sexta-feira, 4 de abril de 2008

Por que estudar a cultura indígena e afro-brasileira?


* Khemerson de Melo Macedo

Os currículos escolares, tradicionalmente, sempre trabalham a História Geral e a História do Brasil, a partir de uma postura eurocêntrica, tendendo a olhar os povos indígenas e afros sempre com um esgar de olhos que deflagram um descaso com a riqueza e a complexidade dessas culturas. Historicamente, passamos a interpretar a História Oficial de nosso país a partir do ponto de vista da classe dominante, o que condenou à ignorância a contribuição cultural, social, política e econômica que os negros e os índios, em suas respectivas conjunturas, legaram ao Brasil.

Disse, em meu artigo Sociedade Anônima que:

“Os verdadeiros protagonistas da História não são aqueles que aparecem nos livros; são anônimos, estão nos recônditos dos mais diferentes espaços geográficos, esquecidos pelos historiadores e lembrados apenas pela memória de seus pares; são construtores, lutando cotidianamente contra as injustiças que teimam em persegui-los”.

Esse trecho evoca diretamente a história dos afro-descendentes e dos indígenas. Legados à condição de mão-de-obra barata e servil, presos em suas senzalas e aldeias, negros e índios sempre caminharam pelos recônditos da História, paralelo às transformações sociais, econômicas e políticas que aconteciam no Brasil litorâneo. Brasil esse forjado pelos grandes ciclos econômicos e transformações políticas diversas. O que esse Brasil não assume (porque no fundo ele sabe) é que o grande construtor da sociedade brasileira sempre foram seus inúmeros coadjuvantes, forjando uma nação a partir da resistência, dos sincretismos e da miscigenação.

Octávio Ianni dizia que a cada época histórica o Brasil debruça-se sobre a questão nacional. Essa preocupação resulta do fato de que nossos intérpretes sempre sentem a necessidade de problematizar a formação da sociedade brasileira, justamente para poder entender o presente e compreender nossa verdadeira identidade nacional. Na maioria das vezes, a empreitada torna-se difícil, pois estes se deparam com a questão da diversidade cultural no caminho. É como se a problemática acerca da identidade nacional fosse representada por um enorme “quebra-cabeças”, um mosaico no qual, na medida em que fossemos juntando as peças, novas lacunas surgiriam, impedindo uma percepção clara do problema, mas ao mesmo tempo dando uma dimensão múltipla do tema.

Neste sentido, surge uma questão importante: a formação do povo brasileiro está atrelada incondicionalmente à tensa relação entre a classe dominante e a classe subalterna. Legados à condição de força de trabalho escrava, negros e índios resistiam aos desmandos dos patrões, em certos momentos, a partir do enfrentamento, mas a estratégia adotada, mesmo que inconscientemente, era sempre silenciosa. A contribuição desses povos está nos costumes, comidas típicas, modos de vestir, sotaques, práticas culturais únicas, sincretismo religioso, peças preciosas do grande mosaico em que se tornou o Brasil.

Os “esquecidos da história”, como já lembrei acima, adotaram inconscientemente, a estratégia da memória, passando de geração em geração suas culturas, seu capital simbólico próprio, onde não precisam de registros impressos para se fazer entender. Não precisam da legitimidade da elite, bastam ser “lembrados pelos pares”. Isso já é suficiente para que se forje uma grande nação!

Estudar a “História da cultura afro-brasileira e indígena” requer revisar aquilo que já se falou sobre negros e índios, buscando considerar a contribuição destes na formação da sociedade brasileira. Tudo que for estranho aos nossos olhos, tem que ser investigado a fundo. No final, outra visão será construída.

O importante é que essa nova visão não se constitua como verdade absoluta, mas que se constitua como ferramenta para seguirmos em frente, em busca de novas respostas e desarmados de qualquer tipo de preconceito e estranhamento. Lembremos que o mosaico nunca se completa, o “quebra-cabeças” que não se soluciona justamente por compreender sua própria complexidade. Afinal de contas, não é assim que a ciência sempre agiu?


* Coordenador Geral de Projetos do NCPAM, finalista em Ciências Sociais pela UFAM.

AVISO: Os artigos publicados com assinaturas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e podem ser reproduzidos com a devida citação da fonte.

2 comentários:

Anônimo disse...

PARABÉNS PELO ARTIGO E PELA NOVA PÁGINA NA INTERNET, DEIXANDO A AMIZADE DE LADO, CONSIDERO SEU ARTIGO COMO UM PONTO DE INFLEXÃO IMPORTANTE SOBRE O TEMA DA EDUCAÇÃO EM NOSSO PAÍS. INFELIZMENTE AS IDÉIAS DE UM NATIVISMO CULTURALISTA - HORRÍVEL -, QUE KHEMERSON NÃO COMPARTILHA, AINDA ESTÁ PRESENTE NA MENTE MUITOS EDUCADORES. O TEMA DA INCLUSÃO DOS NEGROS E DOS INDÍGENAS NOS CURRÍCULOS PASSA, ANTES DE TUDO, POR UM PROCESSO HISTÓRICO SOBRE A NOSSA FORMAÇÃO SOCIAL NO QUE GORENDER CHAMA DE ESCRAVISMO COLONIAL. OUTRO PROBLEMA: NÃO ADIANTA INCLUIR OS TEMAS SE OS PROFESSORES NÃO TÊM FORMAÇÃO SÓLIDA SOBRE O ASSUNTO. PÉSSIMOS PROFESSORES DE SOCIOLOGIA E HISTÓRIA, PARA FICAR POR AÍ, REPRODUZIRAM MONSTRUOSIDADES EM SALA DE AULA. IMAGINA O PROBLEMA. OUTRO PROBLEMA, QUE TALVEZ SEJA MAIS SÉRIO AINDA. DAÍ A RELEVÂNCIA DE DISCUTIRMOS ESSES PROBLEMAS NA SUA RADICALIDADE NECESSÁRIA, A FIM DE CRIARMOS UMA PEDAGOGIA LIBERTÁRIA - E KHEMERSON É UM PEDAGOGO NESSE SENTIDO -, QUE POSSA CRIAR OS ALICERCES DE UM PAÍS DEMÓCRÁTICO E IGUALITÁRIO. UMA ABRAÇO. BRENO RODRIGO

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o seu comentário, Breno. Afinal, discutir a inclusão da história e da contribuição dos povos indígenas e dos afro-descendentes nos currículos escolares, requer, necessariamente, rediscutir o modelo educacional que aí está. Precisamos compreender a formação social, cultural, economica e política brasileira a partir da contribuição direta desses atores, legados ao esquecimento ou pior, ao deboche e às práticas racistas. Precisamos compreender sua história a partir da oralidade dos respectivos mestres, verdadeiras bibliotecas ambulantes, detentores de suas tradições. A contribuição que o Núcleo de Cultura Política almeja reside justamente nesse ponto, como diferencial importante. Precisamos esquecer os modelos 'tradicionais estereotipados', adotar a postura 'libertária', como bem salientou Breno, por os pingos nos is.