Ex-professor da Universidade Federal do Amazonas, um dos fundadores do Jornal Porantim, na década de setenta, em defesa da Causa Indígena, jornalista e historiador, atualmente, professor da UniRio e da Uerj, José Ribamar Bessa Freire critica os militares por “jogar o Brasil contra os índios” e garante, historicamente, que os interesses dos índios coincidem com os nacionais.
Ao contrário do que vem sendo dito por militares e reproduzido pela imprensa, os índios defendem, e não ameaçam, a soberania nacional. É o que garante o jornalista José Ribamar Bessa Freire, professor da pós-graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Nesta entrevista ao site da Revista de História da Biblioteca Nacional, ele critica o Exército por "jogar o Brasil contra os índios" e a imprensa por reproduzir uma imagem equivocada deles e do que representam para o Brasil. O pesquisador, que trabalha há 35 anos com índios, afirma que, historicamente, os interesses dos índios coincidem com os interesses nacionais.
Em artigo publicado no Diário do Amazonas em 20 de abril, você enfatiza que as terras indígenas pertencem à União e não ferem a soberania nacional, conforme disseram militares recentemente. Como se pode garantir a soberania nas terras?
R.B: E como se pode garantir a soberania em uma fazenda – propriedade privada que pode ser vendida - em área de fronteira? Elas existem. A garantia da soberania chama-se Forças Armadas, e elas estão presentes em todas as áreas indígenas, inclusive com muitos soldados índios. Não são os índios que botam a soberania em risco, são os fazendeiros. Disse Joaquim Nabuco, no século XIX, que “os peitos dos índios foram as muralhas do sertão”. Eles não deixaram holandeses, ingleses, franceses e espanhóis descerem. Com arco e flecha, defendiam suas terras. Ainda que eles não estivessem motivados para defender a soberania nacional – até porque não existia nação -, objetivamente eles defenderam e continuam defendendo. Os interesses dos índios coincidem com os interesses nacionais historicamente. O que é bom para os índios é bom para o Brasil.
Pode dar um exemplo desse interesse comum?
R.B: A presença deles lá garante a biodiversidade, porque as lavouras não entram. À medida que os arrozeiros foram invadindo a área, os pássaros João-de-Barba-Grisalha, por exemplo, foram acuados. Imagine quanta diversidade de vida está se perdendo...
Ao alegar risco à soberania nacional os militares se alinham aos arrozeiros?
R.B: O Exército usa a soberania nacional e assim defende o interesse dos arrozeiros, mas não por levar alguma vantagem, e sim por uma ideologia trabalhada no Exército que desvaloriza o índio. Eles jogam o Brasil contra os índios, como se faz há 500 anos. Mas não são todos os militares que estão com esse discurso. Existem os legítimos herdeiros do Marechal Rondon que sabem que os índios são importantes para a soberania brasileira.
No artigo já citado você afirma que o jornal O Globo “lançou uma campanha histérica de desinformação” com o editorial Sandice Indígena, publicado em 17 de abril, que afirma que dar aos índios tais extensões de terras levaria à desestabilização da agricultura local. Como foi a entrada dos arrozeiros na região?
R.B: Eles entraram nos anos 70, aproveitando-se da desinformação dos índios e da sociedade civil, que ainda não tinha se organizado. Eles sabiam que estavam usurpando terras que não eram deles, como no período colonial. A presença dos índios na região é milenar, mas eles não são cartoriais. O governo deu dinheiro para os arrozeiros saírem e quase cem já se retiraram, só sobraram seis, que vão ter que sair. Não existe argumento no mundo que justifique o roubo das terras do índios. O Globo deixa em paz os arrozeiros mas não tem essa condescendência toda com o Movimento Sem Terra, que também ocupa terras fora da legalidade. O editorial do Globo é uma covardia.
O que motiva a imprensa a tomar essa posição?
R.B: Os jornalistas em geral não recebem na sua formação nada sobre os índios e o que eles representam. Por isso, seguem a ideologia dominante na sociedade brasileira, baseada na imagem que a mídia e a escola dão, que é a pior possível. Trabalho há 35 anos com índios, tento olhar com o olho do índio. Se os jornalistas lessem a literatura indígena, vissem a arte, ouvissem a música, fariam diferente. Darcy Ribeiro dizia que nem 1% da população brasileira conhece índios em carne e osso. Talvez essa nova lei que obriga as escolas a ensinarem a história e a cultura dos índios mude um pouco isso.
