnias), formando os clãs de diversos grupos indígenas. Transcrevo a seguir, a parte final do mito Myra Baré[1] (Povo Baré), coletada e traduzida do Nheengatu para o Português, por Antonio Brandão de Amorim a pedido do conde italiano Hermano Stradelli:

113 – Já de manhã cedo, contam, o velho acordou-se espantado de ouvir barulho grande, perguntou aos animaes:
114 – Que então passa no meio de nós?
115 – Todos responderam:
116 – Nasceu Poronominare, dono da terra, dono do céo.
117 – Onde?
118 – Em cima da Serra do Jacami.
119 – Immediatamente, contam, o velho partiu para a Serra do Jacami, quando chegou no tronco não pode subir porque também porções de animaes estavam por lá.
120 – Elle virou-se, contam, Jacuruarú, subiu.
121 – Poronominare estava sentado no cimo da Serra com uma sarabatana na mão.
122 – Estava dividindo a terra, mostrando a cada animal seu logar.
123 – Assim, contam, anoiteceu, quando o outro dia apareceu tudo estava calado na Serra do Jacami, sómente a figura d’um jacuruaru grande estava encostado na pedra.
124 – Longe, para o lado em que o Sol se deita, a gente ouvia a cantiga da mãe de Poronominare.
125 – Era Ella, contam, que cantava, enquanto as borboletas a iam levando para o céo (AMORIM, [1865], 1987 pp.171-176).

A visão mítica que faz referência à Poronominare como herói cultural dos Baré, conduz-nos a uma reflexão sobre o modo como cada grupo, valendo-se de valores e categorias próprias, constrói o seu território. Nesse caso, a narrativa mítica faz referência a um lugar (a Serra do Jacuruarú), onde ocorreram eventos marcantes para a história e a identidade do povo Baré. Esse lugar está associado à própria origem dos seres humanos e do mundo. Os locais de origem são evocados em vários mitos, cuja narração procura reconstituir a criação do cosmos e é geralmente praticada em contextos de rituais de cura. Reviver o mito, portanto, é reconfigurar a geografia ancestral.

(*) É mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas. Membro colaborado do NCPAM.

[1] A íntegra da narrativa pode ser encontrada no livro Lendas em Nheengatu e Português (1987), da coleção “Hiléia Amazônica”, v. 6, p. 171-176, publicado pela Associação Comercial do Amazonas – ACA. O texto, uma coletânea de lendas amazônicas coletadas na bacia do rio Negro, é de autoria de Antonio Brandão de Amorim.

Foto: Aquiles Pinheiro.

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