domingo, 24 de abril de 2011

O QUE VAI SER DEPOIS QUE A ZFM PASSAR?

A questão levantada por Márcio Souza é recorrente quando se trata de conferir o desenvolvimento regional da Amazônia, em particular do povo do Amazonas. Tal preocupação não tem merecida atenção dos governantes e agentes públicos quanto às tratativas necessárias para se construir bases sustentáveis do nosso desenvolvimento. O muito que fazem é anunciar sua prorrogação por mais de 20 ou 50 anos como se isto bastasse para garantir a continuidade produtiva do Pólo Industrial de Manaus gerador de mais de 32 bilhões de dólares por ano, com uma desigualdade social perversa retratada nos bolsões de miséria na periferia de Manaus. O projeto Zona Franca De Manaus (ZFM) completou em fevereiro seus 44 anos e nesse período já superou vários entraves burocráticos quase sempre focados na questão legal. Mas o principal interessado deveria ser o governo do Amazonas, que se beneficia diretamente de mais de R$ 10 bilhões por ano dos impostos arrecadados. No entanto, se faz de morto e satisfeito a patinar no presente, exigindo do governo federal prorrogação e mais prorrogação sem nenhuma perspectiva de cenário futuro, a não ser quando vislumbra alguns milhões prometidos como é o caso da Copa de 2014. A falta de planejamento tem sido a marca desse cacicado Amazônico, que por ignorância e oportunismo não criam os instrumentos propositivos necessários para se construir projetos estruturantes que assegurem ao médio prazo a autonomia dos investimentos assentados no aproveitamento dos recursos ambientais que requer pesquisa, inovação, tecnologia e mercado. Não, no presente eles lucram muito mais com a miséria ambiental do que com o investimento no campo da biotecnologia. Por isso, segundo eles o negócio não é viável e assim empurram de barriga para o próximo governo, fazendo girar a roda contra o povo, que por se encontrar em situação de risco aceitam, mas não compreendem sua condição de indigente político. Nesta terça-feira (26) às 10h, a Assembléia Legislativa do Estado, por requerimento do Deputado Adjuto Afonso, estará realizando uma Sessão Especial para se comemorar o 44° aniversário do Projeto Zona Franca de Manaus, não se exige muito, mas pelo menos, que além da fala apologética - para não dizer outra coisa - se defina responsabilidade e competência entre o executivo e o legislativo, na expectativa de garantir plataforma que beneficie tanto a sociedade como a natureza, em se tratando do cumprimento das políticas de responsabilidade social e ambiental. É o pouco que se espera se não quisermos ver a Amazônia devastada sob a pata do boi.

Márcio Souza (*)

É impossível prever o que vai ser culturalmente a cidade de Manaus no futuro, depois que o processo da Zona Franca passar. Belém ainda tem sua importância regional, embora não mais exerça liderança e tenha perdido o posto de portão da Amazônia. É em Belém que ainda estão algumas das agências governamentais importantes, enquanto a cidade de Manaus tende a se transformar num pólo tecnológico, num centro de biodiversidade de alta tecnologia.

Para que isto aconteça, a capital do Amazonas deve superar a tentação populista, oferecer uma rápida integração das massas de migrantes através de processos educacionais e culturais, acumulando ao lado do capital financeiro um capital intelectual com massa suficiente para fazer de sua população mais do que reserva de mão de obra e energia humana escravizada à expansão global do capitalismo.

Esse modelo de desenvolvimento regional baseado em grandes projetos, imposto por um regime autoritário, acabou por trazes graves conseqüências para a Amazônia e seu povo. As principais distorções hoje são bastante óbvias, mas o cerceamento da liberdade de expressão, a repressão e o sistemático assassinato de lideranças populares impediram que fossem denunciadas e combatidas na época.

O problema mais em evidência hoje, produzido diretamente por tal modelo imposto pelo regime militar, é o de degradação ambiental em processo acelerado. Segundo os mais conservadores levantamentos aproximadamente 11% da cobertura vegetal da região foi destruída irremediavelmente até o ano de 2001, apenas na Amazônia brasileira. A pecuária e o uso do solo predominam nessas áreas por toda a região.

Entre 1900 e 2003, o rebanho bovino na Amazônia cresceu de 26 milhões e 600 mil cabeças para 64 milhões de cabeças, um aumento de 140%, segundo fontes do IBGE. Mas as sociedades nacionais que possuem a Amazônia ainda não se deram conta dos conflitos de interesses que se desenvolvem na região, e os danos irreversíveis que foram causados ao meio ambiente. Entre 1965 e 1970 a Amazônia foi a rota final de milhares de migrantes do sul do Brasil.

