quarta-feira, 2 de novembro de 2011

JATUARANA, UMA COMUNIDADE SITIADA

Ellza Souza (*)

Jatuarana (nome de peixe) é uma comunidade na beira do rio Amazonas onde já viveram cerca de 200 famílias pacificamente e que plantavam macaxeira, faziam farinha, tinham criações, pescavam e colhiam muitas frutas nativas de seus quintais como o cubiu, açaí, buriti, manga, cupuaçu e tantas outras espécies amazônicas. Essas pessoas estão ali desde o século dezenove mas existem indícios de civilizações bem mais antigas no local. Fui visitar a comunidade pois queria ouvir as pessoas e tentar entender o porque do conflito com o Exército Brasileiro que há alguns anos acabou com o sossego da comunidade que pelas datas encontradas no cemitério já existe deste 1880.

Segundo comprovação em Diário Oficial houve realmente uma doação dessas terras para o Exército mas sem levar em conta os moradores que historicamente já se encontravam ali. Se são terras devolutas como diz o Diário Oficial, sem uso e sem qualquer titulação (o que não condiz com os documentos apresentados pelos comunitários), existe então um limite territorial ou seja, 5 mil metros acima da beira do rio, terra firme adentro e com bastante floresta para treinamentos militares que corresponde a área de terras doada pelo governo estadual da época à União, o que não colocaria em risco a existência das pessoas que vivem à margem do grande rio.

O problema começou quando em 1997, segundo Doramir Cunha, líder da comunidade, o Exército se instalou no local se valendo de uma demarcação incompreensível feita pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Toda aquela beirada do rio Amazonas, do Puraquequara ao Paraná da Eva foi demarcada então pelas forças militares o que provocou um conflito desigual entre o poder e os pequenos agricultores e pescadores que vivem pacificamente naquelas comunidades. A revolta dos ribeirinhos é que com os militares ali instalados fica a falsa impressão de que eles são os invasores com restrições de toda ordem a cumprir e sujeitos a levar bala “de verdade” pois os treinamentos são feitos em plena comunidade sem qualquer responsabilidade por parte do comando militar.

O cemitério, aliás, é um ponto histórico de referência e o Exército ao se instalar na área em 1997 construiu sua base bem atrás do mesmo, um lugar alto, de destaque que deve funcionar como um ponto de fiscalização. O que fará o Exército ou melhor explicando, o CIGS(Centro de Infantaria de Guerra na Selva) em Jatuarana, numa área bem na beira do rio e próximo de um local “santo”? É para vigiar os defuntos ou para cuidar dos vivos? Aliás a comunidade está proibida, segundo os moradores, de enterrar em paz os seus mortos. Como os comunitários reclamam e com razão que lugar de treinamento de guerra na selva é pra ser na floresta como sempre foi e não fazer treinamento com soldados armados no meio de uma comunidade produtiva na beira do rio e com pressões e truculência querer acabar com a vida pacífica de tantas famílias, velhos, jovens e crianças. Com a situação desvairada do conflito muitos fugiram do local com medo de retaliação por parte dos militares.

Doramir Cunha ou Radir, presidente da associação de moradores, 64 anos, “nascido e criado naquelas terras” tenta um acordo e já enviou ao Cigs a nova cartografia que delimita claramente as terras do Exército e as terras da comunidade. Ele comprova com documentos que é dono de seu terreno e possui título definitivo de 1903 que os militares alegam ser “caduco”. Testemunhas que são descendentes de quem viveu ali durante muito tempo e outros que escolheram aquele lugar para viver, plantar, produzir e não o escolheram para nascer, querem continuar ali com dignidade e não ser expulsos como se fossem invasores de suas próprias terras. Já existe um processo no Ministério Público que corre lentamente e enquanto isso a população sofre.

A luz que seria para todos, há seis anos não chega em Jatuarana. Segundo os moradores, o Exército não permite tal benefício por considerar ali uma área de selva, prejudicando a todos principalmente as crianças que estudam mas ficam sem merenda que estraga por falta de conservação. Merenda, remédios, muitos produtos de primeira necessidade são jogados fora deixando a população sem poder produzir mais, vender sua produção e ter um mínimo de conforto com a tão propalada luz a que todos têm direito conforme alega a propaganda de governo.

Aí fica a dúvida quanto ao discurso das autoridades em relação ao êxodo rural e as invasões que acontecem na capital. As pessoas querem viver em seu local de nascimento mas produzindo, plantando, colhendo, pescando, fazendo sua farinha, curtindo a placidez do rio, deslizando com suas canoas nos grandes lagos e igarapés, vivendo com dignidade e em harmonia com a natureza pois ninguém melhor que o ribeirinho, caboclo acostumado com as águas e a floresta, para saber o que pode e o que não pode desmatar e pescar. Expulsá-los de suas comunidades é um ato de violência que não cabe mais no mundo de hoje tendo em vista os numerosos exemplos que sabemos não acabar bem.