* Entrevista realizada por Marina Lemle, que é Articulista da Revista de História da Biblioteca Nacional.
Ao contrário do que vem sendo dito por militares e reproduzido pela imprensa, os índios defendem, e não ameaçam, a soberania nacional. É o que garante o jornalista José Ribamar Bessa Freire, professor da pós-graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Nesta entrevista ao site da Revista de História da Biblioteca Nacional, ele critica o Exército por "jogar o Brasil contra os índios" e a imprensa por reproduzir uma imagem equivocada deles e do que representam para o Brasil. O pesquisador, que trabalha há 35 anos com índios, afirma que, historicamente, os interesses dos índios coincidem com os interesses nacionais.
Em artigo publicado no Diário do Amazonas em 20 de abril, você enfatiza que as terras indígenas pertencem à União e não ferem a soberania nacional, conforme disseram militares recentemente. Como se pode garantir a soberania nas terras?
R.B: E como se pode garantir a soberania em uma fazenda – propriedade privada que pode ser vendida - em área de fronteira? Elas existem. A garantia da soberania chama-se Forças Armadas, e elas estão presentes em todas as áreas indígenas, inclusive com muitos soldados índios. Não são os índios que botam a soberania em risco, são os fazendeiros. Disse Joaquim Nabuco, no século XIX, que “os peitos dos índios foram as muralhas do sertão”. Eles não deixaram holandeses, ingleses, franceses e espanhóis descerem. Com arco e flecha, defendiam suas terras. Ainda que eles não estivessem motivados para defender a soberania nacional – até porque não existia nação -, objetivamente eles defenderam e continuam defendendo. Os interesses dos índios coincidem com os interesses nacionais historicamente. O que é bom para os índios é bom para o Brasil.
Pode dar um exemplo desse interesse comum?
R.B: A presença deles lá garante a biodiversidade, porque as lavouras não entram. À medida que os arrozeiros foram invadindo a área, os pássaros João-de-Barba-Grisalha, por exemplo, foram acuados. Imagine quanta diversidade de vida está se perdendo...
Ao alegar risco à soberania nacional os militares se alinham aos arrozeiros?
R.B: O Exército usa a soberania nacional e assim defende o interesse dos arrozeiros, mas não por levar alguma vantagem, e sim por uma ideologia trabalhada no Exército que desvaloriza o índio. Eles jogam o Brasil contra os índios, como se faz há 500 anos. Mas não são todos os militares que estão com esse discurso. Existem os legítimos herdeiros do Marechal Rondon que sabem que os índios são importantes para a soberania brasileira.
No artigo já citado você afirma que o jornal O Globo “lançou uma campanha histérica de desinformação” com o editorial Sandice Indígena, publicado em 17 de abril, que afirma que dar aos índios tais extensões de terras levaria à desestabilização da agricultura local. Como foi a entrada dos arrozeiros na região?
R.B: Eles entraram nos anos 70, aproveitando-se da desinformação dos índios e da sociedade civil, que ainda não tinha se organizado. Eles sabiam que estavam usurpando terras que não eram deles, como no período colonial. A presença dos índios na região é milenar, mas eles não são cartoriais. O governo deu dinheiro para os arrozeiros saírem e quase cem já se retiraram, só sobraram seis, que vão ter que sair. Não existe argumento no mundo que justifique o roubo das terras do índios. O Globo deixa em paz os arrozeiros mas não tem essa condescendência toda com o Movimento Sem Terra, que também ocupa terras fora da legalidade. O editorial do Globo é uma covardia.
O que motiva a imprensa a tomar essa posição?
R.B: Os jornalistas em geral não recebem na sua formação nada sobre os índios e o que eles representam. Por isso, seguem a ideologia dominante na sociedade brasileira, baseada na imagem que a mídia e a escola dão, que é a pior possível. Trabalho há 35 anos com índios, tento olhar com o olho do índio. Se os jornalistas lessem a literatura indígena, vissem a arte, ouvissem a música, fariam diferente. Darcy Ribeiro dizia que nem 1% da população brasileira conhece índios em carne e osso. Talvez essa nova lei que obriga as escolas a ensinarem a história e a cultura dos índios mude um pouco isso.
* Entrevista realizada por Marina Lemle, que é Articulista da Revista de História da Biblioteca Nacional.
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