quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"SAUDADE DO SERINGAL"

Ellza Souza (*)

O programa Na Terra de Ajuricaba costuma nos brindar com temas importantes para o esclarecimento das peculiaridades de nosso povo. Muitas vezes não prestamos atenção no desenrolar da história e até tentamos colocar “panos quentes” nos fatos ou lendas que compõem o nosso perfil. Atualmente não só o Amazonas mas o país inteiro tem muita coisa que não merece ser lembrada e mesmo assim tem que ser conhecida para o amadurecimento de uma sociedade como a nossa onde só damos valor ao que vem “de fora”.

Voltando ao programa, o tema da última sexta feira, 24 de setembro, era a economia da borracha comentada por George Conceição, 60 anos, administrador de empresa, que nasceu num seringal chamado Bom Jardim, no médio rio Juruá, município de Eirunepé a 1.200 km de Manaus. Filho e neto de soldado da borracha, Conceição reconhece ter saudade dos tempos vividos no seringal. Para o administrador os “brabos” ou soldados que vieram para o Amazonas atendendo ao presidente Getúlio Vargas, tinham algum conhecimento e no convívio diário eram dóceis apesar do apelido. O seu trabalho era feito nas seringueiras da várzea por perto do chamado “barracão” para que fossem aproveitados em outras atividades para as quais tivessem habilidade. Aqueles seringueiros que não tivessem nenhum conhecimento iam para as estradas vicinais e sofriam todo tipo de dificuldade. Diariamente coletavam e defumavam a sua própria borracha enfrentando uma floresta adversa e impiedosa para quem não tinha experiência.

Segundo o Conceição, as festas no seringal sempre resultavam num morto. Por qualquer motivo se puxava uma peixeira ou facão. O homem profundamente reprimido em todos os sentidos, ao participar das festas no seringal, que geralmente acontecia na casa de um desses trabalhadores e onde rolava muita cachaça, não aceitavam uma desfeita das raras mulheres que participavam desses festejos e partiam pra briga mesmo. A punição quase sempre era decidida pelo dono ou gerente do negócio. O matador, se fosse preso, era por pouco tempo. A maioria dos crimes era por assédio a mulher dos outros. Quem tivesse sua mulher que a guardasse bem guardada. Ferreira de Castro em seu romance A Selva, baseado em sua experiência na floresta, se refere ao sexo até com animais.

“A partir da Zona Franca negou-se toda a produção anterior da borracha que ficou sem preço”, diz Conceição. A partir da Zona Franca mudou o rumo do desenvolvimento no Amazonas e a borracha, levada para outros lugares com a conivência das autoridades da época, ficou de fora da economia do Estado. A tendência hoje é de volta mas o preço determinado pelo governo “é aviltante”. O governo não tem pulso firme para estipular um preço mínimo. O professor Samuel Benchimol já dizia “a floresta tem valor mas não tem preço” e “a biodiversidade tem valor incalculável”. George Conceição afirma que “hoje o Juruá pode chegar a uma produção de 500 toneladas em 3 anos mas precisa ter preço e dignidade para o trabalhador” que considera a questão não só pelo aspecto do mercado mas também da geopolítica.

Como o mundo moderno tem pressa de tudo inclusive de lucro, o desafio é grande para o homem voltar ao campo e enfrentar essa atividade que já nos deu muita riqueza mas muito sofrimento também. “O lucro não é imediato e o apoio do Estado é fundamental”, diz o administrador que com sua experiência entende que o governo precisa instalar uma certa infraestrutura com a construção de pequenas vilas para o trabalhador não ficar abandonado nas mãos dos seringalistas como já aconteceu no passado. Ele acha também que tem que haver controle do Estado na relação patrão-empregado e capacitação desse trabalhador por parte da UFAM e da UEA.

Finalizando a entrevista, o professor Ademir Ramos salientou que precisamos “reconstruir essa economia de mercado da borracha sem o saudosismo” que nos é peculiar. Acho que precisamos sim é aprender com os nossos erros e reavaliar a maneira como manejamos os nossos produtos florestais e entender de uma vez por todas que ela é o nosso “ganha-pão” e merece respeito. Se formos pra cima com a intenção de acabar com a floresta, muito antes ela acaba com a gente. Isso é com a floresta, com o rio, com o mar, com os animais, com as pedras. Precisamos chegar a um consenso de convivência pacífica com a natureza.

(*) É joranalista, escritoria e articulista do NCPAM/UFAM.

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