Observei durante a viagem de carro até a comunidade São Sebastião à beira do lago de Puraquaquara, onde embarquei na voadeira para Jatuarana, algumas disparidades consentidas pelas autoridades. Fábricas do distrito 2, 3 e sabe-se lá quantos mais desmatam e jogam seus detritos tóxicos nos lagos e rios. Para a construção de seus galpões passam o trator na vegetação e aterram preciosos olhos dágua sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. As ruas do bairro como a Colônia Antonio Aleixo, um belo lugar à frente do Encontro das Águas, com árvores frondosas, lagos, pequenas colinas, são estreitas e mal traçadas. E o absurdo contra a cidadania foi a construção de um conjunto residencial o “Cidadão 9” com moradas exíguas na estrada Antonio Aleixo numa área de castanheiras onde foram sacrificadas muitas dessas gigantescas árvores num crime ambiental sem precedentes.

Também à beira do lago Puraquequara existe um esqueleto de madeiras nobres conhecido como Ilha da Fantasia, projeto de um empresário “visionário” e abandonado, certamente, por não render o que o dono previa. Achei intrigante também as pessoas relatarem que grandes áreas na beira do rio são de propriedade do Janjão, dono de posto de gasolina e diesel n cidade e no rio, que transformou o seu filho em político. Não vi projetos para o desenvolvimento social e em harmonia com a natureza, respeitando a dignidade daqueles ribeirinhos.

Os exemplos tem que vir das autoridades, dos políticos pagos para encaminharem bons projetos para a sociedade da qual eles fazem parte. O que acontece é que o melhor é do funcionário chamado político e o pior vai para o povo para deixar de ser burro na hora de votar.

Segundo informações levantadas, o interesse do Exército pelas terras do Puraquequara é que a instituição futuramente vai desocupar a área da Ponta Negra num acordo com o governo do Estado que pretende fazer dali um bairro nobre da cidade ao repassar (?) aqueles bem tratados terrenos a especulação imobiliária. Considero o Exército uma instituição séria mas a sociedade precisa entender o que tem de verdade em tudo isso e muita coisa precisa ser esclarecida. Se às vezes herdamos os olhos claros não significa que somos estrangeiros, como bem queria, o comandante militar ao olhar para os olhos de um comunitário duvidando de sua caboquice, é porque invasores europeus de outros tempos andaram por estas paragens impondo a lei do mais forte com truculência e agressividade. Não podemos repetir os mesmos erros numa demonstração de burrice sem tamanho.

(*) É jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.

Fotos: Do pesquisador Valter Calheiros.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns admirável jornalista, por sua atenção e coragem para com esta situação.
Se muitas outras pessoas de influência como você tivesse essa atenção e interesse, de ir lá, ver e ouvir essa história de perto, e em seguida agir, com certeza tudo estaria resolvido. Porém, como mencionei no início, é preciso ter coragem para tratar desse assunto, apesar de teoricamente divulgarem a extinção da ditadura militar, ela está muito viva e sendo aplicada nestas comunidades ocupadas inadequadamente pelo CIGS.
Os promotores destas truculências após praticarem seus atos terroristas com os ribeirinhos, os ameaçam com processos, IBAMA, IPAAM,etc. Caso eles façam denúncia ou peçam ajuda à alguém.
Mais uma vez parabéns e obrigado por seu caráter e profissionalismo.

Anônimo disse...

kkkkkk é ironico alguem dar voz a este Senhor que devia ter vergonha na cara por sua idade e vive na pilantragem mentindo descaradamente sobre o numero de familias que não passa de 40, segundo os registros da própria comunidade,falar de um cemitério que 'so é usado como peça de manobra,porque cuidado não existe ali, tanto que as sepulturas estão sendo engolidas pelo Rio e o tal lider de coisa nenhuma nãotoma uma providencia ele não cita que o Exército quer legalizar o Cemintério ele não cita a venda do terreno da Escola local para a prefeitura caracterizando a grilagem de terras da União, ele não cita as imagens de satélite de 2009, onde 120,000 metros quadrados de mata foram derrubados e nada foi produzido, ele nào cita que para a luz entrar a ocupação deve ser regularizada e que alias ja foi em parte, mas falta a familia do dito, que quer terras muito maiores que os outros moradores, ele não cita o flutuante feito com madeira retirada com autorização do Exército que era pra ser pra comunidade e ele vendeu sem dar satisfação a ninguem, ele não cita que não falta diesel pra tocar o gerador que conserva tudo aquilo que ele diz que estraga. dar credibilidade a um homem desse só porque tem uma certa idade é ingenuidade, para ser de má indole não tem idade.

Anônimo disse...

Absurdo fazer uma matéria unilateral.
por um acaso o Exercito foi consultado?
um comentário medíocre falando em ditadura como esse é lamentável vivemos em outros tempos só quem teme as forças armadas são os que andam a margem da lei os homens de bem não temem uma instituição séria como o Exército.