O governo militar tratava de resolver o problema agrário que crescia no extremo sul do Brasil, num momento em que as tradicionais fronteiras de São Paulo e Paraná estavam esgotadas. O sistema agrário do sul passava por um processo de modernização das práticas agrícolas acompanhadas de créditos e incentivos fiscais, levando a um grande número de pequenos proprietários rurais a venderem suas terras. No começo dos 60 o sul estava expelindo mais gente do que podia absorver.

O Pará, o Maranhão e Rondônia foram os estados que receberam um grande número de colonos. Numa única década a fronteira deslocou e empurrou para a Amazônia 10 milhões de pessoas. Sobre essa questão deve-se ter uma visão correta, evitando cair no catastrofismo de certos defensores de nossa integridade, que não foram convidados por nós a fazer nossa defesa, mas que insistem em soluções salvacionistas, sem nenhuma base científica que reduzem a Amazônia, da mesma forma que os militares o fizeram, a um território sem tradição cultural ou história, que precisa ser ocupado por sua boas intenções.

O ambientalista Thomas W. Fatheuer comenta que: “A ecologização total da Amazônia esvazia a região de suas características sociais. É fácil de compreender porquê no modelo de equilíbrio ecológico, todas as intervenções humanas são classificadas como prejudiciais. Exagerando: o homem aparece, a não ser que seja índio, como destruidor, como predador. Ele nem poderia deixar de sê-lo. A crítica ao desenvolvimento da Amazônia se volta assim não contra um modelo histórico, econômico e socialmente determinado de apropriação, mas contra todo e qualquer aproveitamento humano”.

(continua no próximo domingo)

(*) É escritor, dramaturgo e articulista de A Crítica.

3 comentários:

Anônimo disse...

Falta competência ao goveno brasileiro e aos "inteligentes" do pedaço. Só pensam no presente e esquecem dos erros do passado para construir um modelo de desenvolvimento adequado para a nossa região, incluindo as pessoas que aqui vivem. Essa incompetência é um perigo pois as atitudes tomadas e os planos mirabolantes desconstroem tudo o que Deus construiu.

Juscelia Castro disse...

Planejamento, gestão séria e competente são requisitos necessários para o desenvolvimento progressivo do Amazonas.

Porém, o que se vê são sub-projetos, onde o desenvolvimento passa longe.

Infelizmente, o mandatismo, as velhas tradições oligárquicas, o nepotismo, dentre tantas outras falhas na máquina pública, ainda têm força neste Estado. E isso só tende a trazer mais retrocesso cultural, tecnológico e social ao nosso povo.

Bem, eu espero por mudancas e creio que o voto seja o caminho para tal. Precisamos nos educar politicamente, para saber escolher com acuracia os nossos proximos representantes.

Marcelo Seráfico disse...

Oportuno e pertinente, o artigo de Márcio Souza põe em discussão tema da maior importância para todos os que se inquietam com as condições de vida na Amazônia.
Todos os anos, vemos publicadas nos noticiários locais informações sobre o estupendo faturamento das empresas do PIM. Vemos, também, dados estarrecedores acerca da educação, da saúde, do saneamento e da habitação no Amazonas. Aparentemente, a situação é esquizofrênica.
O que explica esse estado de coisas? O que explica que os 30 anos iniciais dos incentivos (de 1967 a 1997) não tenham sido suficientes para que outras estratégias de dinamização econômica surgissem sob o sol radiante do Amazonas? O que explica que as prorrogações desses mesmos incentivos tivessem nulo efeito sobre a orientação política dos que dominam o Estado? O que explica que partidários de todas as ideologias, hoje, se mobilizem apenas e tão somente para clamar por mais prorrogação?
A resposta a essas perguntas dissipará, por certo, qualquer interpretação psicologizante. A esquizofrenia aparente dará vez à intrincada relação entre interesses os mais diversos e, por vezes, menos legítimos.
Evidentemente, não basta explicar para mudar. Mas é preciso explicar para evitar erros e lutar pela possibilidade de acertos.
E se uma conclusão pode se tirar dessa história de 44 anos é a de que mais do que crescimento do faturamento das empresas - e do Governo -, é necessário fazer crescer a participação da sociedade na apropriação da riqueza aqui produzida. Portanto, é necessário forjar novas estratégias centradas na melhoria das condições de vida dos muitos que permanecem estranhos no banquete de poucos.