terça-feira, 23 de outubro de 2012


MANAUS, DA FUNDAÇÃO À CATEGORIA DE CIDADE

Nesta quarta-feira (24) de outubro é feriado em Manaus, quando celebramos a elevação à categoria de Cidade, datada de 24 de outubro de 1848. No entanto, recorrem-se constantemente ao marco fundador de 1669, relativo à construção da Fortaleza de São José do Rio Negro, totalizando, dessa feita, os 343 anos de fundação. Contudo, se recorrermos a etnohistória dos povos indígenas, essas balizas cronológicas apresentadas tornam-se relativas se confrontadas com a ocupação, vestígios e afirmação territorial das nações indígenas no território Amazônico.     

                                                      Ademir Ramos (*)

A Cidade tem sido para os homens o cantinho do mundo. Nesse território, as pessoas passaram a construir espaços e instituir relações de forma estruturante capazes de definir sua cultura e identidade, fazendo-se reconhecer por seus valores e práticas historicamente determinadas.

A organização política das cidades modernas centradas no antagonismo entre o capital e trabalho tem gerado perversa desigualdade social, promotora de exclusão e estigmatização entre os homens, que por sua vez integram-se de modo diferenciados à sociedade urbana.

Em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, Engels constata que “todas as grandes cidades possuem um ou vários ‘bairros de má reputação’ – onde se concentra a classe operária. É certo que é freqüente a pobreza morar em vielas escondidas, muito perto dos palácios dos ricos, mas, em geral designaram-lhe um lugar à parte, onde ao abrigo dos olhares das classes mais felizes, tem de se safar sozinha, melhor ou pior”.

A nossa Manaus não é diferente, seus governantes pouco ou nada fizeram para minimizar a desigualdade e muito menos combater a alienação cultural implantada nesse território à margem esquerda do rio Negro circundado pelo verde da floresta. Fundada a mando do capitão Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho, então governador do Maranhão e Grão-Pará, em 1669, data em que se inicia a construção da Fortaleza de São José do Rio Negro sob a lógica geoestratégica dos colonizadores portugueses.

Mas, “a importância de sua situação na confluência dos grandes rios, que dispõem as três divisões naturais da Comarca, e a constitui o entreposto do Solimões e Rio Negro, proporcionou-lhe  engrandecimento, que cresceu de prompto com a sabia determinação do Governador da Capitania, Manoel da Gama Lobo d’Almada, de transladar para este lugar a Capitania, em 1790, que até então fora em Barcelos”, assim registra, em seu “Dicionário Topográfico, Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas”, de 1852, Lourenço da Silva Araújo e Amazonas.

Registra-se também, entre tantos golpes tramados contra o Governador Lobo d’Almada e, indiretamente contra o povo da Fortaleza, popularmente chamada de Lugar da Barra do Rio Negro, promovidos pelo Governador D. Francisco de Souza Coutinho, o derradeiro foi à ordem lavrada na Carta Régia de 2 de agosto de 1798, para transladar a sede da Capitania a Barcelos, o que motivou a decadência do Lugar da Barra.

Passado os anos, com a explosão da Cabanagem (1835 a 1839) instaura-se definitivamente na região uma instabilidade econômica perturbando toda ordem imperial na Amazônia. Nessa conjuntura, em 08 de abril de 1839, o general português Francisco José de Souza Soares Andréia, em passagem de cargo ao seu sucessor, o juiz de direito, Bernardo de Souza Franco, afirmara que: “nestá província está restabelecida à ordem depois de três anos de continuados esforços e fadigas”.

No entanto, segundo o sociólogo Di Paolo, em sua obra “Cabanagem: a revolução popular da Amazônia”, registra-se também, o alerta do truculento general Andréia, sobre algumas exceções: “no Amazonas e seus distritos, só se pode conservar a paz com as armas na mão, particularmente no Rio Madeira, onde os índios não estão completamente obedientes”.

Sem muita escolha, o Presidente da Província do Pará Souza Franco solicita do Governo Imperial “anistia excepcional” para resgatar a legalidade. Esta, por sua vez, foi concedida por meio do decreto de 4 de novembro de 1839, o que levou vários grupos cabanos a depor as armas, como fizeram os índios do Alto Amazonas, que optaram pelo fim da hostilidade.

Com fim da cabanagem, a Província timidamente reinicia um novo ordenamento institucional baixando novos atos, como a elevação de Manaus à categoria de cidade nomeada como Cidade de nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, através da lei nº 145, de 24 de outubro de 1848.

Em suas homenagens exige-se respeito dos governantes quanto ao tratamento dado à Cidade e ao seu povo, na perspectiva de se construir efetivamente uma relação socialmente justa e culturalmente sustentável.

Manaus é nossa morada, devendo ser amada e valorizada por sua cartografia específica ladeada pelas águas e florestas, marcada pela cultura de sua gente. Para compreender a cidade é necessário avaliar as políticas públicas de seus governantes e o compromisso de seus parlamentares.

Não basta somente isso, o importante é examinar o quanto o seu povo, sua gente, seus usuários a conhecem para amá-la e respeitá-la com propósito  de garantir a qualidade mais de sua gente, contra a corrupção e a impunidade, promovendo a vida saudável da cidade como manifestação da cidadania participativa, a recorrer aos instrumentos democráticos para garantir o prazer, a satisfação de se viver com dignidade e respeito na Manaus do presente, que tanto amamos e desejamos construir para as futuras gerações.

NB. Texto republicado com revisão.

(*) É professor, antropólogo, coordenador do projeto jaraqui e do NCPAM/UFAM. 

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